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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Os adiantamentos de dinheiro feitos pelo conde do Farrobo ao governo do Imperador e Regente foram, por mais de um titulo, serviços relevantes para a causa d'esse governo; relevantes pela occasião em que foram feitos, pelo desinteresse e dedicação com que foram prestados, e pejo problematico exito da causa a que foram offerecidos. É fóra de duvida que se não fosse o patriotico concurso do barão de Quintella, subministrando os meios precisos para a continuação da guerra e conservação da esquadra, na qual se concentravam todas as esperanças dos heroicos defensores do Porto, nem estes talvez teriam podido resistir o mais tarde vencer, nem a luta poderia ter continuado nas condições vantajosas que a tal concurso se seguiram. Dão d'isto testemunho insuspeito os que presenciaram e acompanharam os acontecimentos, desde o augusto chefe d'essa heroica empreza até o mais humilde dos seus soldados.
Do dinheiro assim prestado, dizia o Imperador na sessão real de 15 do agosto de 1834: «ter sido obtido por um singular contrato em que a fortuna da empreza foi a unica hypotheca, a minha firma o unico fiador, o zêlo e a confiança de quem dava e recebia igualmente franca e illimitada».
Aos serviços, por esta e outras não menos solemnes formas reconhecidas e authenticadas, seguiram-se, não ha duvida, quando a causa vingou, não só o pagamento das sommas adiantadas, mas tambem as recompensas honorificas com que mais tarde o prestimoso cidadão veiu a ser agraciado. Nem então se cogitava em recompensar com bens ou dinheiro aquelle cujos haveres proprios eram, e por muito tempo foram, depois, dos mais abastados do paiz. As circumstancias, porém, fizeram que da fórma pela qual se effectuou o pagamento dos emprestimos feitos pelo conde do Farrobo, mais tarde se originasse a quasi inteira ruina da sua fortuna.
Escusado é apontar-vos o como e por que assim succedeu. Todos mais ou menos conhecem a natureza da questão que o fallecido conde por tantos annos pleiteou com os sublocatarios do contrato do tabaco pelos dois triennios de 1837 a 1843.
Nos documentos juntos encontrareis a minuciosa narração o a apreciação dos factos traçada pela mão de alguns dos nossos mais habeis jurisconsultos.
Com fortuna varia o processo chegou ao ponto de transitar em julgado a sentença pela qual o conde do Farrobo foi condemnado a indemnisar os seus sublocatarios pelo agio do papel moeda, que devia ter entrado em metade do pagamento das mezadas do contrato. A importancia d'esse agio montava a uma consideravel somma, e hoje com os juros acrescidos sobe á enorme cifra pela qual corre a execução da dita sentença com penhora e adjudicação real a real de todos os direitos e acções de herança do fallecido conde.
Sabeis, senhores, que depois da lei do 1.° de setembro de 1834, emquanto fixou o dia 1.° de janeiro de 1838 para a total extincção da moeda do papel, e ordenou que todas as obrigações fossem pagas até esse dia na moeda estipulada, nasceu a celebre questão de regular o agio da dita moeda quanto aos contratos de rendas publicas que estivessem estipulados para alem d'aquelle praso.
Prevenindo o caso, declara o artigo 3.° da lei, que o governo remediaria por accordos especiaes com os contratadores, por fórma a conciliar a boa fé dos contratos com os reciprocos interesses das duas partes contratantes.
Allega-se por parte dos peticionarios, e parece ter effectivamente succedido, que os sublocatarios do contrato arrematado por seu pae chegaram a ter accordado com o governo d'aquella epocha a indemnisação pelo agio do papel. O accordo, porém, se existiu, rompeu-se antes de approvado pelo parlamento, e os sublocatarios, tendo previamente tentado o abandonado a acção da indemnisação contra a fazenda, foram demandar o sublocador para lhes fazer boa a sublocação, na qual havia, entre outras, a clausula de ficar pertencendo aos sublocatarios, por cedencia do sublocador, o direito áquella indemnisação. D'esta fórma a questão, que á face da lei citada era para ser resolvida por puro e amigavel accordo dos interessados, tornou-se uma questão contenciosa e de exclusiva competencia do poder judicial.
É assim que a auctorisação da lei de 1834 se póde reputar hoje cassada, e para assim dizer letra morta em vista da feição contenciosa que a questão tomou.
Outra, porém, é a posição que os peticionarios tomaram perante o parlamento com a sua actual representação.
O que dizem elles e que pedem? Dizem:
«Nós somos os filhos do conde do Farrobo, que prestou grandes serviços a favor do regimen que vigora no paiz; em resultado d'esses serviços caiu na nossa casa o contrato do tabaco como fórma do pagamento de emprestimos feitos ao governo; d'esse contrato provém exclusivamente a posição de primeiros obrigados que temos para com os sublocatarios do mesmo contrato: estes têem por si as sentenças que nos obrigam a entregar-lhes a indemnisação d'aquelle agio que nós não temos em nós; por virtude d'essas sentenças o nosso casal está irremessivelinente perdido, e nós ficâmos reduzidos á miseria.»
Pedem que «sendo o estado, e não elles quem lucrou a importancia do agio do papel moeda, seja o estado quem lhes ponha a salvo o valor da herança paterna, e os livre da completa ruina em que se encontram». Debaixo d'este aspecto, senhores, a questão é, como as vossas commissões reconheceram, da mais alta equidade e ainda de brio e honra para a nação.
Compenetrado, pois, de todas estas circumstancias;
Considerando que os serviços prestados pelo fallecido barão de Quintella e primeiro conde do Farrobo foram effectivamente relevantes e tiveram o maior alcance para o definitivo estabelecimento das instituições liberaes que nos regem;
Considerando que taes serviços devem merecer a mais especial consideração dos poderes publicos;
Considerando que taes serviços, se não foram remunerados pecuniariamente na pessoa de quem os prestou, que d'isso não carecia, não é rasão para que deixem de o ser nas pessoas dos seus filhos, quando reduzidos a circumstancias precarias;
Considerando que o infortunio d'esta familia teve origem immediata no contrato feito para pagamento dos dinheiros adiantados pelo conde do Farrobo, e portanto nos proprios serviços por elle prestados;
E tendo na maior consideração o convite que a camara dos senhores deputados dirigiu ao governo para que, estudando a questão, apresentasse ás côrtes uma proposta tendente a remunerar os serviços do conde do Farrobo em favor da liberdade, nas pessoas dos seus filhos, por modo equitativo o em harmonia com as circumstancias do thesouro;
Tenho a honra de offerecer á vossa consideração a seguinte:
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° São declarados relevantes e dignos de nacional consideração os serviços prestados pelo fallecido Joaquim Pedro Quintella, segundo barão de Quintella, e primeiro conde do Farrobo, a favor da causa liberal, quando durante o cerco da invicta cidade do Porto auxiliou poderosamente, com o concurso generoso o patriotico dos seus capitães, o governo da regencia em nome da Rainha a Senhora Dona Maria II.
Art. 2.° Como reconhecimento d'aquelles serviços e para recompensa nacional dos mesmos é concedida a somma de 300:000$000 réis nominaes em inscripções da junta do credito publico de 3 por cento aos descendentes do fallecido conde do Farrobo.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, gabinete do ministro, em 15 de fevereiro de 1875. = Antonio de Serpa Pimentel.