da nossa proposta, dele decorrendo a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos.
Não vou fazer uma prelecção sobre essa universalidade e o que é que se entende por ela, contudo, sabe-se que é hoje reconhecido que a dignidade é intrínseca a todo e qualquer ser humano, seja ele qual for, tenha ele nacionalidade ou não tenha, seja apátrida ou não seja e esteja onde estiver. Por isso, enquanto houver seres humanos sem o reconhecimento dessa dignidade, sentiremos que a nossa própria dignidade é afectada, que os nossos direitos não são completos e não estão consolidados.
No entanto, julgo ter sido dado um passo significativo neste aspecto, pelas razões que enunciarei adiante, passo esse que foi dado nas últimas décadas para que a Humanidade reconheça que todos os homens são iguais, são solidários e são irmãos.
Ora, esta fraternidade universal, que tem raízes múltiplas, desde logo, no cristianismo, passando também pelo ideal de fraternidade da Revolução Francesa, com o lema igualdade, liberdade e fraternidade, foi durante muito tempo proclamada, sem que existissem instrumentos que a pudesse trazer para a realidade, de modo a dar a ideia, fora do âmbito europeu - porque no âmbito europeu, o Conselho da Europa, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não têm feito outra coisa -, que a nível mundial se pode dar também um conteúdo substancial e uma possibilidade de fazer algo na prática, para além de proclamações que já existem.
Ainda dentro da razão referida, conforme estabelece o artigo 7.º da nossa Constituição, "Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem (…) e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade". Julgo, pois, que este Tribunal vem, exactamente, permitir que este desiderato que consta da nossa Constituição - o respeito pelos Direitos do Homem - venha a ter uma substância que até hoje não teve.
Na verdade, os direitos humanos, para além das proclamações, devem e têm de ser protegidos por todos os Estados contra qualquer violação. É certo que existe a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos de 1993, que muitas outras conferências ao nível mundial repetiram já. Mas delas resulta apenas uma obrigação ética e política, que agora queremos transformar numa obrigação jurídica de todos os Estados contribuírem para soluções a nível mundial.
Referirei, ainda que com brevidade, o papel histórico de Portugal e o seu carácter pioneiro na aproximação entre os povos e as pessoas, designadamente quero sublinhar a abertura que Portugal teve (embora com muitas manchas, como todos os outros povos ao longo da história e da colonização) na forma de tratar todos os outros homens. Isto porque, de algum modo, fomos pioneiros na consciência desta unidade essencial entre os homens. Julgo que seria absurdo, e que teria consequências catastróficas, se a globalização viesse a ser económica, científica, tecnológica e mediática, mas não viesse a ser uma globalização dos direitos das pessoas. Fica, portanto, esta primeira razão em relação à qual julgo que já me alarguei substancialmente.
Passarei agora à segunda razão que diz respeito à promoção dos valores nacionais, que são aqueles valores em que acreditamos para além dos direitos humanos que já referi, nomeadamente a paz, a liberdade e a solidariedade.
Relativamente a este aspecto, gostaria de referir que entendo (é uma posição pessoal, e por isso altamente discutível) que não há valores consistentes se eles não forem hierarquizados. Ou seja, se esquecermos, por exemplo, que há valores primordiais como o da dignidade da pessoa humana e o direito à vida e se um dia, por qualquer motivo, sobrepusermos outros direitos à garantia destes (direitos sem dúvida importantes, mas que hierarquicamente vêm a seguir), o que sucede é que, pretendendo defender um único direito ou um único valor, estamos a pôr em causa os valores superiores e, logo, todo o edifício dos direitos humanos e dos valores. Portanto, sem hierarquia não há valores; sem hierarquia não há direitos humanos. Não se trata, pois, de valores iguais. Todos são respeitáveis, todos são importantes, mas há uns - como é costume dizer-se agora - "que são mais importantes do que outros", nomeadamente o direito à vida.
O PSD propõe esta norma e, obviamente, vai votá-la favoravelmente, porque a protecção da vida humana é, para nós, um dos tais direitos de primeiro plano. E, para a proteger, é preciso lutar contra o arbítrio e contra a impunidade dos detentores do poder que cometem crimes que põem em causa essa vida humana.
Recordo, brevemente, que o século XX, sobretudo na sua primeira metade, se caracterizou pela violação maior em toda a História da Humanidade - e não sou só eu que o digo, já todos o disseram. É certo que se poderá falar nos períodos pré-históricos, na Antiguidade, na escravatura, na Idade Média (porque ainda há quem veja a Idade Média como um todo, como se pudesse dizer: "Isto é medieval!") e, com certeza, haverá alguma razão. Por isso, é óbvio que não vou defender que existiu o respeito integral dos direitos humanos na Antiguidade, ou na Idade Média, ou na época do despotismo iluminado no século XVIII, longe de mim! Mas quero afirmar a minha opinião, que é a de que a primeira metade do século XX foi a pior de todas as épocas da História da Humanidade no que diz respeito às violações dos direitos fundamentais, nomeadamente do direito à vida.
Claro que isto resultou em grande parte dos sistemas transpersonalistas que quiseram impor sociedades eficazes e perfeitas, em nome de várias ideologias que preconizavam o domínio de povos, raças, Nações, Estados, classes, o que quiserem. Isto é bem conhecido! Mas a verdade é que daí resultou para a Humanidade, agravado com o que se passou nas duas Guerras Mundiais (quer na primeira, que muitas vezes é esquecida, quer na segunda, e sobretudo nesta), o atingir do mais baixo patamar da sua história. Falo da destruição programada de vários povos (os judeus, os ciganos), da deportação de povos inteiros, do holocausto. Quantos e quantos genocídios se prolongaram mesmo na segunda metade do século XX! Lembro os exemplos conhecidos do Ruanda, do Camboja, da ex-Jugoslávia, da Serra Leoa, da Somália e do Sudão, entre tantos exemplos possíveis.
É, pois, objectivo do TPI não só punir como prevenir a repetição destes crimes e, portanto, evitar a violação de valores fundamentais, evitar a violação de um dos valores primordiais que é a dignidade da pessoa humana e o direito à vida. E visa fazê-lo como? Em primeiro lugar, acabando com a impunidade dos que, porque são chefes de Estado - e mesmo não sendo chefes de Estado -, não são julgados pela ordem jurídica do seu país e que não podem ficar impunes, como até agora.
Lembro todos os casos que referi, com excepção do Tribunal de Nuremberga, o Tribunal de Tóquio e os tribunais