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SESSÃO N.° 41 DE 14 DE AGOSTO DE 1908 5

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. Teixeira de Sousa: — Ao terminar a sessão de quarta-feira, tendo feito a demonstração de que não podendo mais repetir-se os expedientes dos diamantes, das inscrições, das reclamações e rendas; dos adeantamentos e emprestimos, só na reducção das despesas a Casa Real encontraria maneira de evitar que se volte á situação lamentavel, que tão grandes males produziu, analysarei o artigo 5.° do projecto, em que se consigna que El-Rei D. Manuel pagará a divida da Casa Real ao Thesouro em prestações annuaes não inferiores a 5 por cento" da .liquidação que se fizer.

El-Rei quer pagar as dividas de seu Augusto Pa e, levado por um sentimento nobre, que sobremaneira o honra; mas a nação só lh'o pode consentir se El-Rei o puder fazer, sem que isso se vá reflectir na decencia do seu viver.

Pode El-Rei D. Manuel pagar a divida que se liquidar, dentro de um prazo razoavel, sem reduzir os recursos que lhe provirão da dotação que o Parlamento lhe vae votar?

Só com os rendimentos da Casa de Bragança El-Rei pode fazer face aos encargos que vae contrahir.

E preciso, porem, saber se se pode ou não dispor d'elles.

Pode, e a demonstração é simples.

A Casa de Bragança foi fundada por D. João I e pelo Condestavel Nuno Alvares Pereira, com os dotes para o casamento de D. Affonso, filho legitimado do Rei, com D. Brites Pereira, filha do vencedor de Valverde e de Aljubarrota.

O braço de Nuno Alvares fôra precioso para a defesa do reino e para a manutenção da Corôa no Mestre de Avis, mas, em troca, recebeu largas concessões de terras e villas, o que a muita gente fez suppor que o que dera em dote á sua ilha parecia saído dos haveres da Corôa.

Não é assim.

Muitos dos bens da Casa de Bragança eram da mulher de Nuno Alvares, D. Leonor Alvira, Entre Douro e Minho.

Na escritura de casamento, feita em Friellas no anno de Christo de 1401, ficou claramente accentuado que o Condestavel entrasse no dote com o que era seu: as minhas quintas da Carvalhosa, Covas, Canedo, Seraes, Grodinhaes, Sanfins e Temperam; os casaes de Bustello, as quintas de Moreira.

O Rei D. João fez algumas doações a seu filho, mas não constituiram o essencial da Casa de Bragança.

Em 1540 ainda veio juntar-se-lhe um novo morgadio feito por D. Theodosio I, em bens de Chaves, Bragança, casaes de Barroso, quinta de Ponte de Lima, património de Barcellos, herdades de Portei e de Alter do Chão, e mais tarde vem juntar-se-lhe ainda a Capella dos Castros, morgadio de D. Catarina, em que figuram as herdades de Villa Fernando, Villa Viçosa, Villa Boim, Evora Monte, Monsaraz e Portei.

A Casa ainda foi aumentada com compras valiosas, entre as quaes figuram a herdade de Bertiando e o Cabido de S. Tiago de Galliza.

Quasi tudo quanto possuia na provincia de Trás-os-Montes, e mesmo em Bragança,- a Casa de Bragança deixou perder.

Lá existe o solar da Casa em ruinas, e alguns foros bem insignificantes.

Caído o dominio de Castella, em 1640, as Côrtes reunidas em Lisboa em 1641 votaram a conservação da Casa de Bragança, que o Rei D. João IV acceitou, com as seguintes ponderações, que são de capital importancia para se conhecer a natureza civil da mesma Casa:

1.° Que os Reis seus predecessores não tinham destinado património particular aos seus primogenitos, como em outros reinos se praticava;

2.° Que era seu desejo conservar a memoria d'esta Casa, tão digna de recordações tão gloriosas, perpetuando a sua conservação;

3.° Que não tinha, porem, então, cabedal para fazer patrimonio aos Principes successores da Corôa. Ponderada esta conservação, ordenava:

«que o Principe D. Theodosio, seu filho, e os primogenitos dos Reis, seus successores, tivessem o titulo de Principe do Brasil e Duques de Bragança, e para melhor os poderem sustentar, governassem a Serenissima Casa logo que tivessem casa; e emquanto Principes e antes de terem casa, ou emquanto faltasse Principe, governassem Reis, mas com divisão de Ministros».

