9 DE OUTUBRO DE 1992 103
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sim, são os impostos, o sistema, não.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Legisla sobre o sistema, não cria...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não. A criação de imposto, incluindo...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Está bem, está bem.
O Sr. Presidente: - Estão abertas as inscrições. Eu tinha-me inscrito, não como presidente, mas como simples interventor, porque gostava de tecer algumas considerações sobre esta matéria.
Quero começar por dizer que penso que, pela ordem natural das coisas, é importante para a evolução do sistema político português que a Assembleia da República passe a ter maior intervenção do que aquela que actualmente tem em matéria comunitária. Esta é uma convicção que tenho, do ponto de vista político e do ponto de vista daquilo que considero a desejável evolução do sistema político português.
Todavia, não é segredo para ninguém que existe um ponto de divergência, ou pelo menos de não coincidência nesta fase da discussão, entre os projectos apresentados pelo Partido Socialista e pelo CDS e o projecto apresentado pelo PSD, que omite qualquer referência a esse ponto.
Quero referir que, de um ponto de vista estritamente jurídico e quanto ao funcionamento da Assembleia da República, existem já as condições suficientes para os desideratos manifestados pelo Partido Socialista e pelo CDS se realizarem, quer a nível constitucional, quer particularmente a nível ordinário.
Como VV. Exas. sabem, ao nível ordinário existe a Lei n.° 111/88, de 15 de Dezembro, que veio especificamente regular o acompanhamento da Assembleia da República em matérias relativas à participação de Portugal nas Comunidades Europeias. Suponho que algumas das formulações que o Partido Socialista recolheu no seu projecto tiveram pelo menos inspiração ou tiveram em atenção o articulado dessa lei, visto que nela se refere, justamente no n.° 1 do artigo 1.°, que a "Assembleia da República deve fazer o acompanhamento do processo de inserção de Portugal nas Comunidades Europeias".
Por outro lado, o facto de existir essa lei, que é uma lei conforme à Constituição, significa que é da competência da Assembleia da República acompanhar essas matérias e sobre elas fazer leis ou fazer elaborar resoluções. Isso é perfeitamente claro ao ler-se a disposição genérica da alínea o) do artigo 164.° da Constituição.
Digamos que de um ponto de vista jurídico, face ao ordenamento português, não só a Assembleia da República já tem esses poderes, como ainda uma lei ordinária veio mencionar e desenvolver esse aspecto de modo específico. E, portanto, a questão que está em aberto é uma questão puramente política, que é a de saber se é neste momento relevante elevar ao nível constitucional aquilo que hoje está já claramente disposto numa lei ordinária.
Acresce que, ainda para completar a panóplia dos instrumentos legais, no projecto do Tratado de Maastricht existe uma declaração relativa ao papel dos Parlamentos nacionais na União Europeia, onde, de uma maneira inequívoca, é apontada a necessidade do reforço do papel dos Parlamentos nacionais no que diz respeito à actividade comunitária e à construção europeia.
O problema que, quanto a mim, se põe é o de se saber, em termos políticos, da necessidade de se introduzir esta norma concretizadora de uma atribuição que a Assembleia já detém, na alínea o) do artigo 164.°, e do momento de o fazer.
Na minha perspectiva não tenho dúvidas quanto à necessidade de a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania assumirem plenamente aquilo que já está disposto nessa Lei n.° 111/88. Não tenho nenhuma posição de princípio contra a eventual elevação à sua consignação na Constituição, mas gostaria de deixar em aberto a questão importante sobre a oportunidade de se fazer essa operação, neste momento ou num outro momento, numa outra revisão constitucional, quando a nova revisão se não limitar a aspectos muitos especificamente relacionados com a questão que abriu esta revisão extraordinária. Poder-se-á dizer que, do ponto de vista do jogo dos poderes e do sistema político, a acentuação e o sublinhar da competência da Assembleia da República deverão ser sempre acompanhados de uma revisão geral, global, do sistema político - global no sentido de pequenos afinamentos, não é que eu pense que o sistema político semipresidencial deva ter alterações significativas -, o que é tanto mais evidente quanto mais algumas das normas, como a relativa à designação dos órgãos comunitários, tocam em matérias que, por exemplo, foram expressamente objecto de uma exclusão nesta revisão, como é a parte relativa às eleições, à disciplina eleitoral. Com isto, quero dizer que deixo em aberto, para uma ponderação ulterior, que tem de entrar em linha de conta com o aspecto global desta revisão e da situação política em geral, a hipótese de se introduzirem neste momento, se for conveniente, essas modificações, sem prejuízo de se poder considerar que. mesmo sendo desejável do ponto de vista da modificação constitucional - sendo certo, todavia, como já sublinhei, que a consagração dessas normas não é necessária para que a Assembleia já exerça essas funções -, pelo contrário, devemos deixar a sua revisão para um momento ulterior, quando pudermos perspectivar em termos mais globais o afinamento do sistema de governo que está consignado na Constituição.
Quis dizer isto para que não houvesse quaisquer equívocos, e fi-lo, de resto, a título pessoal, na medida em que a decisão final depende, evidentemente, de estratégias políticas que cabem, como é natural, aos partidos traçar e a nós, neste caso concreto e não estando em jogo valores essenciais, acatar.
Para completar, gostaria ainda de referir que, na especialidade, digamos assim, preferiria, só para ser útil ao debate, a formulação da proposta de alteração à alínea o) do artigo 164.°, apresentada pelo Partido Socialista, muito embora devesse ser, a meu ver, corrigida ou integrada com a menção à subsidiariedade, feita pelo CDS, que. em minha opinião, é uma observação rica.
Quanto ao problema do regime da designação dos membros dos órgãos institucionais ou dos órgãos próprios das Comunidades Europeias, do ponto de vista técnico, a questão que se coloca é a de saber se todos os órgãos têm a dignidade e a importância suficiente, mesmo as pequenas comissões, visto a "comitologia", como é costume dizer-se a propósito das Comunidades Europeias, ser de tal modo vasta e de todos esses comités poderem, dentro de uma determinada orientação, ascender, ou pretenderem ter a categoria de órgãos. A ideia de que um órgão tem de manifestar uma vontade imputável à pessoa colectiva faz parte de uma certa interpretação da teoria orgânica que não é partilhada por toda a gente, pelo que pode, perfeitamente.