Sr. Deputado Barbosa de Melo há pouco referiu, a propósito da pena de morte), vamos esperar que todas estas questões se sedimentem, ganhem consistência e normatividade e, então sim, afeiçoamos a mais importante e sagrada das leis, que é a Constituição? Enfim, fala o cidadão probo.
A segunda questão, esta dirigida ao Sr. Deputado José Magalhães, prende-se com o seguinte: não há dúvida que se utilizar como argumento o terrorismo, "a bomba em Berlim", estou de acordo. Só que, já agora, colocamos no mesmo "saco" a criminalidade altamente organizada…
Gostaria de tornar claro o seguinte: se lermos o artigo 215.º do Código de Processo Penal, constatamos que os prazos de prisão preventiva podem ser elevados se se tratar de crime grave que, enfim, conste do catálogo do artigo 209.º e de um processo de especial complexidade, por exemplo. Constatamos, igualmente, que a criminalidade organizada é, ela própria, objecto de medidas repressivas específicas. Simplesmente, não há nenhuma definição substantiva desse conceito.
Alterar a Constituição e, de consciência tranquila, tentar dizer "este conceito tem conteúdo normativo concreto, donde podemos descansar da sua garantia", sem termos realmente a consciência perfeita, a ideia de que no nosso próprio direito nada disso é assim, por isso há que imaginar a interpretação que os Estados requerentes possam ter deste mesmo conceito!
Em terceiro lugar, há pouco falei da ideia de podermos abrir, à-vontade, os nossos princípios mais sagrados, como seja o de não extraditarmos nacionais, porque estamos numa comunidade de Estados que possui, digamos, o mesmo quadro de referência de Estados de direito democráticos, como é o caso da União Europeia… Enfim, pelo menos era o caso do Conselho da Europa, mas já começa a surgir alguma dúvida se será totalmente assim no quadro da União Europeia, porque esta é uma união mais política e económica do que propriamente de referenciais de democracia, neste particular aspecto.
Mas, dizia eu, clausular esta matéria na Constituição é admitir a excepção em relação a países que não são da União Europeia, isto é, a todos os países que existem por esse mundo, com os quais Portugal não tem qualquer espécie de património comum de cultura, nem de cultura jurídica nem de princípios de ordenação jurídica. Ficaríamos, então, à mercê de pedidos para que fossem extraditados nacionais por crimes putativamente de criminalidade organizada - conceito vago, no qual tudo pode entrar - e, mais ainda, ficaríamos desarmados.
Finalmente, como é sabido, a única válvula de segurança que os sistemas de cooperação têm, hoje em dia, ainda é a velha ideia da reciprocidade e, aqui, se formos enganados uma vez, não seremos enganados segunda, porque na próxima recusamos. Mas isto vale o que vale! É que, realmente, em casos suficientemente graves, podemos ser enganados uma ou duas vezes sem ter qualquer capacidade de defesa.
Portanto, e só para clarificar, apesar de estarmos a falar de algo sem texto (porque não o há, como o Sr. Presidente há pouco dizia), e tomando como referência o texto do acordo político entre o PS e o PSD, devo dizer que estou de acordo com a solução proposta em matéria de terrorismo, mas já não quanto ao conceito de "criminalidade altamente organizada". E a ideia de que tudo isto se reflecte no património da União Europeia não é totalmente verdade.
Chamo, ainda, a atenção para o facto de termos de distinguir entre extradição para procedimento e extradição para cumprimento de pena. De facto, essa distinção não está feita e são dois mundos separados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Teresa Beleza.
A Sr.ª Dr.ª Teresa Beleza: - Sr. Presidente, se me permite, gostava de voltar, com brevidade, às questões que aqui foram colocadas pelo Sr. Deputado José Magalhães e pela Sr.ª Deputada Odete Santos. Vi algum campo comum e, portanto, tentarei responder, na minha perspectiva, em conjunto.
Em primeiro lugar, quanto ao argumento inicial do Sr. Deputado José Magalhães, mais uma vez, gostaria de voltar ao apelo de ordem histórica. É que, julgo, nunca ninguém, designadamente as autoridades, no momento em que se pronuncia, considera que os instrumentos de repressão existentes não são suficientes. Isto é, esta ideia de que, hoje, a criminalidade altamente organizada, do ponto de vista internacional, está a asfixiar a autoridade dos Estados e, portanto, tem de alterar-se a natureza das coisas, é um argumento antiquíssimo e não só do passado recente.
Lembraria, por exemplo, as discussões que tiveram lugar aquando da entrada em vigor do Código Penal de 1982 - na altura, havia um discurso parecido com este; também quando foram votadas todas as leis de excepção, nos anos 70, na Europa, foi recorrente este tipo de argumentação. E se recuássemos muito mais na história, constataríamos que, em certos pontos das discussões sobre esta matéria, no século XIX ou, mesmo, mais para trás, há sempre a convicção, que parece objectiva e fundada, de que, no nosso tempo, tudo é muito mais grave, tudo é muito mais trágico, tudo é muito pior!
No entanto, se comparássemos, por exemplo, alguns quadros - e agora estou a colocar-me num plano ligeiramente diferente da chamada criminalidade internacional - da chamada criminalidade suburbana na Inglaterra de Dickens, no século XIX, ficaríamos horrorizados com o que se contam nos textos da altura e, em termos comparativos, parecer-nos-ia que as nossas cidades eram realmente verdadeiros santuários, no sentido poético, se quisermos.
Portanto, julgo que é preciso algum cuidado com esta tentação de dizer que é agora que vamos resolver estes problemas sinistros que nos coloca, finalmente, o grande desafio da criminalidade internacional. Mesmo sem querer ir ao ponto de algum cinismo, não posso deixar de me expressar porque, apesar de tudo, há alguns anos que me dedico a estas matérias e, enfim, fui obrigada a lidar com ele e verifico que há sempre uma lógica, de certa maneira imperialista, dos sistemas de repressão penal no sentido de que estão sempre a justificar a sua expansão, sejam as organizações policiais, sejam as organizações de magistrados. Enfim, há uma lógica, até do ponto de vista da sociologia das organizações, que vai no sentido de que é sempre preciso fundamentar que é necessário mais dinheiro, mais meios para combater a criminalidade, cinismo este que resulta da ideia de que tudo isto seria relativamente legítimo, independentemente da eficácia, se, do ponto de vista da definição, da valoração, da repressão da criminalidade, as questões fossem objectivas e consensuais. Nada mais longe da realidade!
Voltemos ao exemplo, há pouco referido, da chamada "criminalidade altamente organizada" ou criminalidade