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Sessão de 20 de Fevereiro de 1924 9

Compreendo que os meus colegas nesta casa do Parlamento tenham sôbre o caso as mais diversas opiniões, mas eu não vim acusar ninguém por esta circunstância: eu vim constatar um facto tal qual o vejo com os meus olhos. Ainda não acusei ninguém nesta Câmara de ter determinado o facto; constatei apenas a coincidência.

Logo que houve a promessa de discussão sôbre o resultado da política dos Altos Comissários nas suas respectivas províncias, eu vim aqui fazer uma interpelação, estabelecendo-se uma verdadeira remoção de lama que vinha do mais íntimo da sociedade portuguesa.

Não acuso ninguém; verifico, apenas, a simultaneidade de dois fenómenos!

Dito isto, quero significar a V. Exa. que, pela simples circunstância de se reunirem nesta sala homens de todas as proveniências sociais, e de todos os credos políticos, não me surpreende que esta interpelação seja recebida apaixonadamente.

Há dias que se vinha anunciando o facto, e eu cheguei a ter o receio de que alguém supusesse que eu, homem que respeito todas as religiões, embora, e infelizmente com mágoa o confesso, não tenha fé suficiente para professar nenhuma, quisesse beliscar um Deus ou macular uma divindade.

Parece que nesta terra de democracia, em que tanto se fala contra a ditadura e em que tanto se invoca a liberdade, é proibido discutir não malèvolamente a pessoa de quem quer que seja, mas que é proibido examinar os seus actos, examiná-los serenamente, sem recorrer a calúnias que vexam ou infamam, através duma interpelação feita exclusivamente cora a análise dêsses factos, e em que o interpelante será mais do que tudo um leitor de documentos, sem outra paixão que não seja a da defesa dos interêsses nacionais.

Mas parece que alguém entende ser um crime analisar os factos que se passam na nossa administração colonial e daí o julgarem necessário lançar sôbre nós toda a lama infecta na persuasão que com ela nos sufocam.

Miseráveis os homens da minha terra, que avaliam os outros de forma tal que supõem que o cuspir-lhes em cima toda a lama das vielas é o bastante para os obrigar a calarem-se.

Não calculam que êsses homens, quando se sentem vexados, deprimidos, ofendidos, se tornam mais rígidos do que se fossem feitos do mais duro aço.

Vim para esta tribuna não por bravata ou desafio a quem quer que seja, mas para dar razão aos meus detractores e para isso seja-me lícito relembrar uma sessão que em 1918 aqui se realizou.

Era eu Deputado nesta casa do Parlamento, porque ou era Deputado dezembrista. Discutia-se a nossa participação na guerra e malsinou-se a obra do Sr. Norton de Matos! Defendi-o e não o fiz por interêsse, porque o Sr. Norton de Matos era um vencido, estava na terra do exílio, não podia estar presente.

Lamento, nesta hora, de ter de me ocupar de S. Exa., mas prometo ser muito menos lisonjeiro do que fui então. Quero que S. Exa. reconheça em mim, pelo menos, esta qualidade: quando ataco é de cara a cara e quando defendo é na ausência daqueles que são objecto da minha defesa!

Sr. Presidente: o preâmbulo já vai longo, não quero maçar a atenção da Câmara, e vou começar.

A instituição dos Altos Comissariados de Angola e Moçambique na significação de autonomia administrativa e financeira correspondem, não há dúvida, a uma aspiração das respectivas províncias, mas a circunstância de o Poder Executivo ter abdicado nos Altos Comissários uma parte das suas prerrogativas não significa de modo algum que a Metrópole se desinteresse da maneira como é exercida essa autonomia e do modo como é executada essa política administrativa e financeira.

Está previsto na Base 2.ª da Organização Administrativa e Financeira das Colónias a maneira por que a Metrópole exerce essa fiscalização.

Não é extemporânea a minha interpelação, porque ela é necessária, pois ha três longos anos que os Altos Comissários estão nas suas províncias exercendo a sua acção, devendo já ter marcado a sua directriz. Essa acção devia depender das suas qualidades de inteligência e dê as colónias estarem preparadas para o exercício dessa autonomia.

Vou ocupar-me de Angola, embora não esqueça Moçambique, e principiarei pelo estudo da personalidade tam complexa do