Esta é a terceira questão que desejaria colocar-lhe, questionando, no fundo, o Partido Socialista sobre se foi deliberadamente que assim o fez e se há alguma razão específica para ter optado por esta solução.
O segundo aspecto de considerações que quero colocar ao Sr. Deputado Jorge Lacão têm a ver com os considerandos que ele também quis fazer - e bem, do meu ponto de vista - relativamente a alguns aspectos que decorrerão substantivamente do eventual passo de adesão de Portugal ao Tribunal Penal Internacional.
Existem dois aspectos cruciais para mim: um, o problema que referiu da necessidade de cautelas relativamente à questão da entrega de cidadãos estrangeiros, o que não percebi muito bem. Percebo a preocupação, mas não percebi bem aonde é que, porventura, queria chegar com esse considerando, se foi apenas um alerta ou se foi um considerando que nos deve levar a reflectir sobre a necessidade de complementar uma norma de autorização da adesão de Portugal à jurisdição internacional com um outro qualquer mecanismo relativamente ao problema das extradições.
É que, efectivamente, não estou a ver que isso seja necessário, embora perceba, objectivamente, a sua preocupação, tanto mais que, como sabe, o Partido Social Democrata, na fundamentação política que faz da sua proposta, até aponta claramente para a necessidade de, complementarmente a uma eventual adesão a esta Convenção, Portugal ter de fazer um esforço de revisão e de adaptação do seu Código Penal, precisamente para prevenir situações indesejáveis como aquela que colocou da eventual extradição de nacionais ou de cidadãos encontrados em território nacional para serem entregues a uma justiça que pode aplicar penas à luz de valores que não são os da ordem jurídica nacional e que não são defensáveis pela comunidade nacional.
No entanto, parece-me evidente que esse problema, pelos mecanismos da Constituição, nomeadamente do seu artigo 8.º, que faz impender automaticamente sobre a ordem jurídica portuguesa as normas de Direito Internacional que sejam convencionadas e aceites pelo Estado português, aparentemente fica resolvido, mas gostava de ouvir as suas considerações ou alguma extensão das suas considerações sobre o assunto.
Já quanto ao segundo aspecto, aí é que, verdadeiramente, e exactamente pela mesma ordem de razões, o PSD se tem confrontado com dúvidas que têm a ver com o problema das imunidades, para as quais as audições que o Sr. Presidente está a marcar serão extraordinariamente úteis. E não é tanto o problema genérico das imunidades dos órgãos de soberania, porque, como o Sr. Deputado bem sabe, no caso dos órgãos de soberania, Assembleia da República e Governo, existem já mecanismos na Constituição que prevêem expressamente autorização vinculada da parte da Assembleia da República de entrega dos titulares desses órgãos de soberania à justiça, nos casos em que o delito de que são acusados ultrapasse um determinado plafond, onde toda a tipificação criminal que consta do Estatuto de Roma se insere, e, portanto, o problema, do meu ponto de vista, aí não se coloca. Mas coloca-se no caso específico do Presidente da República.
Coloca-se neste caso específico por uma razão: a Constituição, relativamente ao Presidente da República, refere, entre outras coisas, por exemplo, que, por crimes que não sejam do exercício das suas funções, ele só responde no final do mandato. Faz-se, portanto, aqui uma dilação temporal que, do meu ponto de vista, pode entrar em conflito com as normas do Estatuto de Roma. E, como na doutrina constitucional portuguesa está estabilizado o princípio de que as normas relativas a direitos e deveres dos órgãos de soberania, maxime, do Presidente da República, não podem ser minimamente alteradas, reduzidas ou ampliadas pela legislação ordinária, a menos que haja uma previsão constitucional expressa relativamente à sua regulação, há aqui um problema que, de facto, se nos coloca.
Ou seja: basta a adesão e a sobreposição que o artigo 8.º confere das normas de Direito Internacional sobre a ordem jurídica interna para resolver o problema? Aparentemente, não! Porque, de facto, este princípio de que aos direitos e deveres dos órgãos de soberania, nomeadamente do Presidente da República (porque são esses que serão colocados em cheque numa situação como esta), a ordem jurídica interna não se lhes pode sobrepor, a menos que haja uma previsão constitucional expressa, coloca-nos verdadeiramente aqui um problema.
Portanto, se, em relação aos outros órgãos de soberania, devo dizer que, aparentemente, não sinto o problema, salvo melhor opinião, já no que se refere ao caso do Presidente da República, nomeadamente por causa da previsão expressa que vem no artigo 130.º da Constituição relativamente à responsabilidade criminal, penso que, de facto, há uma reflexão importante a fazer.
A este respeito é, pois, importante ouvir também algumas das personalidades cuja presença nesta Comissão foi solicitada porque, de facto, neste caso é que Portugal pode cair, de hoje a amanhã, numa situação não direi de incumprimento, até porque, obviamente, não antevejo minimamente que qualquer Presidente da República de Portugal possa incorrer em crimes dessa natureza…
Mas, objectivamente, a lei é algo que deve ser encarado numa perspectiva abstracta e genérica, e Portugal não pode, de hoje a amanhã, ser acusado de ter uma Constituição e uma ordem interna que, na prática, criam mecanismos que obviam a aplicação, aos seus titulares, de um estatuto com a importância do do Tribunal Penal Internacional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro que estamos a debater questões que têm a ver com o Tribunal Penal Internacional.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe
O Sr. António Filipe (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. Aliás, face à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de, em momento posterior, quando o Sr. Presidente entender que é a altura adequada, colocar questões relativamente ao espaço judiciário europeu.
Não estamos ainda em fase, tal como acertámos, de nos posicionarmos sobre a questão de fundo, sobre a substância das várias propostas, teremos oportunidade de o fazer depois das audições que fizermos, mas há um problema, que, aliás, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de referir, que é o da compatibilização do Estatuto do Tribunal Penal Internacional com as regras da extradição, que gostaria de colocar, desde já, ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
Compreendi as preocupações que o Sr. Deputado Jorge Lacão exprimiu, compreendi que não é o facto de chamarmos entrega e não extradição a uma determinada realidade que faz com que essa realidade se altere substancialmente. Na verdade, onde o Estatuto do TPI fala