116 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
recompensa alguma, porque atinha na consciencia por que apoiando v. exa. prestava ao paiz um relevante serviço.
Disse que as expressões eram talvez violentas, mas cumpre lembrar, para justificação de todos, que a provocação não o foi menos,.
O velho parlamentar, carregado de annos e de serviços, era crivado de epygrarnmas, na outra casa do parlamento, por um orador que nem os annos lhe perdoava. Unias vozes era a historia a folheada pela mão septuagenaria de s. exa.»; outras, «a velhice apparecendo na sua immobilidade archeologica».
A tal mão septuagenaria fazia-se mais tarde sentir bem pesada; e o esforçado lidador provava que, apesar dos annos, ainda tinha o vigor do pulso e a robustez do braço com que outr’ora luctára peito a peito com os primeiros athletas da tribuna.
Então o presidente do conselho era accusado de socialista, de internacionalista, e até de inconsciente!
Socialista o sr. duque d’Avila e de Bolama! Internacionalista! E, por cima de tudo, inconsciente!
E, como se não bastasse, concluiam dizendo «que aquelle ministerio, que se esphacellava, não tinha austeridade moral para governar». Não quero acrescentar citações. A camara deve estar edificada. Passemos adiante.
Estas e outras provocações é que o sr. duque d’Avila e de Bolama fulminava mais tarde n’um discurso monumental.
«Empreguem os illustres deputados a argumentação que quizerem, dizia s. exa., que nunca destruirão a má impressão que ha de produzir no pais a violencia com que estão atacando o ministerio... porque n’este debate ha uma questão dominante: é a penitenciaria. Tudo mais são pretextos.»
Tal era o conceito que merecia ao nobre duque d’Avila e de Bolama a politica regeneradora. Tal o conceito que merecia áquelle homem, cujos serviços eminentes não se olvidarão nunca.
E, a proposito de inqueritos, direi o que d’elles pouso. Os inqueritos são indispensaveis, e um modo normal do boa administração. Na Belgica que, n’este ponto, como em muitos outros, nos póde servir de modelo, o tribunal de contas constituo um inquerito permanente. A n’essa lei fundamental tambem presta homenagem ao inquerito quando na vacancia do throno, manda instituir o exame da administração passada e reformar os abusos n’ella introduzidos. O inquerito, que entre nós é transitorio, deve revestir o caracter permanente.
Francamente e sem rodeios direi o que penso dos meus adversarios. Devo fazel-o e podem-mo exigir. S. exas. são maus administradores, péssimos administradores.
Não lhes faltam altas faculdades, nem iniciativa, nem conhecimento dos homens, nem experiencia dos negocios. Falta-lhes, porém, o que tão necessario é — aptidões administrativas. O partido regenerador não tem quem saiba administrar; provam-no os inqueritos feitos ás estradas do Algarve, ao caminho de ferro do Douro, ao tribunal militar de Santa Clara, á penitenciaria; provam-no os inqueritos feitos nas secretarias d’estado; é isto o que elles provam; nada mais. Digo-o francamente, lealmente, sem reticencias, sem subterfugios. Não tenho relações intimas com o digno par o sr. Fontes Pereira de Mello; tenho, todavia, aquellas que resultam de nos encontrarmos, mais ou menos, na sociedade. De s. exa. recebi sempre provas de benevolencia; por mim procurei corresponder sempre a tão extremada cortezia com o testemunho de consideração e deferencia devidos a um homem na. sua posição, a um chefe de partido, a um estadista por tantos titulos notavel. Ora, quando se suspeita de um homem, ou da sua honra, não se lhe aperta a mão.
Ninguem suspeitou que os ministros da administração passada tivessem mettido no bolso os dinheiros publicos parece-me, porém, incontestavel que o governo presidido pelo sr. Fontes Pereira de Mello foi um administrador infeliz, foi um mau governo.
Insurgiu-se o digno par contra a phrase, tantas vezes repetida — delapidações da fazenda publica. A phrase não é de hoje. Foi já usada, não na imprensa ou no parlamento, mas n’uma circular diplomatica da responsabilidade de s. exa.
Pergunta o illustre estadista, que quer dizer — delapidadores da fazenda publica. Respondo ao sr. Fontes Pereira de Mello com uma auctoridade insuspeita, que é o sr. Fontes Pereira de Mello. Acceito plenamente a sua resposta, phrase por phrase, palavra por palavra.
Era ministro da fazenda o sr. Fontes Pereira de Mello, e pedia-lhe explicações um digno par sobre a circular diplomatica a que já me referi. E o ministro da fazenda, o sr. Fontes, respondia: «Entendo que as palavras — delapidações da fazenda publica (note a camara que são precisamente as mesmas expressões) não podem ser consideradas senão como um mau uso feito dos dinheiros publicos, (O mesmo que nós entendemos.) gastando-se em despesas inuteis, inconvenientes, ou não auctorisadas». (Tal qual nós dizemos; inuteis, inconvenientes, ou não auctorisadas.) E continuava s. exa.: «Não era de certo debaixo de outro ponto de vista que os meus collegas proferiram ou escreveram similhante phrase, (Nem outro póde ser tambem o ponto de vista dos que a proferem ou escrevem da nossa parte.) porque ella não significa e mesmo ene dizer, que se gastava o dinheiro em proveito proprio». (Perfeitamente; ninguem o diria melhor.) «Queria-se provavelmente indicar, que se gastava mal e de uma maneira inconveniente para a causa publica». (O mesmo que nós queremos indicar, não provavelmente, mas sem duvida alguma).
Não continuarei a citação, que não é senão o desenvolvimento do que fica dito.
Por meu turno, e servindo-me das phrases insuspeitas do sr. Fontes Pereira de Mello, direi que se não argue o ministerio passado senão por que gastava mal, e de uma maneira inconveniente para a causa publica.
Respondendo ao sr. Fontes Pereira de Mello com o sr. Fontes Pereira de Mello, e fazendo minhas as suas declarações sem tergiversações nem rodeios, creio ter respondido plenamente a interpellação de s. exa., e ter desvanecido uma suspeita que lhe importunava o espirito.
Os inqueritos provam má administração, ou administração sacrificada á politica. Provam a necessidade de uma reforma funda. O mesmo provam as legalisações, que se tem pedido á camara de quantias despendidas em exercicios anteriores. V. exa., sr. presidente, pediu á camara que legalisasse perto de 2.800:000$000 réis de despezas feitas pelos seus antecessores.
Nós pedimos a legalisação de 2.952:000$000 réis de despezas a cargo da administração passada.
Não é tudo. Ha dias foi apresentado na outra casa do parlamento outro pedido de legalisação de mais de réis 400:000$000. Tudo isto vem confirmar o que demonstraram os inqueritos, e o que v. exa., sr. presidente, demonstrou a proposito da penitenciaria.
Falta de administração.
Não quero fatigar mais a camara; mas antes de concluir devo dizer, que se v. exa., a quem compete a honra de ter desvendado os mysterics da penitenciaria; que o fez, no dizer de una dos seus collegas, para proceder como homem de bem; se v. exa., por motivos que não prevejo e contra o que eu presumo, quizer declinar a responsabilidade que d’ali lhe possa provir, — o partido progressista, que foi alliado de v. exa. n’aquella grande campanha, e que o acompanhou lealmente até ao ultimo dia, assumirá de bom grado essa responsabilidade; e, quando soar outra vez a hora do combate, todos, até ao ultimo legionario, ainda o mais humilde, virão occupar o seu posto. Não fal-