29 DE NOVEMBRO DE 1956 977
dáver, mas por tempo finito, pois a própria podridão contaminará os detentores das armas.
Diante do fervedouro do lado de lá da «cortina de ferro», que estala por pressão dos clamores e das revoltas, estas palavras não se enfeitam de tom profético, nem representam afirmações gratuitas. Pelo contrário, são a expressivo comezinha da verdade verificável e verificada.
Cada época é dominada pelas ideias que lhe são próprias. As do nosso século caminham desfraldadas e nada as conterá. Outras fórmulas, outras soluções poderão vir mais tarde - só Deus é eterno - em auxílio da humanidade para a consecução daquilo que obstinada e irresistivelmente persegue, e que - quem sabe - jamais alcançará: a paz na felicidade e na abundância.
O conhecimento do que se pensa e escreve em grandes centros que fazem escola, do que se ensina em Universidades, das opiniões de pensadores políticos e de actos de governos, esse conhecimento leva-nos à convicção de que Manoilesco acertou e de que vivemos, efectivamente, no século do corporativismo. Este imperativo da hora actual já está em plena aplicação no nosso país, e o Digno Procurador Pires Cardoso admite, com a sua especialíssima autoridade, que ele poderá partir daqui para a conquista das nações.
De facto, eliminados o individualismo e o socialismo do panorama político-económico-social que se espraia ante os olhos do homem ocidental, que nos resta?
Contrariamente ao que muitos pensam, o corporativismo não é fenómeno exclusivamente português. Não falando em Itália, onde teve a sorte do fascismo, em resultado da derrota militar, já o praticam vários países, mais ou menos atenuadamente, mais ou menos claramente. E a nossa experiência é seguida lá fora com viva atenção.
Talvez tenha limitado a expansão da doutrina um erro palmar, que é preciso esclarecer: a crença generalizada de que corporativismo e fascismo são uma e a mesma coisa ou de que o primeiro está na base do segundo. Nada mais falso. A revolução mussoliniana está a um lado; no outro, sem nada ter de comum com ela, acha-se o corporativismo. O Duce lançou mão dele, aliás- incompletamente, para realizar uma obra económica.
Sistema autónomo e .perfeitamente definido, de fundas raízes históricas em toda a Europa, que o utilizou durante centúrias e dele extraiu, não só uma filosofia, mas as próprias condições de vida, está longe de ser uma força conservadora. Pelo contrário, a sua lei é o movimento, a transformação, o progresso, a justiça social.
Baseando-se nas realidades da vida, da sociedade e do homem - o único dos três sistemas sociais presentes que partiu da observação da natureza humana nas suas relações com o meio, pois o individualismo e o socialismo nasceram de lucubrações teóricas e abstractas, muito antes de se manifestarem como corpos em acção; reconhecendo que a distribuição das riquezas é o problema, crucial do nosso tempo e que é preciso enfrentá-lo para o resolver; aceitando e incentivando a iniciativa privada (no que se aproxima do individualismo), mas atribuindo ao Estado certos poderes de realização e disciplina, para assegurar o equilíbrio orgânico das actividades e dos interesses e conseguir o menor preço e o maior salário (no que se avizinha do socialismo) - o corporativismo contém o fermento de renovação que o preserva da imobilidade e das pausas estagnadoras, incompatíveis com a sua essência.
Para, ele, acima de tudo, o homem é uma personalidade, e não uma unidade inexpressiva. É um ser complexo, que tem a sua vida animal, a sua vida social, a sua vida espiritual. E com todas estas facetas vitais tem de se contar para se lhe garantir a realização do seu destino natural e sobrenatural, pois é subordinado a elas que o indivíduo se move em sua casa, na sua freguesia, no seu concelho, na sua província, na sua pátria e na sua religião.
Assim, o corporativismo não faz do Estado um aglomerado amorfo e frio de indivíduos; anãs um tecido vivo e palpitante de grupos e instituições sociais com um vínculo integrante comum: a comunidade da função social, que vem principalmente da profissão, da qual nasce a associação que superiormente se exprime - como ensina o Prof. Marcelo Caetano - na corporação.
As corporações vão completar o ciclo evolutivo do nosso sistema e, sem dúvida, oferecer ao Mundo mm grande exemplo de «organização integral das actividades de ordem moral, cultural e económica», de conjugação activa e harmónica de todas as forças, tanto as de produção material, como as de criação espiritual - traço distintivo do corporativismo português -, com vista a dois objectivos principais: a suficiência individual e familiar e o bem comum, este sol repondo-se a tudo o mais. Acontecimento de evidente magnitude, merece que o saudemos como uma «viragem histórica», na feliz expressão do Prof. Pires Cardoso.
Começa nova fase na vida portuguesa, que se caracteriza pela efectiva unida de moral, política e económica da Nação, com repercussões profundas em todas as actividades. O princípio corporativo vai influir nos anais ligeiros aspectos da vida nacional, pois dele promana a doutrina informadora e orientadora.
Isto não exige apenas que se crie uma perfeita consciência corporativa. É necessário que os órgãos responsáveis se compenetrem, desde já, dos seus deveres. Para encurtar: é preciso apagar de vez a mentalidade individualista, que arvora, o egoísmo como base das relações humanas e continua a ver no amontoamento do supérfluo a suprema razão da existência, como se a parte maior da população, aquela, que mais intervém, não só na produção dos bens, mas no seu consumo, fosse ainda a mercadoria que se comprava pelo preço mais baixo possível.
As corporações regularão as relações sociais e económicas entre os organismos corporativos e os seus componentes. Nelas desaparecerá o antagonismo de interesses que não podia deixar de exteriorizar-se nos órgãos primários - os grémios e os sindicatos. A corporação visa a harmonia das classes, mas sem justiça social não há harmonia possível.
Que ninguém entre nas corporações com pensamentos reservados! A muralha oposta ao socialismo aniquilador da liberdade e da propriedade não poderá ser utilizada a favor dum só grupo social. «É vergonhoso e desumano usar os homens como instrumentos de lucro». Estas palavras são de Leão XIII, que as inscreveu no pórtico da Nova Idade, dando-lhe a majestade e a eternidade da Igreja.
Diz o artigo 11.º do Estatuto do Trabalho Nacional que «a propriedade, o capital e o trabalho desempenham função social, em regime de cooperação económica e solidariedade». Que este preceito se cumpra inteiramente!
Muito devem já à organização corporativa os trabalhadores portugueses, que, de abandonados, passaram a ter protecção multiforme na remuneração, no horário de trabalho, na previdência, na assistência, na, habitação, no abono de família, na higiene, na educação intelectual e física, etc. E conheço suficientemente os intentos do Governo e o interesse apaixonado do Sr. Dr. Henrique Veiga de Macedo pelos graves problemas da sua pasta pára poder afirmar que esta obra,