904 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91
abranger o seu conjunto, tendo, portanto, de considerar-se facto secundário na totalidade da corporação. Esta, como corporação da indústria, encontra-se organizada numa linha gemi de horizontalidade; e tão-sòmente algumas das suas parcelas isoladamente consideradas é que desenvolvem entre si relações de tipo instrumental.
Esta razão é já de si operosa; mas existe outra com certeza mais decisiva. É que mesmo essas relações de instrumentalidade parcial, agora em causa, não englobam mais do que uma fase do ciclo de produção - o elo: produção da matéria-prima e indústria transformadora. Deixam, pois, inteiramente de fora essa outra cadeia fundamental, que é representada pela segunda fase do ciclo: a ligação indústria-comércio.
Trata-se, portanto e uma vez mais, de um ciclo de produção reduzido, digamos, apenas metade do ciclo, facto que, òbviamente, retira a estas relações em análise o seu verdadeiro carácter de relações de instrumentalidade, na acepção ampla em que a expressão é tomada, ou seja abarcando todo o ciclo produtivo desde a produção da matéria-prima até ao consumo.
E assim se julgou que na análise feita para aplicação dos princípios integradores à corporação da indústria não fosse lícito entrar em função com esta particularidade instrumental de características tão precárias.
80. E resta-nos - para termo desta já longa digressão crítica à volta do critério da função económica - pôr em foco a hipótese duma Corporação da Lavoura.
Esta corporação não satisfaz também ao princípio da simultaneidade que formulámos. Na verdade, não é possível num corpo que reúna toda a lavoura, mas ela apenas, respeitar a interdependência vertical, e por isso, pràticamente, são de complementaridade as únicas relações de interdependência a que a corporação da agricultura se submete.
Não se subordinando esta corporação ao princípio da simultaneidade, o problema que se levanta, em face do mecanismo de raciocínio até agora seguido, é o de saber se há possibilidade de organizar as actividades agrícolas com sujeição àquele princípio. E, se a houver, será essa a forma que deve adoptar-se, rejeitando-se, consequentemente, a concepção duma corporação da agricultura.
Ora a realidade do nosso sector agrícola - realidade económica, acentue-se - evidencia, sem qualquer esforço de penetração, a existência de certos complexos económicos bem individualizados, tais como: trigo, arroz, vinho do Porto, vinhos comuns, cortiça, madeiras, resinosos, pecuária, azeite, frutas e produtos hortícolas.
Talvez, em melhor critério, não sejam estes os verdadeiros complexos económicos, mas alguns agrupamentos deles derivados, nomeadamente e pela ordem da sua enumeração anterior: cereais, vinhos, produtos florestais, pecuária e produtos agrícolas não diferenciados.
Dentro destes vários complexos económicos desenvolvem-se relações estreitas entre a produção agrícola, a indústria e o comércio, laços de tal maneira comprovados que, salvo excepções despiciendas, foram criados, para a todos articular, os organismos de coordenação económica correspondentes, os quais - como já tivemos ocasião de salientar - se sentiram naturalmente arrastados a ultrapassar as suas funções coordenadoras originais, passando a breve trecho a dominar em todo o respectivo ciclo de produção.
Ora, se assim é, está verificada a condição - implícita naquele princípio - da viabilidade de instituir corporações para os complexos económicos da actividade agrícola, respeitando conjuntamente as relações de interdependência, horizontais e verticais. Imediata e consequentemente, resulta de tal facto a inadmissibilidade dum tipo de corporação, como o da agricultura, em que só funcionam, pràticamente, as relações de horizontalidade.
É certo que pode vir objectar-se, ainda outra vez, que, no conjunto desta corporação total da agricultura, também podem verificar-se algumas relações de instrumentalidade. Mas elas são tão escassas que, tendo sido afastadas como inoperantes no caso mais frisante da corporação da indústria, não deveriam agora merecer uma simples referência.
A observação, com algum valimento, que poderá trazer-se a terreiro, nesta hipótese da agricultura, é a seguinte: sendo a produção agrícola, como norma, indiferenciada, e tendo-se verificado, para o caso do comércio misto, a necessidade de criar uma corporação do comércio, também agora, e por maioria de razão, se deveria instituir uma corporação para a agricultura, visto que o sector agrícola não se apresento diferenciado.
E continuar-se-ia, em lógica crescente: se no caso da função-comércio, apesar de haver as duas zonas diferenciadas e não diferenciada-, se reconheceu a exigência duma corporação para esta última, agora, e por dupla razão, se justifica o mesmo procedimento para a agricultura, onde preside a regra geral da indiferenciação.
Ao raciocinar assim não se atentou numa particularidade essencial que separa nitidamente as duas hipóteses em confronto. É que a indiferenciação, no caso do comércio, está no extremo ou vértice do ciclo de produção; e, como tal, já não há mais nenhum escalão superior, onde possa operar-se a concentração ou centralização dos múltiplos e variados produtos que o lojista tem à venda. Seria querer o absurdo tentar essa especialização, porque se está, repetimos, na fase última do ciclo produtivo: o comércio tem o consumo como seu interlocutor directo.
Na agricultura, como já se está calculando, a hipótese é exactamente inversa. É ali, no produtor agrícola, que o ciclo se inicia; e sobe-se, em especialização e concentração, à medida que se avança. Ali está o «composto» donde se hão-de destacar os «simples»; ali vai o industrial têxtil buscar a lã, separando-a do composto agro-pecuário, assim como o exportador de vinho do Porto, o industrial de moagem ou de conservas de frutas, o comerciante de cumes ou o armazenista de mercearia.
É todo um processo de especialização à medida que se caminha no ciclo produtivo - hipótese polarmente oposta à do comércio misto, cuja função, é misturar, pela segunda vez, o que a indústria havia já diferenciado e especializado. Dirige-se ao produtor (ou armazenista) de vinho para adquirir os qualidades de que necessita para fornecer o seu estabelecimento de pastelaria, mas vai também à indústria de moagem comprar a farinha que labora, e ao industrial de bolachas, de chocolates, de conservas de frutas, etc.
Não estamos, pois, autorizados a estabelecer qualquer paralelo entre os dois casos - comércio indiferenciado , e agricultura. Como tal, as peculiaridades do sector agrícola, se as tem, hão-de ser examinadas sem termos de comparação, pensando-as isoladamente, ao menos neste pormenor que vimos analisando.
E prossigamos, então, no intuito de anotar mais algumas observações a respeito da indiferenciação, como traço peculiar da produção agrícola.
Aceita-se como válido o reparo que poderá trazer-se à discussão ao asseverar que nos encontramos perante uma dificuldade quando pretendemos instituir várias corporações agrícolas de tipo diferenciado par-