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Já quanto aos Tribunais ad hoc sobre a ex-Jugoslávia e o Ruanda, este deve ser o único ponto em que me separo bastante de todos estes textos que têm sido produzidos a propósito do TPI. Neste ponto, permito-me separar-me desses textos, tal como o PSD - como viram, consta do preâmbulo do nosso projecto -, pois temos algumas reservas a esse respeito. Aliás, estes tribunais que foram criados mais recentemente, através de decisões do Conselho de Segurança, são tribunais ad hoc. Não está em causa a necessidade de julgar os que cometeram genocídios no Ruanda, na Bósnia, no Kosovo, ou seja onde for, mas este modelo de tribunais ad hoc está a ser, e muito bem, criticado por várias pessoas, porque se trata de um tribunal de vencedores que julga vencidos. São tribunais que, a nosso ver, violam alguns dos princípios fundamentais da justiça, como seja o de que a justiça tem de ser igual para todos.
Como é possível criar um tribunal para o Ruanda e não criar outro para o Sudão, que é mesmo ao lado? Como é possível criar um tribunal para a ex-Jugoslávia e não criar outro para o Camboja, onde houve um genocídio eventualmente pior? Reparem que se pode, logo de princípio, fazer uma contestação clara a esses tribunais.
Mas há um outro problema que agora tem sido referido e ao qual se chama - peço desculpa por usar expressões francesas e inglesas, mas não sei muito bem como as traduziremos para português - a lassitude du tribunal ou, à inglesa, tribunal fatigue, que fez com que hoje se entenda que o Conselho de Segurança atingiu um pouco o ponto de saturação na criação de tribunais ad hoc.
Gostemos ou não destes tribunais ad hoc (eu, como já viram, sou dos que não gostam, e explicarei depois, com mais tempo, as razões por que não gosto), há a consciência de que estes tribunais não são o modelo ideal, porque julgam a posteriori, porque tendem a ser tribunais de vencedores que só julgam vencidos e tendem a abrir as portas a fenómenos como aquele a que agora assistimos (e cito este incidente sem comentários): o de pedir à Procuradora, a Sr.ª Carla Del Ponte, que traga para cá o senhor A, B ou C e, posteriormente, um país mais ou menos poderoso vir dizer que, se não entregam o senhor A, vão ter sanções e não recebem dólares! Este é, como é evidente, o pior sistema de justiça.
Ora, ao contrário do que alguns dizem, o Tribunal Penal Internacional vem exactamente resolver estes problemas dos tribunais ad hoc. O que é que significa o tal "cansaço" (a tradução é minha), a tal lassitude du tribunal? O Conselho de Segurança tem, neste momento, um cansaço dos tribunais ad hoc! Isto porque o Tribunal do Ruanda foi muito ineficiente, o de Arucha só começou três anos depois e, no que respeita ao Tribunal da ex-Jugoslávia, o Conselho de Segurança viu-se assoberbado com constantes problemas, pedidos de dinheiro, etc., etc.
Daqui resulta um efeito de "vacina", se calhar boa, no Conselho de Segurança, de modo que, quase de certeza, a não ser que houvesse um caso gravíssimo, que não vislumbro, o Conselho de Segurança não irá criar outros tribunais.
Chegamos assim ao terceiro argumento que me afasta de boa parte dos defensores do TPI: a situação actual não pode continuar. Não é possível continuar! Estamos, ao nível do mundo, e também um pouco ao da Europa, numa situação de pura duplicidade de critérios, de double standard, de deux poids de mesures, de "dois pesos, duas medidas", que não é possível continuar!
Criámos uma boa consciência, porque somos europeus e, na Europa, há a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, há o Tribunal Europeu, que, como os senhores sabem, nomeadamente o nosso Presidente, que muito trabalhou nessa área, não é exactamente o mesmo que o Tribunal Penal Internacional, que visa respeitar os direitos do homem e afirmar os direitos da pessoa humana contra o seu próprio Estado, que não é a questão que agora está em jogo, mas que, ao mesmo nível, é também uma boa consciência para os europeus. Dizemos que agora temos 43 países membros da Europa, faltando só a antiga Jugoslávia, a Bósnia e a Bielorússia, que é uma ditadura e, pelo resto, ficamos com a boa consciência de europeus! Ora, isto não é possível!
Este sistema vai, sem dúvida, levar-nos a uma calamidade, porque a Europa não pode pensar que vai criar uma fortaleza, seja económica, seja outra qualquer, e muito menos uma fortaleza dos direitos humanos, dizendo que para nós queremos isto, mas os outros ficam nas trevas, sem qualquer protecção!
Esta situação, ainda com as críticas que acabo de fazer à experiência dos tribunais ad hoc, é insustentável. É por isso que houve toda uma evolução das opiniões públicas, quer na Europa quer fora dela, que sentiram que esta situação não podia continuar, que não mais era admissível que um grupo corte as mãos das crianças ou desencadeie violações em massa de mulheres, com fins de guerra, ou promova os massacres, ou seja o que for, e que, porque está fora da Europa, as pessoas não falem ou só falem quando os media lá vão. Se os media lá vão, como foram, por exemplo, ao Ruanda, fala-se; mas ao Sudão, por exemplo, é difícil ir, pelo que já ninguém quer saber.
Julgo, pois, que é para acabar com esta situação que devemos prosseguir com o que já fizemos no passado. Quero também referir o papel de Portugal, para o qual chamo a vossa atenção, pois penso que devemos prestar homenagem aos que o fizeram, não só o Embaixador Costa Lobo, mas também outros que com ele colaboraram, nomeadamente a jurista Professora Paula Escarameia e outros, na criação do chamado - como é evidente, não vou agora aqui historiar, pois está nos livros todo este processo que levou à substituição da ideia dos tribunais ad hoc, que se esgotaram… Ainda bem que os criticam, porque, volto a dizer, compartilho muitas das críticas que lhe fazem, quer o meu companheiro Pacheco Pereira quer outros, só que tiro a conclusão oposta.
A conclusão que o PSD tira é a de que, para acabar com esta situação e com o esgotamento e a duplicidade dos tribunais ad hoc, tem de haver um tribunal internacional permanente para todos.
Portugal teve, através do Embaixador Costa Lobo e outros, um papel muito relevante, que talvez não seja aqui conhecido, que foi o de fazer parte de um grupo dos chamados - vou fazer a tradução para português, que não sei se será a correcta - "Estados da mesma opinião". E o que era este grupo dos "Estados da mesma opinião", que acabou por dar forte impulso ao TPI? Graças à hospitalidade da delegação canadiana que assumiu informalmente a coordenação deste grupo… Como sabem, o Canadá é um país com o qual temos profundas relações, tratando-se de um país inquestionável ao nível da protecção dos direitos humanos.
O Canadá, com este grupo dos países ditos da mesma opinião, os alike minded States, num total de 29, criou uma coordenação que deu um impulso decisivo para o Tribunal.