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ad hoc a que farei referência na parte final da minha intervenção. Como poderão verificar, embora possa parecer paradoxal, são precisamente algumas disfunções na existência desses tribunais que, curiosamente, nos levam a querer que o Tribunal Penal Internacional permanente entre em vigor rapidamente.
Seja como for, em todos os outros casos, que não estes quatro que acabei de referir, verificou-se uma impunidade total, não só das violações ao direito à vida como também pelos massacres e genocídios que foram praticados em todos estes casos ou que estão, ainda hoje, a ser praticados - vide o caso do Sudão, vide o caso da Somália (na Serra Leoa parece que a situação melhorou um bocadinho). Houve, portanto, inúmeros casos, a começar pelo Camboja, onde ocorreu um dos maiores genocídios do nosso tempo, em que não foi aplicada qualquer sanção. Isto sem analisarmos o período anterior à Primeira Grande Guerra ou sem falar no genocídio dos arménios provocado pelo Império Otomano, como tantos outros casos.
Em suma, houve muitos casos, ao longo de todo este século XX, em que não se verificou a punição dos responsáveis.
O TPI visa proteger o direito à vida, punindo aqueles que o violarem, através dos crimes de genocídio e dos crimes contra a humanidade, mas também desencorajando e prevenindo futuras violações.
Ora, a inviolabilidade do direito à vida é um dos valores em que Portugal, como sabem, foi percursor. Devo dizer que consideramos muito positivo que nunca se possa aplicar a pena de morte no âmbito do TPI, porque entendemos que a pena de morte não só é contrária à dignidade da pessoa humana como é, também, totalmente injusta. Isto para além da questão de se poder condenar um inocente. É gritante, terrível e inaceitável saber que os Estados que aplicam a pena de morte (designadamente os que a aplicaram no passado ou aqueles, que são bastantes, que ainda a aplicam) continuam a punir inocentes, não em todos os casos, como é evidente, mas em muitos casos há inocentes que são executados por crimes que não cometeram. Trata-se, portanto, de uma pena totalmente injusta, aberrante e contrária à dignidade da pessoa humana.
Todavia, para além destes aspectos, gostaria de referir que (e quero dizer que fomos nós, portugueses, alguns dos presentes talvez tenham dado até uma pequena contribuição), com a participação dos diplomatas portugueses e dos membros dos sucessivos governos portugueses conseguiu alargar-se muito a ideia ao nível da Europa, nomeadamente no Conselho da Europa, que na Europa não é aceitável que haja pena de morte.
O protocolo VI adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, hoje assinado e ratificado pela esmagadora maioria dos países do Conselho da Europa, é disso exemplo. É certo que Turquia ainda não o ratificou, mas não ousa aplicar a pena de morte devido à ideia que hoje existe contra ela e para a qual nós muito contribuímos com o nosso pioneirismo desde o século XIX.
O que é que pretendemos? Pretendemos que esta ideia possa estender-se a todo o mundo e que as ideologias de países totalitários, que desprezam a vida humana, sejam postas em causa. Pretendemos ainda influenciar alguns países não totalitários, como é o caso de 37 dos 50 estados dos EUA, onde há um movimento crescente em defesa da abolição da pena de morte, mas onde há ainda muito a percorrer para acabar com esta aberração.
Ora, como argumento adicional daqueles que já referi, entendemos que o TPI pode contribuir para este movimento. Isto não por uma razão de debate entre um órgão que vai ter, como sabem, uma assembleia (e para além de os próprios juizes serem designados por países que não têm pena de morte), mas pelo carácter exemplar do simples facto de não haver nele pena de morte. Uma razão de pura lógica! Se na sua jurisdição estão em causa os crimes mais graves e a eles nunca se aplica a pena de morte, abre-se uma grande oportunidade para influenciar a abolição da pena de morte em todo o mundo e para fazer pressão sobre os países que ainda têm a pena de morte. Alguns deles propõem-se (outros não, por enquanto) aderir ao Estatuto do TPI e, portanto, colocam-se nesta situação absolutamente incongruente de, para os crimes mais graves que se podem cometer contra a humanidade, admitirem que só podem ir até à prisão perpétua, e mesmo essa (como veremos depois no debate), só em casos muito excepcionais, e de manter a pena de morte no seu ordenamento interno. Este é, pois, um argumento adjuvante na defesa do direito à vida que nos leva, também, à decisão de ratificar.
Antes de passar ao terceiro e último argumento, gostaria de recordar que, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a comunidade mundial tenta criar uma justiça penal internacional. Portanto, não é algo que tenha surgido agora. Aliás, verifiquei pelo debate que tem havido em Portugal que parece que só agora algumas pessoas acordaram. Ora, isto já vem do Tratado de Versalhes, já tem mais de 80 anos! O Tratado de Versalhes - que, como sabem, é um tratado muito discutível, que tem muitas coisas más, mas tem algumas boas -, no seu artigo 227.º e seguintes, já previa a criação de tribunais penais internacionais para julgar, e cito: "(…) as pessoas acusadas de terem cometido actos violadores das leis e dos costumes da guerra (…)". Mas isso pouco importa. Agora, o que interessa é o que já tinha anunciado há pouco: os tribunais criados na II Guerra Mundial.
Neste aspecto, permitam-me que distinga entre os tribunais militares internacionais de Nuremberga, por um lado, e os Tribunais ad hoc de Haia e de Arucha, respectivamente sobre a ex-Jugoslávia e o Ruanda, por outro. Estes dois últimos vão dar-me um argumento que mostra que, muitas vezes (e isto nada tem que ver com o Sr. Deputado Jorge Lacão. Estou a olhar para o Sr. Deputado, porque julgo que me acompanhará neste ponto), os argumentos se voltam contra aquele que os usa.
Penso que o Tribunal de Nuremberga foi útil e, hoje, ninguém contesta a necessidade de justiça e de equidade internacional que punisse os crimes horrorosos que os líderes nazis cometeram. Houve mudanças posteriores, dele nascidas, que são muito importantes, mesmo para o futuro, nomeadamente a exclusão do sistema de defesa baseado na obediência a ordens hierárquicas, o que foi muito importante, pois permitiu não só responsabilizar os chefes de Estado como, também, os que não eram chefes de Estado e se desculpavam sistematicamente, em Nuremberga, em Tóquio, etc., dizendo que praticaram determinados actos porque a lei os protegia e os seus presidentes, os seus ditadores os obrigavam.
Houve, pois, algo de muito importante, que consistiu em responsabilizar o chefe máximo, bem como os outros, excluindo esse sistema de defesa que era muito utilizado antigamente, baseado na obediência a ordens hierárquicas e que permitia dizer que Hitler é que mandava e os outros tinham de obedecer, pelo que não eram responsáveis. Quero, assim, salientar a herança moral e jurídica do Tribunal de Nuremberga.