O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 38 DE 10 DE AGOSTO DE 1908 9

recer que está na ordem do dia, consinta V. Exa., Sr. Presidente, que eu fale da questão chamada dos adeantamentos illegaes.

Não a venho encarar sob qualquer aspecto novo por que não tenha sido já considerada, e não trago para o debate nenhum valioso, elemento de informação ou de apreciação que ainda não seja conhecido.

É claro, pois, que das palavras que vou proferir não irradiará a luz precisa para que o assunto fique perfeitamente esclarecido.

Entendo, porem, que nenhum homem publico que tenha feito parte das administrações passadas tem hoje o direito de se conservar silencioso.

É preciso, é forçoso, até, que todos confessem publicamente as suas proprias responsabilidades, e muito expressamente declarem se acceitam, ou repudiam, as que lhes possam caber dos actos praticados pelos seus collegas.

Sei que, no dizer da opposição, essas responsabilidades são enormes, gravissimas; mas, convencido como estou de que nos gabinetes presididos por Hintze Ribeiro — unicos de que eu fiz parte — nunca houve Ministro que no desempenho das suas funcções officiaes praticasse acto algum moralmente reprehensivel e que não se possa plenamente justificar, todas as responsabilidades eu acceito sem a mais pequena hesitação.

Ponho-me, pois, ao lado dos arguidos e não ao lado dos accusadores.

Eis a minha primeira declaração.

E agora, antes de fatiar das minhas proprias responsabilidades, permitta-me a Camara que eu lhe exponha algumas considerações que talvez não sejam inteiramente descabidas nesta occasião.

Sr. Presidente: a nossa vida politica atravessa neste momento uma crise difficil, perigosa e que nos impõe deveres especiaes.

No meu entender, todos os que fomos Ministros com El-Rei o Sr. D. Carlos temos estricta e rigorosa obrigação de, em tudo que pudermos e em tanto quanto pudermos, defendermos a sua memoria, dizendo lealmente ao país a verdade, toda a verdade ainda que ella seja contra nós; e impende-nos o dever de com a mesma lealdade lhe dizermos o que pensamos da nossa actual situação politica, que a mim se me afigura gravissima.

Nós, porem, os que sob a presidencia de Hintze Ribeiro fomos Ministros no ultimo reinado, temos ainda um outro dever a cumprir, não menos impreterivel, qual é o de zelar a honra do homem eminente que foi nosso chefe.

O Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, chefe illustre do partido progressista, pode vir aqui elle proprio...

O Sr. João Arroyo: — Mas não vem...

O Orador: — Não sei; não posso informar V. Exa.; o que sei é que o Sr. José Luciano pode vir aqui, se quiser, defender os actos da sua administração e responder, justificar-se, de quaesquer accusações que lhe sejam dirigidas; e que, por desgraça, Hintze Ribeiro já não pode fazer ouvir nesta sala a sua voz autorizada e eloquente para confundir os seus detractores.

É preciso, pois, que nós, os que em vida fomos seus collegas e amigos, defendamos a sua memoria. Exige-o a nossa honra politica e com certeza nenhum de nós faltará ao seu dever.

Disse que, a meu ver, nenhum homem publico que tenha responsabilidade nas administrações preteritas, se pode julgar hoje dispensado de dizer lealmente ao país o que pensa e o que sabe do passado e do presente.

É esse dever que eu venho cumprir. Não pretendo fazer um discurso ; quero apenas fazer o meu depoimento.

Sr. Presidente: ha mais de tres annos que em Portugal se não faz administração; que a vida economica do país está, por assim dizer, paralysada; e que nos movemos todos numa atmosphera saturada de politica, não de uma politica boa, sã e util para a nação, mas de uma politica deleteria que a todos nos envenena.

Ha mais de tres annos que se descuram inteiramente os interesses essenciaes do Estado. A nossa situação financeira aggrava-se dia a dia; secam-se varias fontes de receita que existiam e não se abrem outras que as substituam; as despesas publicas (veja-se o orçamento trazido á Camara pelo Governo) aumentam á medida que as receitas decrescem, e ninguem pensa em lhes pôr um dique que as detenha na sua louca expansão (Apoiados); a agricultura definha; o commercio retrae-se; a industria desespera de progredir; a nossa balança commercial cada vez mais se desequilibra, não produzimos os generos de que carecemos e não temos mercados para os que produzimos; a vida do cidadão está exhorbitantemente cara e difficil para todos; o descontentamento é geral e em ninguem se confia, nem nos Governos, nem nas opposições; na imprensa, em comicios e em conferencias publicas insulta se a religião do Estado, injuriam-se as instituições, infamam-se os homens que as defendem e engana-se e desmoraliza-se o povo; no dia 1 de fevereiro mata-se o Chefe do Estado na rua publica, na presença de centenas de pessoas, ninguem acredita que os regicidas não tenham cumplices e hoje, decorridos mais de seis meses, não se sabe ainda quem elles são; consentem-se manifestações vergonhosas, como as dos dias 5 e 6 de abril, e romarias infames, só proprias de selvagens, que nos envergonham á face de todo o mundo civilizado; e para que nada nos falte, a ordem publica é só apparente, no fundo está a desordem, que ninguem reprime.

Tudo isto é profundamente triste e profundamente verdadeiro. Parece, porem, Sr. Presidente, que tudo isto pouco importa!

O que importa, o que é preciso antes de tudo e succeda o que succeder, é inutilizar os adversarios politicos. The strugle for life é hoje a lei suprema, e o país que se aguente como puder.

Desenterram-se, trazem-se a lume e avolumam-se os erros do passado. Para quê? Para os remediar? Não, com certeza. Para acautelar o futuro? Ainda menos, esta proposta o demonstra. Para purificar e sanear a atmosphera? Quem pensa nisso?! Então para quê? O que se deseja? O que se pretende? O que se quer? O que se quer e o que se deseja é que esses erros sejam grandes e que sejam muitos, na esperança de que os adversarios fiquem esmagados debaixo d'elles.

É triste, bem sei; mas na luta pela vida o que importa é vencer.

Se a má sorte quer que, para vencer, seja preciso sacrificar o país onde se nasceu, ou a reputação de homens que no fundo da consciencia se respeitem, é sem duvida uma necessidade dolorosa; mas a lei suprema é implacavel, ha de fatalmente cumprir-se, custe o que custar.

Quer y. Exa. um exemplo d'esta verdade ?

Na Camara dos Senhores Deputados, de acordo com um preceito da lei fundamental do Estado, elege-se uma commissão para examinar a administração do ultimo reinado, a fim de se providenciar sobre quaesquer abusos que se tenham introduzido na administração geral do Estado. Muito bem, não é verdade? A opposição, porem, insurge-se ; não é isto o que ella quer. É preciso que, antes de tudo, a commissão estude em especial a questão dos adeantamentos. Porque? Porque é de todas a mais urgente, a que mais interessa ao país, aquella de onde pode ,vir o resurgimento das nossas finanças? Não; mas porque ella é o filão do escandalo e esse é o õ1ue convem explorar! (Apoiados).

E o Governo o que faz? Oppôs-se? Resiste? Não, Sr. Presidente, cede, transige; apressa-se a ceder e a transigir, porque lutando pode arriscar a sua preciosa existencia. Sempre a luta pela vida!

As opposições não teem, creio eu e sinceramente o digo, a noção exacta do mal que estão fazendo ao país; mas