7 DE JUNHO DE 1956 921
definitiva a dizer -os donos das empresas-, este cruciante problema se ponha em toda a sua claridade e agudeza.
Pois a corporação também, neste vértice da problemática social, tem uma função declarada: tanto pela consciência de corpo que irradiará sobre os seus membros, como pela contribuição utilíssima que pode emprestar ao fomento das relações humanas da empresa, no plano concreto, e, outrossim, ao estudo dos problemas da produtividade. Tudo com vista ao objectivo último duma necessária elevação no nível de vida geral.
97. Ao deixarmos estas altas paragens, voltando a um terreno corporativo mais chão, ouviremos os cépticos-a grande maioria, mesmo quando o não confessem - declarar que, no concerto das actividades económicas, esta retirada espectaculosa do Estado perante a corporação é pura ingenuidade, porque, no condicionalismo do mundo contemporâneo, a sua intervenção directa e o seu comando imediato não podem, dispensar-se.
Há-de ser espinhosa e lenta esta obra de -à vista dos factos, e só deles - convencer do seu erro a mentalidade socialista de tantas pessoas, que assim pensam sem aderir ao socialismo como ideologia política. Compreendemo-la perfeitamente, a essa mentalidade, porque também não desconhecemos que essas pessoas têm apenas uma ideia vaga do sistema corporativo, se é que a têm. E, quando afirmam a priori não existir outro processo actual para a condução da vida económica, laboram sobre uma «ideia feita» e já radicada na tradição longa das últimas décadas deste século.
É um vírus socialista que os próprios Estados, e um pouco por toda a parte, se têm encarregado de injectar permanentemente nos povos, com absorver mais e mais todas as peças do mecanismo social: E a .tal ponto que, à mais pequena aflição, ninguém já hesita um momento e é para o «Estado-pai de todos» que sempre se apela.
A História tem de desenvolver-se muitas vezes- por meio de extremos. Assim, toda a humanidade viveu ,mais de um século a ver apenas o deus-indivíduo, deixando matar os trabalhadores pela fome e as empresas Sela ruína de uma concorrência desenfreada; e, apesar e tudo, quase não via o Estado, porque tinha no corpo o vírus do liberalismo extremo. Mas a face das coisas mudou - mudou porque assim tinha de ser - e o homem agora, na mesma cegueira de trevas, só tem um clarão de luz direito ao Estado.
O fenómeno, se o examinarmos de alto, mostra-nos que tem de haver um lapso em tudo isto e que o equilíbrio social nem há-de depender exclusivamente do Indivíduo nem do Estado, mas supõe-se que da combinação institucional entre os dois, por meio do sistema corporativo..
E, quando surjam os cépticos novamente a sorrir de como é possível encarregar-se a corporação da disciplina económica, poderá responder-se-lhes gradualmente e por uma ordem lógica, que intentaremos dar à resposta.
Primeiramente, se a autodirecção económica deve ser operada por intermédio das corporações, tal não implica necessariamente que o Estado deixe de ter, por seu turno, uma iniciativa económica nos problemas-chave da economia nacional. Exemplificando: o caso de um «plano de fomento», em que o Estado presidirá à sua elaboração e condução superior, embora as corporações colaborem activamente na realização do plano, que delas dependerá numa parte apreciável.
De outro lado, também há determinadas questões do domínio económico que, embora se situem em plano menos elevado, não convirá porventura entregá-las à corporação, já pela sua índole, que pode cruzar-se com o interesse normal das actividades integradas, já por outras quaisquer razões específicas. Exemplificando: o problema do acondicionamento industrial», onde, desde logo e como princípio, se pode presumir a existência de um interesse corporativo a colidir com a orientação superior do Estado no sentido de uma livre iniciativa.
Como primeira conclusão dir-se-á, pois, que a autodirecção da economia é uma «regra» e, como tal, tem de admitir as suas excepções.
Mas, quanto a tudo o resto, que é afinal a generalidade dos problemas económicos - quais as garantias oferecidas pela corporação quanto à bondade e ao acerto das suas decisões?
Antes de formular a resposta, será indispensável uma rápida indagação sobre aquelas garantias que o próprio Estado oferece para essa direcção económica que até agora lhe tem sido confiada.
No aspecto técnico não pode assegurá-las melhor do que a corporação-por hipótese um organismo tecnicamente qualificado, com os seus imprescindíveis órgãos de estudo e de necessária especialização, no seu sector de actividades.
No relativo ao conhecimento dos problemas, à perfeita informação sobre as suas particularidades, às possíveis colisões de interesses que eles envolvem, à rapidez nas resoluções - encontra-se o Estado em plano de nítida inferioridade. Nem seria necessário citar o facto, corrente em toda a parte, da Administração a errar porque desconhecia determinado pormenor, ou porque não ouviu, nem podia ouvir, todos os interessados directamente atingidos, ou ainda porque não vive os problemas, nem lhes conhece a sensibilidade, quando todos têm as suas implicações na vida concreta. E então, como tantas vezes acontece: faz-se e desmancha-se, torna-se a fazer e a desmanchar.
Nestes domínios a corporação deve exercer, melhor do que o Governo, a disciplina das actividades económicas. Mas, ao .passar-se daqui .para a consideração do interesse nacional, vem dizer-se logo que não há outra entidade que reúna os requisitos do Estado para a 'sua defesa e plena garantia. Também o afirmamos no tom mais convicto e peremptório; mas- tal não exclui, de modo algum, a hipótese de uma autodirecção da economia.
É evidente que a objecção posta seria irrespondível quando se concebesse uma corporação abandonada a si própria. Mas do presente parecer não resulta, nem de longe, uma ideia falsa como essa. O que resulta, isso sim, é que o Governo não comanda a corporação, mas está dentro dela, constituindo um órgão fundamental da sua estrutura, 'que assiste a todas as decisões, vigia o seu funcionamento em todas as minúcias, informa-se da regularidade gestiva, ausculta o seu ambiente moral. E aconselha, emite a sua opinião, sugere. Nos casos extremos, pode fazer subir à Câmara Corporativa qualquer decisão.
Nesta posição de assistência constante, eficiente e pronta, pode dizer-se que o Estado se encontra fora da corporação, no sentido- de a não dirigir, mas em sítio de onde a abrange integralmente, naquela função que mais acima lhe outorgámos de direito e sem reticências: supremo fiscal e supremo garante do bem comum.
Concebida assim a corporação - dentro daquele sistema de defesas de que o parecer a rodeou, sobretudo os princípios do «equilíbrio funcional», da intervenção da parte interessada» e da fiscalização estadual-, parece não ser muito possível sustentar que a direcção económica é melhor exercida pelo' Governo do que pela . via corporativa. Teoricamente seria até quase absurdo afirmá-lo; tão simplesmente, porque esta última alternativa é muito mais rica e valiosa quando acrescenta - a unia fiel interpretação do bem comum, que o Poder