484 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31
Entre estas duas concepções extremas da ordenação da vida, em luta permanente, há concepções intermediárias, salientando-se pela sua- importância no mundo moderno o socialismo idealista, a doutrina social cristã, que a Igreja oficializou, e o corporativismo, inspirado por esta.
O socialismo idealista pretende a transformação da sociedade, lenta e progressivamente, até levar os homens, por meios brandos, à modificação das suas concepções sobre a vida económica. Tem, todavia, por finalidade a supressão da propriedade privada e a socialização dos meios de produção.
Não se enquadra necessariamente na nossa maneira de ser, e creio até que não tem conseguido estabilidade naqueles países onde só esporadicamente consegue alcançar o poder.
A doutrina social cristã fundamenta-se numa atitude anti-individualista, baseia a autoridade na família e apresenta-nos a realidade das comunidades de trabalho e das comunidades políticas.
O direito de propriedade privada fundamenta-se no conceito de S. Tomás de Aquiuo de que ele não é absoluto, antes impõe deveres sociais de caridade e solidariedade.
O corporativismo, que foi a forma de estrutura política que adoptámos, foi buscar os conceitos das comunidades de trabalho como conjunto de interesses a que estão ligados os patrões e trabalhadores, o que estabelece laços de natureza profissional entre todos os participantes de um mesmo ramo de produção e ocasiona e justifica que sejam estes que estruturem e regulamentem a respectiva actividade, integrando-se assim no conjunto nacional. É deste conjunto que sai esta digna Câmara, tendo na base os organismos primários - sindicatos e grémios -, que originam por sua vez as federações e uniões e, finalmente, as corporações, que para aqui designam os seus representantes.
Foi esta forma orgânica de estrutura da sociedade que escolhemos através da -Constituição Política de 1933.
Sinto-me particularmente feliz ao referir, em breves notas, o esquema da nossa organização política, mormente neste momento em que se começa a estruturar o regime,- quando já desesperava de ver constituídas e em actividade as corporações.
Já decorreram dois anos após o projecto de lei instituindo as primeiras corporações e vejo, com excepcional satisfação, que algumas delas estão idealizadas, outras constituídas e em actividade.
Embora lamente que a corporação das artes gráficas, imprensa e papel nem sequer em esboço exista, tenho fé de que ela brevemente será instituída, porque a imprensa é hoje um dos mais portentosos meios de transmissão do pensamento, não podendo nem devendo desprezar-se a sua preciosa cooperação, a sua ajuda e a sua intervenção na criação de uma mentalidade corporativa.
E, sendo certo, como é, que as corporações são uma realidade palpável e benéfica na vida da Nação, também é certo que não tardará, estou certo, que as suas funções aliviem a administração central de tantas preocupações, que lhe incumbe hoje estudar, planificar, regulamentar.. Só- :assim poderemos conceber a- vida corporativa num estado corporativo.
E também penso e espero que as corporações terão aquela vida autónoma e livre que a pureza do sistema implica, porque, de .contrário, o Estado matará a: galinha dos ovos de ouro.
Se assim não for, e se numa autonomia indispensável às suas verdadeiras e reais funções o Estado intervier, nos teremos então um corporativismo do Estado, onde o Estado é tudo, onde Ò Estado manda.; onde tudo se faz para o Estado. Desse modo o sistema será corporativo no. nome e o Estado só se distinguirá daquela concepção de ordenação da vida económica há pouco citada porque mantém o direito à propriedade privada.
Ao Estado caberá, num verdadeiro sistema corporativo, a função de supremo árbitro e de coordenação da acção corporativa de harmonia com os superiores interesses nacionais.
As corporações também não devem traduzir-se em monopólios, mas regulamentar o exercício da produção por forma que se desenvolva dentro de uma sã economia de mercado, mas sem concorrências desregradas, condenadas pela moral e pelo interesse geral.
Mas uma parte importante das suas funções respeita às relações sociais e de trabalho entre os dois intervenientes na produção: o capital e o trabalho.
A regulamentação deste género de relações implica um espírito e uma formação social grande. E não só dos patrões, mas também dos trabalhadores. Mas estes são a parte fraca. Necessitam da protecção dos mais fortes e -porque não dizê-lo?- da protecção do Estado. E que é ao patrão que incumbe dar ou reconhecer direitos, enquanto que ao trabalhador só resta pedi-los. E como não pode forçar o patrão a dar-lhos, se o patrão ou, o que é o mesmo -para usar de uma linguagem mais apropriada-, a parte patronal da corporação lhos recusa, ficará abandonado, a menos que o Estado intervenha e faça justiça.
Estou a recordar-me de uma passagem do parecer desta digna Câmara sobre o II Plano de Fomento, que perfilho inteiramente e onde se afirma que ca história ensina -e as excepções, que as há, não invalidam a regra- que não pode confiar-se apenas no fortalecimento do espírito social dos empresários para conseguir o objectivo proposto desde fins do século passado, pelo menos, a experiência sindical tem-se revelado como poderoso elemento de promoção operário, designadamente enquanto respeita à afirmação dos direitos dos trabalhadores a um salário justo e as melhores condições de trabalho. Ao recomendar a intensificação das estruturas sindicais não estamos, aliás, ainda uma vez diante de doutrina nova, pois é da .essência do corporativismo português a aceitação do sindicato e o seu fortalecimento no sentido que ficou descrito.
Repare-se, no entanto, que está em causa, mais do que a lei ou a definição de alguma orgânica nova, a efectiva aceitação pelo Estado e pela opinião responsável da autonomia e da força sindical como elemento de justiça e de progresso humano e social.
Estas afirmações, que dignificam o seu autor, estão amplamente de harmonia com o critério que venho defendendo há anos,, de maior e mais ampla autonomia dos sindicatos, de forma que eles sejam e possam ser o organismo coordenador da actividade do trabalho e a garantia autêntica da defesa dos interesses que. representam, sem interferências do Estado ou do» seus órgãos, abertos, a todos na dignificação dos trabalhadores e no estudo dos seus problemas e com poderes de autêntica e real representação nos tribunais. Da verificação destas condições, resultará um entrave à falta de consciência, social dos patrões, e esta condição estará iniludivelmente na origem do equilíbrio social indispensável que se realizará melhor dentro da corporação e se for regulamentado pela corporação. Mas para isso é necessário que os sindicatos constituam uma força, que se imponha e que os patrões respeitem, tal como os patrões constituam outra força. Quer dizer: o equilíbrio nas relações entre patrões e trabalhadores só se verificará na medida em que as