SESSÃO N.° 52 DE 4 DE SETEMBRO DE 1908 17
designio de proteger contra os riscos do trabalho o povo laborioso, será chegado o momento em que a protecção ha de corresponder a todas as legitimas exigencias da humanidade e da civilização, porque, por effeito da lei internacional, deixará de ser perniciosa a luta no terreno da concorrencia. Eis o caminho que, tanto quanto a homens é dado prever, nos deve conduzir á solução pacifica da questão social».
Esta humanitaria aspiração, manifestada pelo antigo Conselheiro federal suisso Sr. Emile Frey ao encerrar, em Berne, a conferencia diplomatica de 1906, a que tão dignamente presidira, bem accentua a importancia e alcance da obra meritoria que, preconizada desde 1853, por um philantropo alsaciano, Daniel Legrand, se tornou successivamente objecto de negociações e conferencias internacionaes, cuja iniciativa honra por igual Sua Majestade é Imperador da Allemanha e o Conselho Federal da Suissa, sem que por isso haja de esquecer-se a acção, que tem sido perseverante e efficaz, da Associação Internacional para a Protecção Legal dos Trabalhadores.
Realizou-se em Berlim, em março de 1890, a primeira conferencia internacional que se occupou da protecção operaria; e os desiderata ahi formulados, na parte relativa á limitação do trabalho das mulheres, foram novamente examinados nas conferencias reunidas em Berne, em 1905 e 1906, que ainda trataram de outro assunto, proposto pela referida associação: o emprego do fosforo branco no fabrico das accendalhas.
Assentou a conferencia, technica ou consultiva, de 1905, as bases das duas convenções, que a conferencia diplomatica de 1906 discutiu e assinou: a primeira, prohibindo o trabalho nocturno das mulheres empregadas na industria; a segunda, prohibindo o emprego de fosforo branco (amarello) na industria das accendalhas.
Não foi esta ultima convenção assinada pelo representante de Portugal, attentas as especiaes circunstancias derivadas do contrato de 25 de abril de 1895, que, no artigo 13.°, impôs á empresa concessionaria do monopolio do fabrico de accendalhas, palitos ou pavios fosforicos a obrigação de fornecer ao publico productos de fosforo branco, observando-se comtudo na respectiva manipulação as precauções constantes do regulamento de 19 de novembro d'aquelle anno.
Tambem deixaram de assinar essa convenção a Austria-Hungria, Belgica, Espanha, Gran-Bretanha e Suecia, signatarias, como Portugal, da convenção relativa ao trabalho das mulheres.
O trabalho fabril das mulheres foi entre nós regulado pelo decreto de 4 de abril de 1891; mas os seus preceitos só ás de menor idade são applicaveis, excepto pelo que respeita ás parturientes, que todas ficam inhibidas de trabalhar durante quatro semanas consecutivas ao parto; e findo este periodo, ás mães que retomarem o trabalho se garante a faculdade de, a horas prefixas, irem amamentar os filhos na creche, que deve haver junto de cada fabrica onde trabalharem diariamente mais de cincoenta mulheres.
«Os estabelecimentos industriaes que em Portugal empregam mulheres - observa no seu relatorio o Conselheiro Madeira Pinto, delegado á conferencia de 1905 - são principalmente os de fiação e tecelagem de algodão, linho e lã, os de preparação de tabacos e os de fabrico de conservas alimenticias.
Só nestes ultimos ha com frequencia trabalho nocturno para preparação immediata do peixe desembarcado nas marés da noite; nos outros só anormalmente e em periodos muito limitados tem havido trabalho para as mulheres entre nove horas da noite e cinco horas da manhã. A prohibição do trabalho nocturno das mulheres nenhum prejuizo grave trará por isso á industria portuguesa, vistas as excepções consignadas nas bases para a convenção, acima indicadas, e a reserva ahi feita com respeito aos casos em que se trate de evitar a perda de materias susceptiveis de rapida alteração.
A suppressão de trabalho nocturno das mulheres nos estabelecimentos industriaes impõe-se como medida hygienica e de moralidade. Mesmo nas fabricas de conservas de peixe convem que o numero de horas de trabalho nocturno seja reduzido o mais possivel para pôr termo aos graves inconvenientes, repetidas vezes apontados, resultantes da permanencia das mulheres fora de casa durante noites inteiras».
Resta-me chamar a vossa attenção para o desideratum (coeu) inserto a pag. 147 e 148 dos «Actes de la conférence diplomatique pour la protection ouvrière réunie à Berne du 17 au 26 septembre 1906», de que mando para a mesa um exemplar.
Esse desideratum é o seguinte:
«No acto de proceder á assinatura da convenção sobre o trabalho nocturno das mulheres, os delegados da Dinamarca, Espanha, Franca, Gran Bretanha, Italia, Luxemburgo, Paises Baixos, Portugal, Suecia e Suissa, convencidos da conveniencia de assegurar a maior unidade possivel a regulamentação que for promulgada em conformidade da presente convenção, exprimem o desejo de que as diversas questões referentes á dita convenção, por esta não prevenidas, possam ser submettidas por uma ou mais das Partes contratantes á apreciação de uma commissão em que cada Estado signatario se ache representado por seu delegado ou por seu delegado e delegados adjuntos.
Essa commissão teria attribuições meramente consultivas. Em caso nenhum poderia proceder a inquerito ou interferir de algum modo nos actos, quer administrativos quer de outra ordem, dos Estados.
Sobre as questões que lhe fossem submettidas faria o seu relatorio, para ser communicado aos Estados contratantes.
Essa commissão poderia ainda ser incumbida de:
1.° Dar parecer sobre as condições de equivalencia mediante as quaes podem ser acceitas as adhesões dos Estados extra-europeus, bem como as das possessões, colonias ou protectorados, quando o clima ou a condição dos indigenas exigir modificações parciaes da convenção;
2.° Sem prejuizo da iniciativa de cada Estado contratante, servir de intermediario para a troca de ideias preliminares, no caso das Partes contratantes estarem de acordo sobre a conveniencia de reunir novas conferencias a respeito das condições dos trabalhadores.
A commissão reunir-se-ha a pedido de um dos Estados contratantes, porem não mais de uma vez por anno, salvo acordo entre os mesmos Estados para uma reunião supplementar em razão das circunstancias excepcionaes.
Reunir-se-hia em cada uma das capitaes da Estados contratantes europeus, successivamente e por ordem alfabetica.
Ficaria entendido que os Estados contratantes se reservavam a faculdade de submetter á arbitragem, em conformidade do artigo 16.° da convenção da Haya, as questões que suscitasse a convenção da presente data, ainda quando houvessem feito objecto de parecer da commissão.
Os sobreditos delegados pedem ao Governo Suisso que, no periodo que decorrer até o encerramento da acta de deposito das ratificações da convenção, prosiga as negociações, a fim de que a este desideratum adhiram os Estados cujos delegados o não assinam, incumbencia que é acceita pelo Governo Suisso.
Por diligencia do Governo Suisso, será este desideratum convertido em convenção desde que a elle adherirem todos os Estados signatarios da convenção da presente data (26 de setembro de 1906)».
Parecendo-me que a instituição da projectada commissão não repugna aos principios que regem as relações internacionaes e poderá concorrer para a