Criou esta consciência de tudo aquilo que tenho estado a dizer, e que não repito, e afirmou que teria de haver um grupo impulsor. Alguns países do continente europeu - deste grupo de 29, vou citar só os europeus -, entre os quais Portugal, Itália, Bélgica, Alemanha, Finlândia, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Grécia, estiveram neste grupo motor dos chamados "Estados da mesma opinião". Como sabem, foram estes Estados que levaram à assinatura da Convenção, em Julho de 1998, em Roma.
Para nós, está aqui depositada a responsabilidade de toda a nossa tradição humanista e de protecção do direito à vida, o nosso pioneirismo na abolição da pena de morte, etc., etc., mas também o protagonismo que assumimos para ultrapassar esta situação, com a qual ninguém está contente, de haver a possibilidade de existência desta discrepância na ordem jurídica internacional.
A última nota que aqui quero deixar já foi referida. Julgo que, como refere a Amnistia Internacional, aquilo que o preâmbulo e os artigos 1.º, 17.º e 80.º estabelecem é que se trata de uma jurisdição complementar que, de modo algum, conflitua com a ordem jurídica interna portuguesa. Por isso, o PSD, no seu projecto - e chamo a vossa atenção para o nosso preâmbulo -, entende que Portugal deve apresentar uma declaração interpretativa do Tratado, na qual reafirme os seus valores, o compromisso de julgar pelo Estatuto, nos nossos tribunais, todos os crimes políticos e que se afirme que, para isso, devemos dar prioridade a uma revisão da nossa legislação penal.
Julgo que esta ideia é hoje partilhada por outros. E, Sr. Deputado Jorge Lacão, não quero saber quem foi o primeiro ou quem não foi; esta matéria preocupa-me há anos e sei que também preocupa muitos Deputados do Partido Socialista, mas há já muitos anos que nós, quer no Conselho da Europa quer noutros forae, temos acompanhado esta matéria e julgamos que nesta declaração interpretativa, além de referir, como, aliás, consta do texto que propomos, a complementaridade desta jurisdição em relação à portuguesa, deve reafirmar que Portugal mantém os seus valores e se compromete a julgar nos seus tribunais pelo Estatuto do TPI. Para tanto, teremos de rever as normas penais para acolher as disposições necessárias, mantendo os nossos tribunais sempre jurisdição plena.
Como se diz no nosso preâmbulo, este é, realmente, um aspecto fundamental, de modo a garantir a coerência da posição portuguesa. Teremos de ver este ponto no fim, porque esse aspecto não consta da declaração interpretativa apresentada pelo Governo. Há um ponto em que a declaração interpretativa do Governo falha (o que também não é novo, pois veio da declaração espanhola), que é na declaração formal da recusa em aceitar nos estabelecimentos prisionais portugueses a execução de penas de prisão não previstas na nossa ordem jurídica interna.
Julgo que já abusei da vossa paciência, mas penso que, se tivesse sido mais breve, a nossa fundamentação teria ficado incompleta, a qual, como viram, em alguns casos, coincide com a do Sr. Deputado Jorge Lacão, e noutros é diferente, indo mais longe. Alguns dirão, evidentemente, que vai longe demais, mas o que importa, para além da fundamentação, é que daqui resulta a convicção clara de que Portugal… Como vêem, tentei evitar os aspectos políticos da política internacional, pois, a esse nível, seria catastrófico, escandaloso, que Portugal ficasse de fora! Evitei tudo isso e coloquei-me ao nível dos princípios, dos valores e dos direitos da pessoa humana.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em sede de questões, vou, pela minha parte, fugir à tentação de integrar neste plano do processo de revisão constitucional fundamentos mais vastos quanto à própria justificação da razão de ser da aprovação da Convenção que cria o Tribunal Penal Internacional. Circunscrever-me-ei, por isso, a dois aspectos, na questão que desejo formular ao Sr. Deputado Pedro Roseta.
O primeiro aspecto resulta, de algum modo, de uma observação que, há pouco, fiz numa resposta e que, aliás, vejo agora evidenciado e confirmado pelo Sr. Deputado Pedro Roseta. É curioso verificar a sintonia - e, neste ponto, rendo homenagem à coerência da posição do PSD - entre justamente o projecto apresentado pelo PSD, quando, na justificação de motivos, declara entender que a aprovação da Convenção que cria o Estatuto do TPI deveria ser acompanhada de uma declaração interpretativa…
Já se especulou muito sobre isto no passado relativamente recente, mas quero dizer que, independentemente do que se vier a fazer, tenho uma posição muito reservada relativamente à utilidade de uma tal declaração interpretativa. Em primeiro lugar, porque uma declaração interpretativa não altera em nada a natureza e as condições de aplicação das disposições constantes do Estatuto que cria o TPI e, em segundo lugar, porque ela em nada vincula o modo de actuação do TPI; quando muito serve como uma espécie de autovinculação que o Estado português assumiria para si próprio. É neste aspecto que tenho uma atitude, na verdade, reservada, e tenho mesmo a convicção de que serei acompanhado por muitos outros Srs. Deputados nessa reserva.
Ora, se me parece superabundante e, eventualmente, contraproducente a dita declaração interpretativa a acompanhar a resolução que o Parlamento terá de fazer para aprovar a Convenção, maiores são as razões de ser dessas reservas quando se pretende introduzir tal declaração no texto constitucional. É aquele ponto a que eu, há pouco, me referi, Sr. Deputado Pedro Roseta, quando, em coerência, reconheço que, com essa posição que defende, o PSD quer inscrever, no n.º 6 do artigo 7.º, a ideia de que Portugal assume que as condições de actuação do TPI são de estrita complementaridade face à jurisdição nacional, o que significaria uma autovinculação, segundo a qual Portugal assumiria o compromisso, com sede constitucional, de proceder necessariamente a julgamentos sempre em tribunais portugueses sempre que houvesse qualquer incidência ou conexão, por via das pessoas ou por via do território, com um crime praticado no âmbito da jurisdição portuguesa.
Penso que se trata de um excesso e que não existe qualquer razão para nos vincularmos à lógica do excesso, sem embargo de podermos pensar nisso, sem embargo de considerarmos que essa pode ser a boa conduta dos tribunais portugueses. Mas fazer disso uma declaração necessária no âmbito da resolução que aprova a Convenção e, mais ainda, introduzir isso como uma regra constante do artigo 7.º, penso que, de facto, o PSD deveria ponderar a oportunidade e a prudência de não irmos tão longe numa matéria em que não temos necessidade de nos vincular.
Segundo aspecto: foi o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, há pouco, numa interpretação que me fez na