quanto à ambição da cooperação a promover entre os Estados. E de tal maneira o foram que, enquanto o Tratado de Masstricht se limitava, nestes domínios meramente intergovernamentais, a estabelecer que os Estados membros, entre si, deviam adoptar posições comuns, celebrarem acordos, estabelecerem acções comuns (estou a citar as disposições dos artigos k.1, k.2 e k.3 da versão primitiva do Tratado de Maastricht), o Tratado de Amesterdão veio introduzir outros instrumentos para uma cooperação muito mais activa. Veio, designadamente, instruir o instrumento das decisões-quadro, permitir que as convenções celebradas entre os Estados membros deixassem de ser concebidas, para terem eficácia no espaço da União, como convenções celebradas necessariamente entre todos os Estados membros e poderem passar a ser celebradas apenas entre parte dos Estados membros, dando lugar ao regime da cooperação reforçada.
Neste sentido, de facto, muita coisa mudou entre as dinâmicas do Tratado de Masstricht e as dinâmicas do Tratado de Amesterdão. Basta ver, aliás, o significado enorme que, para o aprofundamento desse espaço de liberdade, de segurança e de justiça, passou a existir nas preocupações da União, desde logo com aquele que foi o testemunho das conclusões de Tampere, que tem estado permanentemente presente no Score-Board e que, em sede de comissão, tem sido sustentado. Esse testemunho é muito claro relativamente ao compromisso para intensificar, quer as modalidades de definição penal e, até, de moldura penal para certo tipo de crimes que importa combater eficazmente no espaço da União Europeia, quer os aspectos relativos, por exemplo, ao reconhecimento mútuo das decisões judiciais.
Permita-me que leia o que consta da versão actualizada do Score-board: "O Conselho Europeu subscreve o princípio do reconhecimento mútuo que, na sua opinião, se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal. Este princípio deverá aplicar-se às sentenças e a outras decisões das autoridades judiciais". Podia citar muitos mais enunciados deste tipo, alguns dos quais estão já claramente calendarizados quanto a um conjunto vasto de iniciativas que a Comissão está a promover - certamente, com a audição do Sr. Comissário António Vitorino, teremos oportunidade de sobre todas elas reflectir -, visando não só o reconhecimento mútuo das decisões judiciais como, igualmente, a revisão do próprio regime de funcionamento da extradição no quadro dos Estados membros da União.
Tudo isto se encontra em processo acelerado de reflexão e de elaboração para apresentação de propostas que podem vir a ter a natureza de decisões-quadro, ou a ser subscritas por via de convenção, ou podem dar lugar a que uns Estados entrem em regimes de cooperações reforçadas entre si e, eventualmente, que outros não o possam fazer, designadamente por encontrarem algum obstáculo constitucional na sua ordem jurídica interna.
Ora, mais vale prevenir do que remediar. A meu ver, vale mais que consigamos perceber o sentido que esta evolução está a ter no quadro de uma nova dinâmica dos Tratados - que não propriamente aquela a que se referia o Sr. Deputado Marques Guedes, apenas com base na versão originária do Tratado de Maastricht - para evitar que venhamos a ser colocados, mais dia menos dia, numa situação de termos de ir "a correr", sobretudo por parte daqueles que acreditam no processo de aprofundamento da União Europeia, rever disposições da Constituição a fim de permitir que Portugal mantenha um passo actualizado nesses domínios de aprofundamento do espaço da liberdade, da segurança e da justiça.
É, pois, com esta preocupação que apresentamos este tema para debate em sede de revisão constitucional. E vamos falar com franqueza: para Portugal, o âmbito desta matéria tem muito mais premência do que a própria questão do Tribunal Penal Internacional, porque relativamente a este queremos, pela nossa adesão, dar um testemunho de consolidação na ordem internacional de uma certa maneira independente, autónoma, permanente, estável e isenta de fazer justiça internacional, mas não estamos a acreditar, de acordo com a nossa própria convicção matricial acerca do cumprimento das regras do Estado de direito, que os crimes de que se vai ocupar o Tribunal Penal Internacional, verosimilmente, venham a ter de ser aplicados em julgamento de acções produzidas a partir de situações de violação de que cidadãos portugueses viessem a ser responsáveis.
No entanto, não é assim no que diz respeito ao aprofundamento do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Esse está aí, na ordem do dia; esse vai afectar de maneira significativa a dinâmica de cooperação e de inter-relação entre ordens judiciárias, entre a execução de decisões dos tribunais, entre instrumentos jurídicos dos vários Estados membros! É, portanto, de uma realidade mais premente sobre a nossa própria ordem jurídica e os nossos próprios processos de decisão de que se trata de tomar consciência e, eventualmente, responder por forma adequada.
Não quero maçar nem o Sr. Deputado Luís Marques Guedes nem os demais Srs. Deputados com mais uma longa dissertação sobre o assunto, mas julgo que destas minhas palavras terá resultado que, de facto, não foi impertinente, bem pelo contrário, revela toda a pertinência que o Partido Socialista tenha trazido este tema para reflexão neste processo de revisão constitucional.
Nas audições que realizaremos com a presença do Sr. Ministro da Justiça e do Sr. Comissário António Vitorino, para além do desenvolvimento da nossa própria reflexão, encontraremos, estou convencido, motivos para vir a compreender o bom fundamento desta iniciativa que o PS apresenta e para não a julgarmos intempestiva.
Vou quedar-me por aqui, até porque estou convencido que o Sr. Presidente, nas suas próprias considerações, complementará, com benefício, estas preocupações que aqui vos deixo.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, uso da palavra apenas para dar um testemunho, não para acrescentar nada de muito substancial àquilo que disse o Sr. Deputado Jorge Lacão, que subscrevo inteiramente.
Concordo também com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pois a vinda aqui do Sr. Comissário António Vitorino, e também do Sr. Ministro da Justiça, poder-nos-á ajudar a aprofundar todas estas matérias.
Durante anos, participei no Conselho de Ministros da Justiça e de Assuntos Internos das Comunidades, e devo dizer que o fiz com imensa frustração - eu e todos os colegas que dele faziam parte. Efectivamente, só para dar um exemplo, a criação e a entrada em funcionamento da Europol demorou anos, anos e anos, e poderia repetir aqui matérias à saciedade. Porém, ocorreu uma viragem muito importante, que foi precisamente a Cimeira de Tampere, a partir da qual surgiu um novo dinamismo.