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16 Diário da Câmara dos Deputados

sabe, eu sou bacharel em leis, como quási toda a gente; ora se só me deparar o caso do um homem que assaltou outro com ou sem o intuito de o roubar, com ou sem o intuito do exercer sôbre êle uma vingança, e o mata, ou considero êsse homem como um assassino vulgar; se, porém, duas pessoas amigas, e êste é um caso que não é só de romance mas da vida real, se duas pessoas, repito, doentes, neurasténicas, resolvem deixar, elas próprias, a vida e combinam matar-se uma à outra, eu não considero assassino vulgar nenhum dos dois. Do mesmo modo, se eu tivesse de sofrer uma ditadura, consideraria uma ditadura vulgar, em toda a amplitude da palavra e com todas as conseqüências possíveis do seu exercício, toda aquela que, estando a Câmara aberta, aqui mandasse uma fôrça militar pôr-nos lá fora, fechar o Parlamento e em seguida legislar. Esta seria para mim uma ditadura vulgar: pelo contrário, aquele que viesse ao Parlamento dizer: ou preciso urgentemente para o bem de todos nós, para o vosso o para o nosso, de determinadas medidas, mas essas medidas não podem sair da actividade parlamentar com aquela brevidade que as circunstâncias impõem, e por isso peço que me autorizeis a adoptar essas medidas, e se eu me convencesse que efectivamente as conseqüências justificavam o pedido, eu, Sr. Presidente, declaro que não podia considerar a pessoa a quem dei essa autorização como um ditador vulgar. Parece-me que a diferença de situação é absoluta, é completa.

Não é ditadura o exercício normal e corrente da vida parlamentar.

Eu sei que por vezes se tem dito que as maiorias exercem ditaduras insuportáveis, sei que por vezes as minorias se queixam de pressões exercidas pela maioria, mas isso não é propriamente ditadura.

Nós temos o dever de falar em termos correctíssimos, com a significação que toda a gente dá às palavras, é certo, mas temos obrigação também de quando nos referimos à essência da vida pública, à própria estrutura da vida política de dar às palavras o valor que elas têm precisamente, e não lhes dar um significado extensivo que represente uma deminuição no seu sentido.

O Sr. Cunha Leal fez na primeira parte

do seu discurso de ontem urna exposição nítida e claríssima, perfeitamente ordenada, das circunstâncias que por todo o mundo justificam um pouco a invocação de plenos poderes, por parto daqueles que actuam como Poder Executivo, aos Parlamentos.

O Sr. Cunha Leal, ou disse-o com toda nitidez, disse-o com serenidade, fez uma exposição brilhantíssima na primeira parte do seu discurso, emquanto não procurou tirar efeitos políticos das suas atitudes. Disse tudo quanto havia a dizer.

Em toda a parte, durante a guerra e já depois da guerra, os factos, as circunstâncias, a vida se complicou de tal modo, surgiram nela tais dificuldades, movimentos tam rápidos, tam bruscos, que a vida parlamentar como se exerce actualmente, operando com uma lentidão indispensável à vida parlamentar, nem sempre pode acompanhar essa rapidez de movimentos. Isto, Sr. Presidente, é precisamente a justificação do pedido do autorização formulado pelo Sr. Presidente do Ministério.

Mas êste fenómeno não se dá só em Portugal, dá-se um pouco por toda a parte, sobretudo nos países que por efeito de relativa imprevidência, que por efeito de menos energia, de menos poder de auto-limitação na sua administração interna, nos negócios da sua vida económica, se encontram hoje numa situação difícil.

É um facto, portanto, que não nos pode conduzir senão a reconhecer que devido a essa atitude de imprevidência, que devido a essa falta de energia na nossa vida interna, comprimindo-nos dentro dos nossos recursos existentes conseguimos assim chegar no deplorável estado em que nos encontramos actualmente sob o ponto do vista financeiro.

Êste conceito que assim foi tam nitidamente expresso, e que é absolutamente verdadeiro, por si só basta para justificar a atitude do Poder Executivo e bastará, segundo o meu modo de ver, para justificar a atitude desta Câmara dando a sua aprovação, embora com as limitações indispensáveis, ao pedido de autorização feito pelo Sr. Presidente do Ministério.

Disso ainda mais o Sr. Cunha Leal, e muito bem, que estas autorizações não são, de agora, vêm de muito longe.

É absolutamente verdadeira esta afirmação de S. Exa.