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grave que, na perspectiva da lei processual penal portuguesa, pode, por vezes, por remissão para um Código Penal cuja medida da pena era completamente absurda - e, certamente, mais na versão de 1982 do que na actual -, fazer abranger, nos chamados crimes incaucionáveis, certos actos de gravidade certamente muito inferior a outros (por exemplo, furtar um automóvel podia ser um crime incaucionável), ou seja, em que a prisão preventiva seria obrigatória mas em que num crime de violação podia não ser.
Portanto, esta referência a outros conceitos que estão, eventualmente, na lei substantiva ordinária também transporta, em si, o problema da própria justiça filosófica material e jurídica das próprias definições nesse contexto.
Ainda assim, voltando à questão desses conceitos que, hoje (nalguns casos, com mais pormenor, noutros, com menos), constam do Código de Processo Penal, é evidente que a Constituição, se remetesse para a lei ordinária, correria sempre o risco de, um dia mais tarde, se voltar a colocar o problema de saber o que quer dizer "criminalidade altamente organizada" porque, entretanto, o Código de Processo Penal tinha sito alterado. Lembremos, por exemplo, o que se passou com a discussão sobre a "instrução" e o "inquérito", entre muitos outros exemplos possíveis.
Além do mais, parece-me que o argumento que o Sr. Deputado José Magalhães utilizou em relação à bomba em Berlim, e não esquecendo a justa observação da Sr.ª Deputada Odete Santos de que o nosso direito interno já hoje tem preceitos fundamentais nesta matéria, em termos de assegurar que ou se extradita ou se julga e, ao contrário da nossa tradição, já se conhece alguma possível relevância das normas estrangeiras aplicáveis, em termos da medida concreta da pena, o que também constitui um aspecto importante da cooperação. Mas, dizia, parece-me que esse argumento, a ser aceite, poderia ser utilizado sem limite, ou seja, se entendo que um ataque bombista em Berlim seria mais eficazmente julgado em Berlim, teria, em última análise, de aceitar que seria assim, mesmo que - felizmente já não é verdade! - a Alemanha mantivesse a pena de morte. Isto é, em última análise, essa eficácia poderia fazer ceder mesmo nos casos em que seria aplicável a pena de morte.
Pensemos na China ou nos Estados Unidos. Mesmo para quem aceite essa versão sem as garantias prestadas, penso que a eficácia da possibilidade do julgamento no local do crime tem de ser ponderada, como é evidente, em contraposição com outros valores que, eventualmente, em certos casos, entendamos que sejam fundamentais - quer seja a questão da pena de morte quer seja a questão da nacionalidade.
Além disso, a extradição não é, obviamente, a única forma de cooperação internacional - e voltamos ainda à questão da Sr.ª Deputada Odete Santos. Quem melhor do que o Sr. Procurador-Geral da República poderia aqui testemunhar o facto de, neste momento, o funcionamento dos mecanismos de cooperação internacional, em matéria penal, quer do ponto de vista legal quer do ponto de vista da forma como cooperam as polícias ou as magistraturas, significarem um avanço em relação ao passado? Não creio, pois, que seja necessário ceder nestes pontos para que a cooperação exista.
Neste contexto, o Sr. Deputado José Magalhães referiu-se a um caso em que uma determinada pessoa não teria sido nem extraditada nem punida. Bom, reitero aqui o apelo aos nossos princípios tradicionais e ainda vigentes do Processo Penal para dizer que, neste tipo de questões, há sempre uma margem de risco que é aceite como contrapeso das garantias de que um eventual culpado não seja punido. Mas isso é também o contrapeso do risco de pessoas inocentes serem condenadas ou de pessoas serem extraditadas em condições que não deveriam sê-lo, isto é, na minha perspectiva, o défice há-de ser sempre necessariamente positivo, do ponto de vista garantístico. Ou seja, o facto de ter havido um caso de uma pessoa que, eventualmente, terá escapado não é, quanto a mim, argumento, porque essa poderia ser a margem de risco que permitiria a manutenção de um sistema garantístico.
Mais: na utilização desse argumento, o Sr. Deputado José Magalhães está, de alguma forma, a aceitar uma ideia, que é talvez própria às pessoas - e perdoar-me-á a referência - leigas ou laicas, que é a de que, na realidade, o Direito Penal funciona como punindo na justa proporção daquilo que foi feito pelas pessoas que, realmente, cometeram determinados crimes.
Ora, sabemos que nada está mais longe da realidade do funcionamento do sistema penal, isto é, a forma desigual e desproporcionada incita em qualquer sistema penal é tão forte que argumentar no sentido de que se deveriam adoptar certas regras em relação à extradição ou outra situação qualquer porque, num caso concreto, uma determinada pessoa escapou, quanto a mim, perde também por aí, em termos de base empírica, a sua legitimidade.
Quanto à referência que fez ao Tribunal Constitucional, julgo que o raciocínio do Tribunal Constitucional para englobar as penas perpétuas ao lado da pena de morte, como fundamento ilegítimo de concessão de extradição, é relativamente linear. A Constituição, embora em artigos diferentes, declara a pena de morte inadmissível e disso tira consequências directas, estabelecendo que não pode haver extradição em casos de pena de morte. Todavia, também declara que as penas perpétuas e outras, aliás, são impossíveis no direito português e, portanto, o raciocínio será este: se a pena de morte não é admissível, logo não se pode extraditar para aplicar a pena de morte. E o mesmo vale do ponto de vista das penas perpétuas, como é óbvio.
Ainda que chamássemos a este exercício uma interpretação extensiva ou analogia, ela nunca seria ilegítima do ponto de vista do raciocínio do Tribunal Constitucional, em matéria de direitos constitucionais.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr.ª Dr.ª Teresa Beleza.
Suponho que, depois dos testemunhos que acabámos de ouvir, seguramente enriquecemos, e bastante, todo o quadro de reflexão que a Comissão vai, inevitavelmente, continuar a ter sobre esta matéria.
Permitam-me, sem querer fazer qualquer síntese necessária do pensamento que aqui foi expresso, que, em todo o caso, sublinhe que esta questão está colocada na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, desde logo, porque também as representações ao nível dos órgãos do Estado, já aqui citadas, chamaram a atenção desta Comissão para problemas que são delicados a nível do Estado.
Designadamente quando o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Procurador-Geral da República suscitaram algumas dificuldades actuais, em vista de uma política portuguesa, em especial no que diz respeito à construção do terceiro pilar e ao problema da cooperação em matéria judicial, nomeadamente no combate à criminalidade internacional, colocaram uma questão que não pode deixar de ser reflectida