Foi uma verdadeira cessão que o Rei D. João IV, seu legitimo e incontestado Senhor, fez, a qual ficou pertencendo aos Principes herdeiros do Throno, mas provisoriamente aos Reis, emquanto não houver Principe ou este não tiver casa.

E, pois, a Casa de Bragança propriedade inteiramente particular, da qual o Senhor D. Manuel é usufrutuario, até que haja Principe herdeiro e que tenha casa.

Tudo o Rei D. João IV regulou na carta-patente, de 27 de outubro de 1645.

Vem a lei de 19 de maio de 1863, que extinguiu os morgadios, mas que assim dispôs:

O apanagio do Principe Real, successor á Corôa, constituido em bens da Casa de Bragança, pela carta-patente de 29 de outubro de 1645, continuará a subsistir com as condições especiaes estabelecidas na mesma carta-patente.

E, pois, um morgadio o da Casa de Bragança, reconhecido nas leis; é propriedade de caracter particular, de cujos rendimentos El-Rei D, Manuel, até haver Principe herdeiro, com casa sua, usufruirá, podendo d'elles dispor livremente. (Apoiados).

Não lhe dá isso a obrigação de pagar as dividas de. seu pae, que vão alem do valor da herança, mas dá-lhe os meios materiaes para o fazer no periodo que o projecto consigna.

Commentando a carta-patente de 1645, diz o Conselheiro Silva Ferrão, no seu Tratado sobre direitos e encargos da Serenissima Casa de Bragança:

Assim, se um dia a dynastia da Serenissima Casa de Bragança (o que o céu não permitta, acrescenta) cessasse de reinar passando o Throno a outra familia; se esta nação, como nação, perdesse a sua independencia e com ella se abysmasse o seu Throno; se uma forma de Governo democratico, aristocratico ou misto, viesse a ser estabelecida, com exclusão do principio monarchico; ou se, emfim, por medida legislativa, todas as amortizações de bens, sem excepção dos que constituem um como apanagio do Principe herdeiro, viessem a ser decretadas, em todas ou alguma das hypotheses, os bens da Serenissima Casa de Bragança, como de propriedade particular, não poderiam ser encorporados nos proprios da nação, como foram, por decreto de 1834, os da Casa do Infantado, mas teriam, como de rigorosa justiça, de passar aos herdeiros ou successores, parentes da Familia Brigantina.

Tal era a opinião do commentador illustre. Mas foi esta a doutrina inalteravelmente seguida? Não. D. Pedro de Alcantara saíra com D. João VI para o Brasil e ali se conservou até a emancipação brasileira e até a abdicação. Entretanto fez-se a lei dê 21 de julho de 1821, estabelecendo que os rendimentos da Casa de Bragança continuassem a ser applicados pelo Thesouro, emquanto estivesse ausente o Principe Real D. Pedro de Alcantara, voltando a usufrui-los quando regressasse.

Assim se procedeu. Só pelo decreto de 9 de agosto de 1833 se mandou entregar os rendimentos a D. Pedro, mas somente a partir de 7 de abril de 1831. A lei de 1821 não era legitima. O que se fez foi uma usurpação, mas usurpação que aproveitou ao Estado em cerca de 600 contos de réis, calculando em 600 contos de réis o rendimento annual da Casa de Bragança, quantia que não mais foi restituida. A Casa de Bragança reclamou, mas não foi attendida.