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198 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

quizera antes que uma tal medida, tão contraria e avessa aos principios liberaes que estamos praticando, não tivesse apenas uma maioria de dez votos.

Dez votos, sr. presidente! Dez votos não é apoio que robusteça e de prestigio ao pensamento de um projecto de lei, que levantou n’esta casa tamanha opposição, e que tem levantado e sobressaltado contra si a opinião publica do paiz.

Vi, com sentimento meu, empenhada a lucta politica em tuna questão, em que ella não devia nem podia caber; e, porque esse facto se deu, é que eu estimo mais que a minha proposta de adiamento fosse rejeitada, do que approvada.

Assim, não me cabe nenhuma responsabilidade de haver provocado, por uma proposta minha, uma crise do governo.

Por outro lado, travada a lucta politica, e, portanto, sacrificada a ella a repugnancia de opinião que se podesse levantar no seio da maioria contra o projecto em discussão, a maioria de dez votos significa mais o desejo de apoiar o governo na questão politica, do que o de o sustentar na defeza da restauração dos antigos arrematantes de odiosa memoria.

E já que fallámos de restaurações, digamos, que se este, camara significa a restauração dos tres estados, como ha pouco pareceu sustentar na sua ordem de idéas o digno par sr. Barros e Sá, o clero não votou comnosco, foi contra nós.

Sr. presidente, houve já quem dissesse que o estylo era o homem, creio que foi Buffon. Bem, pois se o cctylo é o homem, eu direi, com não menos propriedade, que o paiz é o parlamento. Tal parlamento, tal paiz.

Sr. presidente, é me doloroso dizer, e sinto deveras dizel-o, é triste, depois de cincoenta annos de systema parlamentar, o ver na ultima hora de um debate largo, latissimo, tão amplo, que parte dos oradores inscriptos desistiram da palavra, por já não ter que dizer, ou por não poderem combater o que diziamos; e triste, repito, o ver na ultima hora do debate entrarem n’esta sala, para votar, pares que nem sabiam nem podiam saber sobre que questão se lhes ia pedir o seu voto! (Apoiados.)

Que triste lição estamos dando ao paiz sobre o modo por que praticamos o systema parlamentar!

Sr. presidente, esta questão não podia, não devia ser nunca uma questão politica, Se os illustres ministros se tivessem compenetrado bem da responsabilidade que lhes ha de advir d’este facto, não teriam consentido nunca em que esta questão se tivesse collocado sobre esse terreno. (Apoiados.) E se n’esta questão não houvéssemos sacrificado ás exigencias politicas, duvido muito de que o governo se não convencesse da inconveniencia da sua insistencia em obter do parlamento uma auctorisação, que é nas suas mãos uma arma tão perigosa, como o póde ser igualmente nas mãos do governo que haja de lhe succeder.

O meu adiamento não matava a questão, porque não era um adiamento indefinido, dava tempo a que a necessidade da auctorisação pedida se justificasse pelos factos.

E assim a rasão economica ou a rasão financeira tirava pretextos de suspeição contra o governo, e punha de lado para justificação d’este projecto a rasão politica.

Este era o fim a que eu me propunha, esta era a idéa de que os srs. ministros se deviam ter inspirado, e se s. exas. se compenetrassem bem d’ella havia mil meios praticos, n’estas conhecidas evoluções de tactica parlamentar, para substituir o adiamento que formulei na proposta que se votou, por outro qualquer expediente que nos levasse ao mesmo fim.

Se praticassem commigo a tal respeito, eu que, se não sou ministerial, tambem não sou opposição, e que apenas quero e desejo ser governamental, teria acceitado como expediente do occasião, em vez da proposta de adiamento na generalidade, o adiamento na especialidade, voltando o projecto á commissão por effeito de quaesquer emendas nos seus artigos, não para dormir lá o eterno somno, caíndo no limbo, iras para ficar ahi tanto tempo quanto as exigencias de occasião e de opportunidade o pedissem.

Não o quizeram, porém, assim os srs. ministros, nem aquelles que os apoiam, e que muitas vezes são e se mostram mais ministeriaes que o proprio governo.

Pois bem, ahi têem a auctorisação pedida. Iniciem a sua carreira politica e a sua carreira financeira, restaurando os antigos arrematantes.

Venceu o governo, venceu por pequena maioria, menor ainda se d’ella subtrahirmos os votos que deve a circunstancias especiaes e estranhas á questão.

Ainda hontem ouvimos a voz de um digno par declarar que se afastara de antigos amigos e de antigos correligionarios politicos, cedendo a um impulso do coração. Oh! sr. presidente, pois acaso podemos e devemos subordinar a voz da convicção que vem do espirito, á voz do sentimento que vem do coração? Eu nunca fiz isto n’esta casa; creio devoras não o haver feito nunca, e d’isso dei já prova e documento seguro. Vim combater n’esta mesma questão do real de agua, com o governo, entre cujos membros tinha, não só amigos aos quaes me prendia antiga e sincera affeição, mas alguem a quem me prendiam e me prendem laços de proximo parentesco. É que eu entendo e entendi sempre que aqui não se combatem homens, combatem-se principies. N’esta casa reunimo-nos e somos homens publicos, diante de homens publicos, desprendidos do todas as rasões de affecto e de sympathia, obrigados a tratar as questões com independencia de acção e de opinião, e antepondo a todas as considerações de affecto e de interesse o unico interesse da causa publica.

O digno par a quem me refiro, e cujo voto não póde ser contado para os effeitos da questão politica, como voto politico, declarou ter abandonado, attrahido por affectos brandos, as tendas onde se havia abrigado por muitos annos nos arraiaes da politica da regeneração. Ao que parece o rigor da disciplina não lhe deixava lá o coração desafogado para taes affectos.

Ainda assim, os habitos cantrahidos não se perdem facilmente, e para combater e adiamento e defender o projecto, vimos ainda o digno par voltar de novo áquelles arraiaes, procurar lá o sr. Sampaio, e pedir aos actos d’aquelle digno par, quando foi ministro, as melhores das armas que o digno par empregou na defesa do projecto, e que talvez em outras condições tratasse de açacalar e polir para o combater.

O sr. Presidente: — Peço licença para observar ao digno par que não se está discutindo a generalidade do projecto, e que o artigo 53.° não regimento não permitte as apreciações que o digno par está fazendo com relação ao procedimento de alguns dos seus collegas.

O Orador: — Permitta-mo v. exa. que lhe diga que, sobre o thema do artgo 1.° do projecto, posso desenvolver as considerações com que julgo dever motivar o meu voto. Demais, já outros oradores, quando trataram da generalidade do projecto, só espraiaram em observações entranhas a elle. V. exa. pediu-me que me restringisse á materia em discussão, e eu, para obedecer á recommendação de v. exa., contrahi as minhas palavras, quando fallei na generalidade, na mais acanhada das fórmas por que o poderia fazer.

O sr. Presidente: — Observo ao digno par que o nosso regimento é bem claro a cate respeito. Eu. passo a ler o que elle diz no artigo 53.°

«O presidente deverá interromper o orador se este se desviar da questão, infringindo o regimento, ou por qualquer modo offender as considerações de civilidade e de respeito devidas á camara.»

O Orador: — Parece-me, sr. presidente, que estou no direito de combater a idéa que se contém no primeiro artigo do projecto, e, com este proposito, de fazer as considerações que o debate me tem suggerido...