798 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 84
2.º Que o cadastro deve ser a grande planta do Pais, a descrição da soa propriedade predial, o inventário do valor dos seus produtos e o tombo dos títulos dos seus proprietários;
..............................................
4.º ... Que, à medida que se organizar o cadastro, se terminem todas as questões que possam ter por objecto ou os limites dos prédios, ou o direito à sua posse;
5.º Que, terminado o cadastro e publicado como lei definitiva, se declare que é ele o único titulo da propriedade predial, adoptando-se, por consequência, as necessárias providências para ele consignar fielmente as mutações de proprietários, seja por que titulo for.
Criada, por Decreto de 30 de Agosto, sob a presidência do mesmo Ávila, a Comissão Geral do Cadastro, logo esta formulou como questão prévia fundamental a de saber se «pode organizar-se entre nós o cadastro de maneira que seja o verdadeiro tombo da propriedade e possa servir de titulo para provar o domínio e posse, bem como fornecer uma base segura para o regime hipotecário».
Dois pareceres notáveis apareceram, entre outros, a responder à pergunta assim formulada: um do professor da Faculdade de Direito Vicente Ferrer Neto Paiva (O Cadastro, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1849); o outro do conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Francisco António Fernandes da Silva Ferrão (O Cadastro e a Propriedade Predial, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849). Ambos chegam, por caminho diverso, à mesma conclusão : o cadastro não pode servir de titulo da propriedade, mas pode concorrer, indirectamente, para a prova dela, pela combinação dos factos da posse e da prescrição.
12. Teoricamente, nada há que se oponha a um sistema de unidade do cadastro e do registo predial. Ao contrário, esse parece ser o sistema que a própria natureza das coisas recomendaria.
A propriedade é, antes de mais nada, uma relação jurídica, e só por abstracção são separáveis os elementos que a constituem: o sujeito, o objecto e os poderes jurídicos que formam o seu conteúdo.
O ideal seria, pois, que o mesmo instrumento registasse a propriedade em todos os seus elementos, não só com a descrição dos imóveis, mas também com a inscrição dos direitos sobre eles exercidos e dos titulares dos mesmos direitos.
Razões de ordem prática tornam hoje difícil, se não impossível, a realização deste desiderato.
Embora unidos na antiguidade, o cadastro, e o registo predial surgem como instituições separadas nos tempos modernos. O registo nasceu para as hipotecas e só mais tarde se foi estendendo aos restantes direitos, reais. O cadastro apareceu, sobretudo, para servir propósitos fiscais. Deste vicio original da separação das finalidades resulta agora a dificuldade da reconciliação.
Essa distinção dos objectos imediatos impôs a cada uma das instituições as suas características próprias e uma vida independente. E a agravar a separação está a diversidade das técnicas que numa e noutra têm de ser usadas.
O cadastro é uma instituição puramente administrativa; o registo, tendo de proceder à qualificação dos títulos e conhecer da sua legalidade, exerce, de algum modo, uma função judicial. O cadastro observa e regista os factos; o registo ocupa-se de direitos, sem poder, naturalmente, ignorar os factos em que os direitos se apoiam.
O cadastro regista os factos que os peritos podem verificar por inspecção directa e sobre que não haja contestação: a localização topográfica, a medição, a configuração, os limites, a cultura e o próprio facto da posse para a inscrição dos prédios em nome dos possuidores. «Os direitos, como qualidades morais e seres do espirito -diz Vicente Ferrer-, escapam às operações do cadastro e somente podem aparecer como resultados dos factos, de que ele toma conta. Demais, acerca dos direitos controversos, só pode tomar conhecimento o Poder Judicial».
Várias disposições da nossa legislação acentuam a característica de mero registo de factos do cadastro. A segunda das bases anexas ao Decreto n.º 11 859 estipula que, em caso de contestações não resolvidas na delimitação e demarcação dos prédios rústicos, o levantamento cadastral «registará o estado de facto, com reserva de todo o direito». E a base IV acrescenta: «os prédios rústicos serão inscritos no nome dos respectivos proprietários que resultarem do acto do levantamento. No caso de contestação, serão inscritos no nome do possuidor de facto, com a respectiva observação e com reserva de todo o direitos».
Idêntica disposição se contém no artigo 39.º do Decreto n.º 12 451. E, embora a mesma legislação organize um sistema completo de contencioso para julgar as reclamações e recursos relativos à inscrição dos direitos e ónus reais, de que o cadastro toma nota, dando, inclusivamente, ao Conselho de Cadastro autoridade para julgar em última instância (sic) nessa matéria, não deixa todavia de declarar que «aos interessados ficará sempre solvo o direito de recorrer aos tribunais comuns para fazer valer os seus direitos de propriedade» (Decreto n.º 17 737, artigo 35.º).
Há-de, no entanto, reconhecer-se a anomalia dessa jurisdição administrativa, que se propõe conhecer de títulos de propriedade e questões de enfiteuse, usufruto, fideicomisso, censo e arrendamento a longo prazo, mas ... sem prejuízo da competência dos tribunais.
13. Mas se, no estado actual das coisas, parece de por definitivamente de parte a ideia da unidade do cadastro e do registo predial, pela integração das funções de ambos numa só instituição (o que, como já se disse, teoricamente não repugna e tem sido praticamente realizado nalguns países), o que está fora de toda a dúvida é que, embora separados, os dois serviços têm necessariamente de manter entre si as mais estreitas relações, visto que são o imprescindível complemento um do outro.
Já na sua tese apresentada ao Congresso Jurídico em 1889 o jurisconsulto Pereira Alves, que foi conservador insigne- do registo predial, manifestava a este respeito a sua opinião nos seguintes termos:
Todavia, se as duas instituições se não podem confundir, são susceptíveis de se auxiliarem mutuamente. O registo, mostrando quem é o proprietário inscrito, indica a pessoa a quem o imposto, que o cadastro tende a fixar, deve ser exigido. O cadastro, contendo a descrição de cada prédio, sem possibilidade de que o mesmo prédio apareça duplicado na planta cadastral, oferece meio seguro da identificação dos imóveis. Para tanto basta que a descrição predial na conservatória contenha a referência ao número que o prédio tem no cadastro.
Tal auxilio tem sido aproveitado na Holanda, nalguns cantões da Suíça e nalgumas províncias da Alemanha. Na segunda das quatro leis de 5 de Maio de 1872 promulgadas nu Prússia regulam-se as relações entre o registo e o cadastro.
Assim, é comum à área de cada circunscrição cadastral a da conservatória (artigo 1.º); as indicações do livro de registo, quanto à descrição, são fornecidas pela repartição do cadastro (artigo 4.º);