114 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
pitação com que se elaboraram, não poucos accusam a falta de exame e de harmonia que devia liga-los em um todo lógico e coherente.
Alludirei, por exemplo, a um d'elles, e mais tarde hei de interpor o meu direito de interpellação para o discutir extensamente, com o intento de provocar uma resolução da camara ácerca de algumas das suas disposições. É o decreto de 31 de dezembro sobre a instrucção publica. Desejaria perguntar se aquella providencia representou as idéas de todo o gabinete, ou as de um ministro só, e se era a modificação que as circumstancias imperiosamente requeriam? Acompanhou o decreto de 31 de dezembro os progressos da sciencia, e os desenvolvimentos do ensino pratico e especial ultimamente realisados na Europa? Emfim era a medida que o principio da economia tantas vezes, invocado podia exigir com proveito publico? Creio que não.
Reformou-se, ou antes destruiu-se apressadamente; e a par de algumas disposições uteis estabeleceram-se bases, a meu ver, insustentaveis, em presença do nosso estado, bases que revelam o desejo, a aspiração imitativa, e sempre perigosa de importar usos estranhos. Adoptaram-se varias prescripções que os nossos costumes, as fórmas do nosso ensino, e as habilitações do nosso professorado não podem admittir (apoiados).
Aqui está, pois, uma reforma que, em geral, ninguem applaude, que ninguem recommenda como proficua, e que em nada auxilia os fins de verdadeira economia (repetidos apoiados).
Basta a exhibição exotica dos minervaes, baptisada com um nome rescendente ao classissismo mais puro, e que significa um tributo e um tributo pesado. Acha o governo que decretos com indole tributaria podem entrar nos limites da auctorisação de 9 de setembro?
Que direi das reformas das secretarias? Simplificaram ellas acaso os serviços, os methodos, os expedientes? Seguiram o principio da descentralisação? Cercearam-se porventura os quadros e diminuiu-se o pessoal? Regeu ao menos um pensamento uniforme e simetrico a sua reorganisação?
Creio que não se ousará dizer que sim! O que vemos? Em umas secretarias declarou-se indispensaveis os directores geraes, em outras proscreveram-se, e sempre em nome da applicação elastica do principio das economias! Quando tinham rasão os srs. ministros? Quando convertiam a direcção de instrucção publica n'uma repartição, só mutilando a idéa e a fórma, ou quando conservaram as direcções como indispensaveis? Em se pondo de accordo saberemos.
Repito, pois, não só na instrucção publica, mas em muitos outros ramos do serviço publico, os decretos da dictadura carecem de uma revisão immediata, imparcial, completa e isenta de influencias apaixonadas. Pouco do que se edificou agora em bases frageis ha de viver. São obras de tarefa, acanhadas, pequenas, fugitivas, obras de um dia fadadas a morrer no outro (apoiados). Atropelou se a justiça, feriram se os direitos adquiridos, cortejou-se a falsa opinião, e, passado o impeto, o futuro fará prompta e cabal execução em quasi todas.
O que podia durar eram reformas traçadas em nome de grandes idéas e segundo um plano elevado. Essas, sim, é que nos viriam libertar da confusão, da babel de processos papeliferos (desculpe a camara a phrase) que pullulam, invadem, innundam e afogam todas as repartições em nome de uma centralisação ciosa de crear dependencias e attrahir a si todos os negocios desde a instrucção até ás resoluções finaes. Convinha simplificar em vez de complicar, alliviar, e não aggravar o peso incomportavel do expediente ordinario, e distribuir pelas localidades todo o serviço que sem prejuizo deve e ha de um dia commetter-se-lhes. É por isso que a reforma da administração me pareceu sempre o primeiro passo a adiantar n'este caminho. Sem ella nem a descentralisação póde ser senão uma palavra oca de programma; nem a desaccumulação, que é diversa, mas essencial, póde entrar na esphera pratica dos factos; nem finalmente se poderá obter pela simplificação dos negocios a simplificação do serviço e a reducção dos quadros. Gastamos muito papel, muitos officios, muitas portarias de mais, e desgraçadamente achamo-nos cada vez peior! (Apoiados.)
