vencimento - de poder haver candidaturas de cidadãos independentes à Assembleia da República.
Entendemos que é adequado, designadamente a nível autárquico, que essa possibilidade seja encarada, parece que aí faz todo o sentido. Agora, quanto à Assembleia da República, dada a natureza deste órgão de soberania, do qual depende, de facto, a subsistência dos governos, parece-nos mais difícil de conceber a possibilidade de haver grupos de cidadãos que tenham uma plataforma suficientemente sólida para dar alguma garantia quanto à participação desses cidadãos enquanto tais no que se refere à efectivação da responsabilidade política de um qualquer governo perante a Assembleia da República.
Isto é, colocando a questão de outra maneira, verificamos que hoje em dia a constituição de um partido político, do ponto de vista formal, não é exigente, trata-se apenas de 5000 assinaturas. Mas um partido político que se candidata à Assembleia da República é naturalmente mais do que isso, isto é, a apresentação de uma candidatura à Assembleia da República parte de algum de comum, parte da existência de um partido, parte da existência de uma plataforma ideológica, de uma plataforma programática de determinadas pessoas que se apresentam perante o eleitorado com um determinado projecto de governo.
Ora, não estou a ver como é que é possível reunir uma plataforma de cidadãos independentes com estas características, não sei em torno de quê. Em torno da fotogenia? Em torno da independência propriamente dita? Isto é, que garantias programáticas dá aquele núcleo de cidadãos àqueles que neles confiem para os elegerem?
Portanto, creio que, sem demagogias, esta discussão da candidatura de independentes à Assembleia da República é uma questão que deveria merecer uma adequada ponderação e, do nosso ponto de vista, é difícil de conceber.
O Sr. Presidente: - Algum Sr. Deputado quer ainda acrescentar alguma coisa?
Permitam-me, então, duas ou três observações. Em primeiro lugar, em relação a duas perguntas que não foram respondidas e que carecem de resposta, quanto mais não seja por homenagem a quem as fez.
A questão da independência dos deputados é uma questão séria da nossa Assembleia. A hiper-partidarização da vida política portuguesa, que é congénita do nascimento da República, levou a uma relativa secundarização do papel do deputado individual.
Isso não tem a ver apenas com o sistema de listas pluri-nominais partidárias, com o sistema de representação proporcional, tem a ver também com uma questão de cultura e de praxis política, que foi acentuada por circunstâncias próprias do nascimento da nossa República.
Penso que essa preocupação tem, nesta revisão constitucional, algumas manifestações importantes. Desde logo, uma proposta do PS para estabelecer expressamente o exercício livre do mandato dos Deputados; em segundo lugar, algumas propostas de outros Deputados, nomeadamente do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, e por cause, é Deputado independente no Grupo Parlamentar do PS e fez algumas propostas extremamente meritórias no sentido de dar ao Deputado individual alguns poderes que hoje não lhe assistem. Por exemplo, segundo o actual Regimento da Assembleia da República, os Deputados individuais nem sequer têm um direito a intervir nos debates, intervêm conforme os respectivos partidos os inscrevam na tabela de inscrições. Hoje, só existe o direito de o Deputado intervir, por sessão legislativa, no período de antes da ordem do dia.
Ora bem, nesta revisão constitucional, tudo indica, vai haver uma pequena melhoria, dando aos Deputados o direito de intervir individualmente nos debates, dando-lhe, porventura, um tempo por sessão legislativa que ele governará livremente para intervir nos debates que mais lhe interessem.
Por outro lado, a própria cultura política está em vias de mudança. O reconhecimento da liberdade de voto em algumas questões mais polémicas já não é tão rara como isso; aconteceu ainda recentemente, na semana passada, com a votação da lei de disponibilização do aborto, em que uma minoria de Deputados do PS votou contra a orientação da maioria dos Deputados, no PSD a mesma coisa e até no PP houve um Deputado que se absteve num dos projectos quando toda a bancada votou noutro sentido. E, provavelmente, isso ocorrerá em relação a outras matérias igualmente tão polémicas como esta.
Portanto, há alguns progressos nesta matéria e penso que se o sistema eleitoral evoluir no sentido de conjugar o sistema proporcional com candidaturas e escolhas eleitorais personalizadas, iremos ter uma melhoria qualitativa do papel do Deputado individualmente no sistema político em geral e na vida parlamentar em particular.
Quanto à moção de censura construtiva, é um "velho cavalo de batalha" do Partido Socialista. Não parece que vá encontrar acolhimento, pois o PSD, o PP e o PCP opuseram-se-lhe.
Como sabem, uma moção de censura construtiva significa que quem propuser uma moção de censura tem de a fazer acompanhar de um projecto de governo alternativo e, nomeadamente, de candidato a Primeiro-Ministro alternativo, de tal modo que a aprovação da moção implica, automaticamente, a nomeação de um outro governo, ou pelo menos de um outro Primeiro-Ministro.
É uma solução que vigora, como sabem, na Alemanha, onde a figura foi criada na actual lei fundamental de 1949 e que depois foi transposta para outros sistemas políticos parlamentares, nomeadamente para a Espanha.
Pessoalmente, é sabido que não é uma figura que me encante. Ela tem a vantagem, de facto, de dificultar moções de censura, rarefazer as crises políticas resultantes do derrube do governo por moções de censura, implicar que o derrube do governo implica automaticamente a substituição por outro, mas no sistema do governo português tem alguns "quês". Desde logo, o facto de, sendo a nossa uma República parlamentar e ter um Presidente da República que tem um papel activo no sistema político, entre eles o de escolher o Primeiro-Ministro, a moção de censura construtiva implicaria que, nesses casos pelo menos, o Presidente da República deixaria de ter o poder de escolha do Primeiro-Ministro e, perante uma moção de censura construtiva aprovada, o Presidente da República só teria duas opções: ou nomear o Primeiro-Ministro indicado na moção de censura, ou dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas.
E tem ainda outro "quê", esse, a meu ver, mais importante: é que, no caso de uma moção de censura construtiva, constitui governo um partido que não ganhou as eleições contra o partido que as ganhou, mesmo se por maioria relativa, o que implica que a forma normal de substituir um governo derrubado, que é dar-lhe mais uma chance de formar um governo, porventura em coligação com outro partido, deixaria de existir com a moção de censura construtiva.
A moção de censura construtiva implica o afastamento da área governamental do partido que ganhou as eleições, isto é, do partido cujo governo é derrubado.