DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES Do REINO 499
trazer para aquella defeza, perigo que só podem apreciar os militares. Não admitto esta doutrina, nem se póde admittir. (Apoiados.)
Convenho em que os membros da illustre commissão de guerra sejam mais competentes para examinar a questão e lavrar um parecer mais bem fundamentado, debaixo do aspecto militar, da defeza da capital, do que os membro das outras duas commissões. São especialistas os militares n'esta questão. Mas negar aos membros das commissões de fazenda e obras publicas a competencia para poderem julgar dos argumentos que apresentam os membros da commissão do guerra, é doutrina, repito, que não se póde acceitar; porque, se essa doutrina fosse verdadeira, tambem a camara era incompetente, porque a camara não se compõe só de militares. (Apoiados.)
São cousas muito differentes estudar e apreciar uma questão complicada e apresentar as melhores rasões de decidir, e o apreciar os argumentos apresentados, e ver a justiça e conveniencia que póde haver, ou deixar de haver, para acceitar, ou deixar de acceitar, o juizo sobre elles baseado.
Todos os conhecimentos humanos são ramos de uma arvore, cujas raizes são a rasão, a experiencia e a observação, de que podem usar todos os homens, principalmente os illustrados. Se assim não fôra, nem esta camara podia deliberar, nem opinião publica podia haver, e destruia-se um principio fundamental do systema representativo - a discussão e deliberação das côrtes sobre todas as questões que podem vir ao parlamento, e que são de naturezas variadissimas. O governo parlamentar seria um absurdo (Apoiados.)
Em conclusão, creio que nenhum dos membros da camara se oppõe-a que seja ouvida a commissão de guerra, e portanto, não sei para que havemos do estar a gastar tempo n'um debate que a final versa n'um ponto em que todos estão de accordo; e o que resta é discutir a segunda questão, que chamei de methodo. Em esta voto, pois, pela reunião de todas as tres commissões, constituindo uma só grande commissão; e por um só parecer, embora haja votos em separado.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Declara que tanto fazia approvar o requerimento apresentado pelo sr. Camara Leme como o do sr. conde de Castro, visto que a com-missão de guerra tinha o direito de apresentar um parecer separado sobre o projecto relativo ao caminho de ferro de Torres, se assim fosse conveniente.
(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
O sr. Costa Lobo: - Não dou a importancia que deram os dignos pares, que me precederam, a esta questão. Que a commissão de guerra examine em separado o projecto ou que o faça conjunctamente com as outras commissões não me parece que seja cousa de grande importancia. Entretanto a proposta do sr. conde de Castro é o que se me afigura mais rasoavel.
Os caminhos de ferro não são em regra instrumentos estrategicos, são instrumentos economicos, embora; em muitas circumstancias, se devam subordinar ás exigencias militares.
Portanto, o mais correcto seria que a commissão de guerra submettesse ás commissões de obras publicas e de fazenda o que aquella entendesse reclamado pelas exigencias estrategicas.
De outra maneira, se este caminho do ferro fosse apenas considerado como um instrumento militar, as exigencias da commissão de guerra poderiam ser de tal maneira desarrasoadas que o tornassem impossivel.
Porém, os cavalheiros, que compõem a commissão de guerra, são do tal modo illustrados, conhecem tanto as condições financeiras e economicas do paiz que, examinando o projecto mesmo debaixo do ponto de vista militar, não hão de deixar de considerar as condições economicas.
É por isso que a questão que se debato não me parece de grande momento.
Occorre me, porém, uma idéa, que me parece ter alguma vantagem pratica. A proposta do sr. Camara Leme diz seguinte:
(Leu.)
O digno par entende, portanto, que o projecto póde offender a tactica e a estrategia, a defeza de Lisboa, e até pôr em perigo a dependencia da patria.
Ora, se effectivamente este caminho de ferro tem consequencias tão transcendentes, se a patria corre perigo, de certo que não haverá nenhum compatriota de Camões que se não sobresalte, e que não felicite o digno par, auctor da proposta, pelo serviço que fez á patria em assignalar o perigo.
Consequentemente o digno par faz na sua proposta, apello a todas as intelligencias; ou, pelo menos, esta parece ser a sua idéa, porquanto reclama que á commissão de guerra sejam enviados quantos pareceres, memorias e consultas houver relativos ao assumpto.
Ora, como esta camara tem a fortuna do possuir no seu seio muitos militares distinctos, que podem esclarecer aquella commissão; e sendo estes distinctos militares muito conhecedores d'esta questão, a que está ligada a tactica, a estrategia, a defeza de Lisboa e a independencia da patria, parece-me conveniente, em vista da propria opinião do digno par, e em conformidade com a proposta de s. exa., dever fazer tambem uma proposta, que tenho a honra de mandar para a mesa.
a seguinte:
Proposta
Proponho que sejam aggregados á commissão de guerra os dignos pares Fortunato Barreiros, Mancos de Faria, José Joaquim de Castro e Visconde de S. Januario.
Leu-se na mesa e foi admittida.
O sr. Mártens Ferrão: - Diz que é sua opinião que ás commissões é que compete resolver-se devem dar parecer em separado ou em commum, porque isso é materia da sua competencia.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)
O sr. Camara Lente: - Eu tinha tomado apontamentos para responder a alguns dignos pares que trataram d'esta questão, mas reservar-me-hei até que entre em discussão o respectivo projecto. Por agora só direi, em nome da commissão da-guerra, que ella tem muito gosto e muita honra em que lhe sejam aggregados os dignos pares indicados pelo sr. Costa Lobo, comquanto não reconheça no digno par a competencia necessaria para fazer essa proposta, cuja iniciativa, segundo todos os precedentes, só podia pertencer a qualquer dos membros da mesma commissão.
O sr. Conde de Castro: - Quando o digno par e meu amigo o sr. Fontes Pereira de Mello, pediu a palavra, esperava eu que s. exa., com a lucidez de espirito que todos lhe reconhecemos, e a clareza em que elle costuma expor sempre as questões, apresentasse taes argumentos que me fizessem vacillar e talvez desistir do meu requerimento; porém não succedeu assim, e até mesmo a alguns dos fundamentos, sobre os quaes o apoiei, deixou s. exa. de responder.
Eu disse, e ainda agora repito, que a pratica seguida quasi invariavelmente nas duas casas do parlamento era, quando se quer ouvir a opinião de differentes commissões, reunirem-se essas commissões e darem conjunctamente o seu parecer.
Acrescentei mesmo que, tendo-se discutido já no paramento assumptos analogos a este, taes como o contrato Salamanca, e as suas celebres aclarações, do que ainda me lembro; porque, emfim, sou parlamentar velho, tendo-se