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26 Diário da Câmara dos Deputados

ditadura financeira, cousa que nunca se fez em país nenhum, publicou decretos dando pensões, decretou feriados nacionais com o Parlamento aberto, sem pudor e sem respeito por nós todos.

Certamente que V. Exas. todos, quer nos gabinetes dos Secretários de Estado, quer nos recontros da sala dos Passos Perdidos, têm muitas vezes dito o mesmo que eu agora estou dizendo alto e bom som.

E a única diferença que há entre o meu procedimento e o dos meus colegas é que eu tenho a coragem de vir aqui dizer, cara a cara, que isto não é legitimo, que o Executivo não tem o direito de abusar de autorizações que em certo momento e para uma certa hipótese lhe foram conferidas para se armar em Legislativo.

Sr. Presidente: isto não é maneira de viver! (Apoiados) Nós vivemos num gachis constitucional! (Apoiados). Um dia, na Rotunda, proclamou-se o direito revolucionário o dele usaram o abusaram tanto quanto quiseram. Ninguém lhes pediu contas de todas as cousas fantásticas que fizeram nesse período. Uma enorme fôrça tinha dado foros de direito a toda essa confusa legislação - a fôrça dos canhões.

Mas um dia, espontaneamente, o Sr. Presidente da República foi ali, àquele lugar onde se senta o Sr. Presidente da Câmara, a anunciar que tínhamos entrado num período constitucional. Garantiu a S. Exa. então que estava de pé a Constituição de 1911 com as alterações que lhe tinham sido introduzidas pelos decretos ditatoriais.

Julgava eu que a partir dessa data havia neste país uma lei para nos governar e um poder para a alterar quando fôsse necessário. Mas enganei-me. Os homens do Gabinete julgaram-se omniscientes e dispensaram o concurso dos legisladores.

E que toda a gente está a ver que os decretos saem das suas mãos mais perfeitos do que se tivessem de ser maduramente ponderados no seio das comissões parlamentares e submetidos depois à apreciação de toda a Câmara.

O Poder Legislativo abastarda-se! ( Apoiados). Ninguêm tem o direito de ceder a outrem direitos que lhe foram conferidos por terceiros! (Apoiados). Estamos atraiçoando o nosso mandato, porque o povo mandou-nos aqui com o mandato imperativo de fazer cumprir as leis e fazer as leis! (Apoiados).

Eu compreendia a ditadura do génio: compreendo que uma criatura que tenha dentro do cérebro uma luz maior que os outros, um plano, uma idea genial, a quisesse impor pela viva fôrça a um país. Mas o que não compreendo é que criaturas que não têm planos, que não têm ideas, cujo cérebro anda elaborando projectículos por mercê do acaso e recebendo o impulso que lhe querem dar, façam uma ditadura com o Parlamento aborto. Se compreendo a ditadura do génio, repilo com energia a ditadura dos asnos.

Sr. Presidente: logo nos primeiros dias do funcionamento do Congresso, preguntei nesta casa porque se não cumpria o artigo 53.° da Constituição. Era o primeiro golpe dado no nosso código político. Protestei. Não me responderam, não me quiseram explicar a que propósito o Ministério não tinha um Presidente responsável pela sua política geral. Queriam o Govêrno do anonimato e lá têm no Poder um Govêrno de criaturas cujas responsabilidades fluídas nos escapam por entre os dedos das mãos.

O primeiro atentado que consentimos foi, pois, êsse. Daí em diante tudo consentimos. Porquê? Se não sentimos a capacidade de legislar, vamo-nos embora, não dêmos ao país êste espectáculo que não é nada decoroso.

Vem agora aqui pedir-se a continuação do estado de sítio, sem préviamente se ter apresentado o bill de indemnidade pelo facto de se ter mantido inconstitucionalmente até agora o estado de sítio decretado durante o encerramento da Câmara.

Nos termos da Constituição, trinta dias depois de decretado o estado de sítio, tinha o Govêrno de dar conta ao Parlamento dos motivos que o houvessem levado à prática dum tal acto.

Não o fez, porem, que o Parlamento é rodilha em que os Govêrnos esfregam as botas; e o Sr. Secretário de Estado da Guerra apenas nos veio declarar, com uma audácia ingénua, que o Poder Executivo entendia dever continuar com o estado de sítio, consentindo às Câmaras que reunissem e mantendo-nos as prerrogativas parlamentares.

E extraordinário que tudo isto se consinta.