1356 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 130
Desta disposição e de outras do mesmo diploma se poderão deduzir os seguintes princípios, hoje vigentes:
a) O arrendatário pode fazer benfeitorias no prédio, quer estas sejam necessárias ou úteis, desde que não altere a sua natureza ou o fim a que se destinam (cf. artigos 17.º e 22.º, n.º 3.º, do Decreto n.º 5411);
b) Se o arrendamento for superior a vinte anos, o arrendatária não tem direito a qualquer indemnização, não tendo sido as benfeitorias expressamente consentidas. Esta doutrina resulta, a contrario, do artigo 65.º citado. Deve ter partido o legislador do pressuposto de que, pelo decurso do tempo, o arrendatário se pôde ressarcir do custo das benfeitorias 1;
c) Se o arrendamento for inferior a vinte anos, o arrendatário tem • direito a- uma indemnização pelas benfeitorias, tanto necessárias como úteis, mesmo que estas não tenham sido expressamente consentidas, salvo havendo estipulação em contrário (artigos 65.º e 17.º do citado decreto);
d) Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, não há em nenhum caso direito a indemnização (a estas se não se refere o artigo 65.º), podendo, todavia, o arrendatário levantá-las se não houver detrimento para o prédio (cf. artigo 500.º do Código Civil) ;
e) O montante da indemnização corresponderá ao custo das benfeitorias, se este não exceder o valor do beneficio ao tempo da entrega do prédio. Caso contrário, será este o valor considerado (cf. artigo 499.º, § 4.º, do Código Civil).
As bases XIII, XIV e XV do projecto governamental, aceitando, embora, a orientação geral da nossa legislação, afastam-se dela em alguns pormenores.
Resulta daquela primeira base, embora não explicitamente formulado, o princípio de que o arrendatário pode, mesmo sem consentimento do proprietário, realizar melhoramentos no prédio. O consentimento por escrito apenas condiciona o direito à indemnização. Havendo recusa do proprietário, poderá recorrer-se para a comissão arbitrai, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão. O suprimento corresponde, nestes casos, e nos termos da base imediata, ao consentimento, para o efeito de se poder pedir a respectiva indemnização.
Fixou-se o Governo numa posição modesta em confronto com a das leis italiana e espanhola, salvo pelo que respeita à possibilidade de introduzir melhoramentos sem autorização judicial, e, em certa medida, ficou mesmo aquém do disposto no artigo 65.º do Decreto n.º 5411, relativamente aos arrendamentos por menos de vinte anos.
Na verdade, o artigo 1632.º do Código Italiano permite o recurso aos tribunais em qualquer caso em que, o arrendatário pretenda fazer benfeitorias no prédio. Somente se exige a prova de certas condições, designadamente capacidade técnica e económica para o. empreendimento e possibilidade, pela duração do contrato, de se aproveitar ainda o arrendatário dos respectivos benefícios. O proprietário tem a possibilidade, uma vez autorizada a obra, de se substituir ao arrendatário, fazendo-a por sua conta. O arrendatário, por seu turno, feitas as obras à sua custa, item direito a uma indemnização findo o arrendamento (artigo 1633.º).
Também pelo regulamento espanhol de 1959 o arrendatário está inibido de fazer obras destinadas ao aumento da produtividade da terra sem obter previamente autorização do proprietário ou do juiz ou tribunal competente (artigo 22.º, n.º 1). Uma vez feitas, porém, as obras, fica o arrendatário com direito de pedir a respectiva indemnização quando entregar o prédio.
Nos três sistemas referidos há de comum o seguinte: as benfeitorias úteis feitas pelo arrendatário não podem impor-se ao proprietário para efeitos de indemnização se não foram autorizadas, por este ou pelo tribunal (no projecto pela comissão arbitral) 1.
Mas diferem sob vários outros aspectos, que interessa analisar.
Deverá, em primeiro lugar, permitir-se ao arrendatário fazer os melhoramentos (benfeitorias úteis) sem autorização do proprietário ou do tribunal, sujeitando-se a não receber qualquer indemnização?
Como vimos, por argumento a contrario, pode deduzir-se do artigo 65.º do Decreto n.º 5411 que o arrendatário goza dessa faculdade, pois só se fez depender do consentimento o direito de exigir uma indemnização nos arrendamentos por menos de vinte anos. Esta doutrina, embora em contraste com a de algumas legislações estrangeiras 2, tem sido recebida com aplauso em obras de economia agrária 3, o que é compreensível, pela importância que as benfeitorias podem ter para a economia nacional.
Embora juridicamente discutível tal tese pois o prédio é do proprietário, e não do rendeiro, a aceitação da solução italiana e espanhola pode entre nós ter o aspecto de um retrocesso, que a Câmara Corporativa entende não dever sustentar 4. O que se impõe é apenas um limite às alterações facultadas ao arrendatário, não sé lhe dando em. caso nenhum poderes superiores aos que tem um usufrutuário. Ele deve respeitar a substância e o destino económico do prédio 5. Embora o valorize, não deve poder, por exemplo, transformar um campo de cultura num campo de jogos ou num jardim: Para justificar esta solução basta lembrar que o usufrutuário tem o direito de arrendar o prédio, e não deve poder atribuir pelo arrendamento mais direitos dos que ele próprio tem.
Uma segunda questão é esta:
Nas legislações estrangeiras que citámos, o recurso aos tribunais é sempre permitido, ao passo que no projecto só se admite esse recurso, para o efeito, claro, de se poder pedir a indemnização, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão (n.os 1 e 2 das bases XIII e XIV).
1 Vide Dr. Pinto Loureiro, ob. cit., III, p. 60, e Alexandre de Seabra, Das benfeitorias nos prédios arrendados, no Direito, ano 11.º, p. 2.
1 A Ordonnance de 17 de Outubro de 1045 afasta-se, em França, desta orientação. Qualquer que seja a causa por que cessou o contrato, o arrendatário que, pelo seu trabalho, valorizou o prédio, tem direito a uma indemnização (artigos 35.º e seguintes). Este aspecto do problema tem de ser considerado adiante, em relação aos arrendamentos familiares.
2 Ao contrário, a lei belga de 6 de Março de 1929 autoriza o rendeiro a construir e a plantar, desde que as obras sejam úteis e conformes ao destino dos bens. Em França, a Ordonnance, citada, de 17 de Outubro de 1945, também não estabelece qualquer limitação no direito de o arrendatário introduzir benefícios no prédio (artigos 85.º e seguintes).
3 Vido Prof. Henriques de Barros, ob. cit., III, p. 659.
4 É por isso que lhe parece não dever aceitar-se a doutrina do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, que colocou também o arrendatário, quanto a benfeitorias, na dependência de autorização do senhorio ou do tribunal.
5 Cf. artigos 1.º e 8.º do anteprojecto do futuro Código Civil. Vide Pires de Lima, Do ususfruto, uso e habitação, no Boletim ao Ministério da Justiça n.º 70.