SESSÃO N.° 53 DE 5 DE SETEMBRO DE 1908 49
que não mando para a mesa uma moção? Não me inscrevi sobre a ordem, não mando moção, porque não desejo ser responsavel por quaesquer circunstancias que possam determinar a não approvação, nesta sessão legislativa, da parte do projecto que considero util e a que dou o meu apoio, o que poderia succeder se, pela apresentação de emendas, o projecto tivesse que voltar á Camara dos Deputados, em cuja reunião ninguem acredita. A situação em que se encontra a Camara dos Pares neste momento é, na verdade, singular.
Mas as cousas são o que são, e como taes temos que as receber, embora contra ellas protestemos quando nos assiste justiça para o protesto.
O Governo transacto publicou setenta e seis decretos ditatoriaes sobre politica, economia, administração, finanças e colonias. O Governo actual annullou um limitadissimo numero d'esses decretos relativos aos attentados mais frisantes contra as liberdades publicas. Tudo o mais ficou de pé. Pois, apesar de ser unanime a opinião que se devia fazer uma larga revisão da ditadura, o primeiro decreto ditatorial sobre que recae a analyse do Parlamento é este dos vinhos. A ditadura em execução representa não só pouca firmeza nos compromissos tomados, mas una aggravamento das despesas do Estado em mais de 1:000 contos de réis.
Como nasceu o projecto em discussão? A região do Douro, que produz o vinho do Porto, sem rival no mundo, atravessava uma crise difficil, não encontrando mercados para os seus productos, visto que outros vinhos a ella estranhos lhe tomavam o logar, á sombra do seu nome e do seu credito.
O precioso vinho da região duriense não podendo nestas circunstancias encontrar saida, tinha que se aviltar baixos preços, em consumo nas tabernas, sem o tratamento que o enobrece como producto de excepção.
Isto levou o Governo transacto apresentar uma proposta de lei, que teve uma larga discussão na Camara dos Deputados e mesmo na Camara dos Pares, apesar de se haver produzido tumultuariamente o encerramento das Côrtes em abril do anno passado lançando-se o Governo, pouco depois na ditadura, pela qual fez promulgar o decreto de 10 de maio, agora revisto
Esse decreto conservou os mesmos erros do projecto para a região do Douro, os mesmos gravames para; economia geral, do país e os mesmo prejuizos para o Thesouro.
Pelo que diz respeito ao Douro, longe de beneficiar a sua situação, aggravou consideravelmente a crise.
Qual era, com effeito, a essencia do projecto?
O preceito de que pela barra do Porto só poderia sair o vinho produzido na região duriense, previamente fixada para garantia da genuinidade do producto.
Porque não produziu effeito esta disposição?
Porque os vinhos do sul tomaram os logares dos vinhos legitimos do Douro, desacreditando estes pela sua inferior qualidade.
No relatorio da commissão da Camara dos Senhores Deputados encontra-se o seguinte, do que discordo em absoluto:
Comtudo, passada a colheita de 1907, os viticultores do Douro, vendo que o vinho que possuiam armazenado continuava sem saida, e tendo sido pequenas e por baixo 3reco as compras do vinho da novidade, começaram a reclamar novas medidas, descrentes já d$ efficacia da que, com tanta pertinacia, tinham pedido e que lhe fôra concedida pelo decreto a que nos estamos referindo.
A restricção da barra do Douro, que tão grande opposição linha levantado da parte da viticultura do centro e do sul do país, passou a ser julgada uma medida sem alcance decisivo, e a viticultura do Douro procurou, em novas providencias, o remedio para os males de que soffria.
Isto é inexacto. O Douro nunca manifestou qualquer descrença na efficacia do exclusivo da barra do Porto. Nem um só dos seus delegados ou representantes, dirigindo-se ao Governo ou dirigindo-se ao Parlamento, se manifestou contra a restricção da barra. O que todos pediram foi que se corrigisse o que de nocivo para a efficacia da restricção se havia introduzido no projecto que se converteu no decreto de 10 de maio. Esses principios inaleficos, eu os combati largamente nesta Camara, em tres sessões. E não será sem o meu protesto que ha de medrar a affirmação de que o Douro já descrê das vantagens do exclusivo da barri do Porto. O Douro quer esse exclusivo, e não se sujeitaria a que lh'o ar rançassem, depois de o haver legitimamente adquirido.
Devo lembrar o que se passou com o projecto do arrolamento, que só foi lei do país um mês depois de ter sido apresentado á Camara dos Senhores Deputados.
Tratava-se de uma lei de cadeado Pois durante esse mês navios fretados expressamente, e os caminhos de ferro com todo o seu material disponivel occupado em tal serviço, despejaram em Gaia enormes porções de vinho de- to dos os pontos do país, que ali foi adquirir... o direito de ser exportado como vinho generoso do Douro!
O arrolamento accusou a existencia de mais de 30:000 pipas de vinho de fora do Douro.
Iamos dizer ao mundo que vinho do Porto só é o que se exporta pela barra do Porto, proveniente da região duriense, onde o solo, o clima e outros factores caracterizam a especialização do producto.
Pois ao mesmo tempo permittiamos que entrassem em Gaia, para depois serem exportados como vinhos do Porto, o vinho de Torres, o do Poceirão e outros!
Ora, isto não é coherente, nem logico, nem serio!
Reportando-me ao meu discurso do anno passado, recordo um documento, que o Ministerio das Obras Publicas então me forneceu e no qual se indicam as quantidades de vinho de Setubal, Lisboa, Almeirim, Bouças, Santarem, Alcacer do Sal, Torres Vedras, Thomar, Rio Maior, Lagoa, Bombarral, Faro, Leiria, Cartaxo, Alcobaça, Ovar, Almada, Azambuja, etc., que entraram em Gaia para se substituirem como vinhos do Porto aos vinhos legitimos da região duriense.
O quadro não pode ser mais significativo. Onde quer que se pudesse fazer subir a força alcoolica pelo emprego intensivo da aguardente, fabricava-se vinho generoso para competir com o vinho do Douro!
O arrolamento deu cerca de 200:000 pipas de vinho. Sendo a media da exportação de 50:000 pipas, temos que o Douro ha de esperar ainda tres ou quatro annos para que os armazens de Gaia se esvaziem do vinho alheio que ali entrou deslealmente, á sombra protectora do decreto de 10 de maio.
Não ignora a Camara que o vinho generoso do Douro é preparado, de preferencia, pelos commerciantes, que compram os mostos na vindima, para depois fazerem o tratamento devido.
Pois, em virtude da invasão dos armazens de Gaia pelos vinhos do sul, esses commerciantes não tiveram necessidade de adquirir mostos no Douro. Os lavradores, tambem, não prepararam os vinhos por sua conta por não terem garantia alguma de venda.
E assim é que nos pontos onde se produz o mais fino vinho do Douro, em Casal de Loivos, no centro da região afamada do Pinhão, etc., se tem vendido, por favor, a 10$000 e 12$000 réis a pipa, vinhos que, ha poucos annos ainda, eram vendidos a 100$000 réis!
Pode argumentar-se com o facto de não ter sido boa a colheita de 1907, o que influe na procura e nos preços. Não o foi, é certo. Para o credito dos vinhos do Porto é decisivo o factor das novidades. São celebres, por exemplo, as novidades de 1834, 1856, 1868 e 1870. Esta ultima, verdadeiramente preciosa, vale mais que a de 1834. Pois é opinião geral das pessoas en-