espécie de anti-razão ao serviço da razão. Isso é que é um normativo!
A política é uma normativo tal como o jurídico. Estou aqui como politólogo a tratar de uma normativo tão normativo quanto o normativo codificado.
Não resisto a citar um grande professor de Filosofia de Direito, Gustav Radbruch. É que nós estamos a tentar ser médicos contra o totalitarismo que está dentro de cada um de nós. O que está aqui em causa é o totalitarismo e o seu disfarce autoritarista que pode vir de um momento para o outro. Nós temos de ter formas de resistir ao totalitarismo, e o totalitarismo começa na cabeça de cada um do nós - não é nos filmes de Hollywood que nós arranjaremos as sementes, é na educação cívica e democrática.
Gustav Radbruch, em 1945, dirigindo-se aos seus estudantes de Heidelberg, numa circular intitulada Cinco Minutos de filosofia do Direito, criticando a ordem totalitária nazi (que, por acaso, até teve como um dos próceres um dos grandes nomes da jurisprudência dos interesses que continua a ser citado em Portugal e que muito sociologismo português considera magnífico), num quinto minuto, assinalava que "há também princípios fundamentais de direito que são mais fortes que todo e qualquer preceito jurídico positivo, de tal modo que toda a lei que os contrarie não poderá deixar de ser privada de validade. Há quem lhes chame direito natural e quem lhes chame direito racional. Sem dúvida, tais princípios acham-se, no seu pormenor, envoltos em grandes dúvidas. Contudo, o esforço dos séculos conseguiu extrair deles esse núcleo seguro e fixo, que reuniu nas declarações dos direitos do homem e do cidadão, e fê-lo com um consentimento de tal modo universal que, com relação a muitos deles, só um sistemático cepticismo poderá ainda levantar quaisquer dúvidas".
É em nome deste núcleo sagrado normativo (de "pôr o carro à frente dos bois", de sabermos que este Tribunal Penal Internacional não vai ser aplicado no próximo conflito internacional, porque a força será superior ao direito), é em nome destes vencidos da história que devemos estar ao lado destes normativos. A História, até agora, é uma história dos vencedores!
Deixem-me ser profeta: os vencidos vão ganhar, o tempo futuro há-de ser dos vencidos da história, porque são a maioria! Nós temos uma tradição de vencidos da história e temos de estar ao lado destes belíssimos princípios, porque foram sempre os "palermas" dos juristas, dos sonhadores políticos, dos constitucionalistas que "puseram o carro à frente dos bois"!
Meus Amigos, nestes últimos dois séculos, foi sempre com estes "malucos", que somos nós, que "põem o carro à frente dos bois", que a Humanidade venceu! Se acreditássemos nos realistas, ainda hoje tínhamos escravatura, ainda hoje a mulher não era igual ao homem, ainda hoje não havia aquelas conquistas fundamentais da Humanidade. São estes "poetas" da Constituição, que são VV. Ex.as, que têm a mania de reduzir isto a artigos e a códigos - não sabem a técnica dos actos adicionais, ou não querem saber…
Desculpem que vos diga, não resisto a dizer isto, e escrevi-o há pouco tempo: valia mais entregar a feitura da Constituição a um ou dois poetas que temos aí, até entre os parlamentares. Seria muito mais interessante, porque a Constituição é um elemento simbólico! O que nós estamos aqui a fazer é a lutar pelo símbolo do lado certo, do lado do humanismo! E, desculpem, só quem não assiste ao debate do Tribunal Penal Internacional é que não percebe onde é que está o lado certo e o lado errado! O lado certo é onde nós queremos estar, não é invocando o "tricô" - desculpem - do velho positivismo, em nome da consciência nacional e de outras coisas, que estaríamos do lado certo. Era uma vergonha nós, que demos os primeiros passos fundamentais nesta luta pela civilização, podermos ser ridicularizados e não acompanharmos o Brasil.
Quanto à última pergunta relativa ao Brasil, eu acredito que há várias pluralidades de pertenças, acredito e concordo plenamente com o pragmatismo de inserirmos esta cláusula constitucional para evitarmos que a bela semente da comunidade - chamemos-lhe o que quisermos, o António Ferro chamava-lhe "os Estados unidos da saudade" - possa entrar em cacafonia e, em nome de um princípio abstracto que ainda não existe, nós deitarmos pela janela fora aquilo que já existe, que é a igualdade de direitos cívicos e políticos entre portugueses e brasileiros!
Como é que se faz isso em termos tácticos? Não sei, pode ser com um artigo, pode ser através de outra coisa qualquer. Mas por que é que vamos andar para trás naquilo que já temos em nome de uma coisa que ainda não há, que é uma comunidade que eu gostaria muito que existisse, uma comunidade que tem um nome esquisito, a CPLP, onde, com toda a franqueza, ainda não estamos na fase - ainda no outro dia o disse - de Estado de direito mas, sim, na fase do direito ao Estado, na maior parte deste países?! E deitamos fora aquilo que é uma tradição de comunidade de dois séculos entre o Estado de direito brasileiro e o Estado de direito português? Até podemos repelir nesta jogada aquilo que é já um projecto concretizador.
Os Srs. Deputados gostam muito da abstracção imediatista, e por isso é que muitas conquistas não funcionam, porque dizem: "Tem de ser já e para todos". Portanto, em nome deste "já e para todos" cometemos o erro dos franceses, com as boas intenções revolucionárias, que pegavam nos direitos do homem, martelavam-nos na porta de um fortim da Indochina ou de África e diziam: "Estão declarados os Direitos do Homem em África e na Indochina". Isto é gradualista, e não devemos deitar pela porta fora aquilo que já temos, em nome de uma coisa que talvez venha a existir.
De qualquer modo, não sei se deve aparecer como artigo. Como disse, sou favorável a actos adicionais e considero que quanto mais incrustarmos coisas anexas ao texto constitucional… Por exemplo, acho inadmissível termos revogado o texto original da Constituição de 1976. Porque é que não utilizamos as técnicas do acto adicional, que acrescentávamos a cada texto? O texto histórico de um determinado momento devia aparecer incólume.
Penso que o Professor Jorge Miranda e todos os constitucionalistas gostarão muito desta técnica e os autores de constituições anotadas de andarem sempre a fazer um edifício codificante de todos os artigos. Será que não repararam que a realidade é superior ao código e que há um grande ciclo de revisões extraordinárias da Constituição porque as circunstâncias ultrapassam as nossas previsões!?
Julgo que quanto mais humildes formos em técnica de actos adicionais e quanto mais o texto constitucional permitir a arquitectura do artigo sobre relações internacionais… Quer dizer, acho interessante, é um esforço curioso, mas não conseguirão dar unidade, porque o artigo 7.º já teve tanta coisa! É um artigo histórico que se prende a um determinado momento genético da democracia portuguesa.