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64 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. João Camoesas.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: quando V. Exa. no termo da última parte da sessão da tarde, teve a bondade de me conceder a palavra, ia eu dizer que o Sr. Ferreira da Rocha tinha produzido considerações que podiam agrupar-se em duas categorias diversas: considerações de carácter propriamente político e considerações de carácter simplesmente técnico.

Nas considerações de carácter político, mais uma vez o Sr. Ferreira da Rocha fez nesta Câmara afirmações à volta de um tema que lhe é muito favorito, e que S. Exa. vem produzindo com tal insistência, que chega a ter o aspecto de uma autêntica teoria.

É o Sr. Ferreira da Rocha uma pessoa de fino espírito e ágil dialéctica, que todos estamos habituados a respeitar nesta Câmara.

Chega quási a parecer impossível que S. Exa. encare o problema político português através de um critério tam estreito, que não há malefício, inconveniente nem prejuízo, que S. Exa. não atribua ao Partido Republicano Português.

Sr. Presidente: os partidos como as pessoas, não são isentos de defeitos, não podem em qualquer instante da sua vida, jactar-se de jamais ter errado; não são criações artificiosas separadas do meio em que vivem e se desenvolvem; são antes composições dêsse meio, reflectindo por conseqüência, todas as qualidades e defeitos do próprio ambiente em que se desenvolvem.

Pretender afirmar, Sr. Presidente, que o Partido Republicano Português resume em si todos os defeitos, que é o resumo de todos os vícios e malefícios, é, pois, uma atitude de espírito viciosa que podia perfeitamente passar despercebida ao primeiro espírito inferior e rudimentar, aos espíritos que são na política sempre movidos pela paixão, mas. que, não podia deixar de lembrar ao Sr. Ferreira da Rocha, que tem uma merecida categoria pessoal e que por conseqüência, tem obrigação de ser menos estreito nas suas apreciações.

De há muito que, por uma consideração de fenómenos de ordem política e social da nossa terra, me habituei à idea de que efectivamente existe uma crise em Portugal, reflectindo-se e traduzindo-se em todas as manifestações de actividade.

Encontra-se na actividade industrial incapaz de assimilar os processos de organização em voga por toda a parte do mundo, e, portanto, -incapaz de organizar os esfôrços humanos em ordem ao maior rendimento; encontra-se em todas as outras modalidades da actividade económica incapaz de erguer as normas da acção scientífica, que por igual se pratica em quási todo o mundo culto; e encontra-se na actividade política.

Tenho para mim que essa crise é essencialmente uma crise de direcção. É o País que não põe os homens preparados para lutar e praticar os processos de acção que já hoje, repito, são correntes em todos os países cultos.

Crise de direcção, que deriva de um cômputo de fenómenos que vem a trabalhar de muito longe, conjunto do fenómenos, que, sobretudo no último meio século, criou correntes tam profundas de mal estar, tam intensas, na sociedade portuguesa, que houve mister fazer-se uma transformação de regime para procurar abrir, pela violência, o início de uma solução eficaz dessa tremendíssima crise.

Só as pessoas que vivem isoladas num romantismo, que as impede da consideração da realidade, imaginaram que a transformação republicana produziria milagrosamente essa criação de valores indispensáveis pára a actualização de todas as energias do povo, de todas as suas qualidades, e para uma disposição mais eficaz dos seus esfôrços e das suas energias.

De certa maneira, as pessoas que viram efectivamente o movimento republicano em Portugal, contaram desde logo com um período inicial perturbado e convulso que não seria bem ainda a realização das aspirações que havia alimentado e criado êsse movimento, mas que seria como que um estado inicial de preparação e, permita-se a expressão, um estado de pré-República, e que por deficiência de direcção e de cultura, e infelizmente para nós teria de ser o empirismo, a experiência, o caminho difícil e escabroso por vê-