Penso que se há matéria sobre a qual deve haver consenso entre todos nós é a de que não podemos fazer revisões constitucionais todos os anos, ou de dois em dois anos, para podermos cumprir obrigações internacionais com as quais estaremos de acordo, ou, pelo menos, com que se espera que possamos estar de acordo, naturalmente com as limitações que já foram apontadas de que dentro do espaço judiciário europeu nem todos os sistemas estão ainda igualizados, continuando a haver países que mantêm a pena de prisão perpétua, sendo certo que todos nós sabemos o que são essas penas de prisão perpétua quando comparadas com a média das penas existentes no nosso país. Aí, também há muita falácia à volta disso.
Mas penso que deveremos atentar nesta evolução recente da criação deste espaço judiciário e prepararmo-nos para, dentro do possível - e penso que não será impossível -, termos certidão constitucional para podermos, à medida que formos confrontados com a criação desse espaço judiciário europeu, não termos de, sistematicamente, proceder a revisões constitucionais.
Aliás, lembro que já aqui, noutra qualidade, vim levantar um conjunto de problemas que se ligavam com este, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e outros Srs. Deputados, naturalmente, como o Sr. Deputado Jorge Lacão, do PS, participaram nessas matérias com as quais fomos também confrontados.
A certa altura, Portugal, e outros países, precisamente devido a um sistema de extradição que excluía por completo a de nacionais, foi confrontado com a necessidade de fazer uma revisão constitucional que introduzisse essa possibilidade, dentro dos limites que sabemos serem aqueles que hoje constam.
Ora, na medida em que nos for possível ter um quadro claro (e espero que ele possa resultar das audições a que vamos proceder) da evolução previsível nesta matéria, já apontada nos seus traços fundamentais pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que ganharíamos tudo em dotar a Constituição de meios - e, portanto, os órgão de soberania, a começar por este Parlamento - para poder reagir, de um ponto de vista político, a tudo o que está em preparação na União, naturalmente sem prejuízo de nesse julgamento político o Parlamento português ter toda a liberdade, não estando coagido por normas constitucionais que, digamos, dão um fecho de abertura, para poder acompanhar esse esforço de criação do espaço judiciário europeu que, pela primeira vez e desde há cerca de 2 anos, está a avançar e não é hoje, como era, um conjunto enorme de frustrações perante necessidades vitais para assegurar a justiça, a liberdade e a segurança nas sociedades europeias.
Refiro-me a algumas coisas que já foram abordadas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, designadamente à luta contra o crime organizado, nas suas variadas formas, à criação de formas de cooperação entre as autoridades judiciárias muito mais avançadas do que as que temos hoje, etc., etc.
Se pudermos deixar feito este trabalho, a meu ver, é um contributo, positivo que damos para que Portugal possa acompanhar os esforços que estão, neste momento, a ser feitos para a criação verdadeira desse espaço judiciário e teremos ocasião de os ver em profundidade com as audições a que vamos proceder.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, esta proposta do PS, como é formulada, do meu ponto de vista, coloca alguns problemas, sobretudo porque pretende ser uma habilitação constitucional geral para acolher uma prática de cooperação judiciária que, eventualmente, entrará em conflito com a nossa Constituição, em termos processuais penais.
Portanto, o PS coloca a questão nestes termos: hoje, há normas constitucionais que constituem um obstáculo ao avanço de uma Europa de justiça e de cooperação judiciária, como é designada. Como reagir a isso, adoptando uma disposição constitucional ou acrescentando um inciso ao artigo 7.º que permita que, nesse espaço de cooperação judiciária, essas disposições constitucionais pudessem ser derrogadas, seguindo, no fundo, uma técnica semelhante àquela que propõe para acolher a jurisdição do Tribunal Penal Internacional?
Ora bem, independentemente da posição de fundo que tomemos sobre a questão, se podemos compreender que relativamente ao TPI se trate, no fundo, de uma aplicação da justiça excepcional, esporádica, eventual, relativamente ao espaço judiciário europeu a questão, como disse o Sr. Deputado Jorge Lacão, coloca-se quotidianamente. Então, a questão que se coloca é se este tipo de habilitação constitucional é suficiente ou qual é o espaço de aplicação das normas materiais da Constituição em matéria processual penal, existindo uma norma destas. Isto é, se se entende que esta habilitação chega, como é que a nossa Constituição se aplica? A crimes que não têm relevância internacional, permita-se a expressão, aplicam-se as normas constitucionais tal como elas estão, mas havendo alguma margem de aplicação do direito comunitário, então, aí a Constituição cede?
Creio que ficaremos aqui com um problema de aplicação das normas constitucionais que desta forma não se resolve. Lembro que, quando foi a revisão constitucional de 1992, se fez a alteração do artigo 7.º, que hoje vigora, mas não se fez só isso, adaptou-se o Estatuto do Banco de Portugal à moeda única, por exemplo, porque não sei o que teria acontecido se se tivesse feito a alteração do artigo 7.º e, depois, se tivesse deixado o artigo 105.º, relativo ao Banco de Portugal, tal como ele estava.
Agora, parece-me que ficamos confrontados com um problema destes: se fosse aprovada esta disposição do PS, seria possível entender que todas as outras normas constitucionais relativas ao processo penal ficariam derrogadas por aqui? Creio que não e que há uma incompatibilidade entre aquilo que o PS diz que pretende - e acredito que pretenda - e, no fundo, a forma que propõe para o conseguir. Não estou a dizer, com isto, que defenda a alteração dessas normas, essa é uma questão que iremos discutir adiante; porém, não vejo como é que através desta alteração ao artigo 7.º se possa acolher uma aplicação diária, permanente , de normas que, de facto, estão em contradição com outras normas constitucionais. Era também sobre esta questão que gostaria de ouvir a reflexão do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, como está também inscrito o Sr. Deputado Narana Coissoró, talvez fosse melhor...
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa mas gostaria de acrescentar um pequeno pormenor, pequeno em termos de tempo mas que não é uma questão menor, em termos substanciais.