Sem a reforma administrativa, concebida e desenhada com este proposito, fallar em diminuição de pessoal nos quadros é soltar uma phrase esteril e nada mais. Os papeis são tantos, que cansam a mão e a penna de legiões de empregados, accusados, innocentes da culpa, que não é d'elles, de sugarem a substancia do estado. Emquanto o numero e o volume dos processos, emquanto a serie interminavel das formalidades, dos passeios officiaes pelo correio, e das velhas mesuras tradicionaes continuar com foros de ponto de fé bureaucratico, não esperemos providencia efficaz, voto sincero na exageração do pessoal. Diminuam o expediente se querem reduzir os quadros. O mal não procede dos vencimentos dos empregados, mesquinhos, insufficientissimos, nasce do numero excessivo dos funccionarios (apoiados). Mas esses empregados não povoam as repartições senão em virtude da lei. Entraram pelas portas que ella abriu e abre, e a verdadeira culpada do mal é a organisação central dos serviços, enxerto rachitico de instituições mais ou menos modernas no velho tronco da monarchia antiga.
A causa do pessoal enorme, que tanto dá na vista e com motivo, é, repito, o vicioso systema do expediente em vigor, e o methodo de instruir, processar, abarcar e dilatar os negocios.
Não sei se esta complicação foi ou é innocente, mas o que posso affirmar é que a consequencia immediata d'ella ha de ser sempre a progressão do numere dos empregados (apoiados).
O proprio decreto eleitoral encerra uma prova das precipitações a que me referi. Apesar das hesitações e das rémoras de alguns mezes, como saíu a nova circumscripção dos circulos, á qual não escasseara o tempo para ser uma obra relativamente perfeita? Decretou-se pouco menos do que o impossivel, supprimiram-se as distancias, e Macau e Timor atravez dos mares foram obrigadas a um abraço, quasi incestuoso, formando um circulo unico! Quem conhece as localidades e as circumstancias das duas provincias é que póde bem avaliar este rasgo do decreto de 18 de março.
O governo em janeiro d'este anno appellou da camara para o paiz, mas os seus actos revelaram desde logo a desconfiança de que o recurso não fosse aceito. Como se explica o praso da convocação tão dilatado? Como se justifica a demora na publicação da nova circumscripção eleitoral? Porque se fez ella á ultima hora, quasi improvisa, e mais quasi como uma surpreza aos partidos do que como um acto governativo? E esses circulos, uns estendidos no leito de Procusto, outros modestamente aninhados na sua primitiva mediocridade, não auctorisariam as queixas e as suspeitas dos que viram nelles não as combinações mais adequadas ao fim eleitoral, mas ao exito de certas e determinadas candidaturas? Não parece que tudo se calculou para deixar á opposição todas as condições desvantajosas? Talvez estas culpas sejam veniaes, mas em todo o caso são culpas, assim como é tambem certo que, lavrado o decreto quasi na véspera da eleição, se negou aos partidos o tempo indispensavel para se prepararem a entrar na luta com menor inferioridade!
Eis o inconveniente das dictaduras! Mas na mesma lei das deduccões nos vencimentos dos funccionarios, lei que representa um imposto pesado e desigual, como se annullou e immobilisou de repente a iniciativa, ministerial?
Era um sacrificio. Nenhuma classe póde negar-se a contribuir quando o paiz carece do patriotismo de todas. Collectaram-se os ordenados, o salario industrial dos empregados, resuscitou-se para elles a caduca e condemnada forma do imposto proporcional, cuja progressão termina no absurdo. Por que parou de subito o governo, e lhe ficou o braço com a espada alçada, quando a equidade, a rasão e