22 DE MARÇO DE 1963 291
«delegação de poder público», ou seja uma transferência definitiva de funções dos governadores para os secretários provinciais, feita na Lei Orgânica e, com base nela, nos estatutos político-administrativos (o que, aliás, contrariaria o artigo 155.º da Constituição).
Segundo o texto em vigor da base XXIII, a delegação é bem uma delegação de poderes, feita pelo governador. Na redacção proposta pelo Governo a delegação não será rigorosamente feita pelo governador, uma vez que as atribuições dos secretários provinciais seriam fixadas pelo estatuto político-administrativo de cada província, isto é, por um diploma legal (da competência do Ministro do Ultramar). A delegação seria assim feita não pelo governador, mas por uma lei de que ele não seria o autor.
Uma tal solução afectaria a autoridade do governador, na medida em que este viria, assim, a encontrar-se perante um colégio de secretários provinciais que exerceria um poder rigorosamente seu, porque lhe fora atribuído pela lei. É certo que, na hipótese de discordância com a orientação de qualquer deles, o governador poderia propor superiormente a sua exoneração - mas esta poderia tardar ou não ser mesmo concedida, em consequência de o Ministro não se mostrar sensível às queixas que lhe fossem dirigidas. A posição do governador sairia inconvenientemente diminuída se a delegação de poderes não fosse feita por ele próprio.
Certamente que não foi este o intuito da proposta governamental. Assim, para corresponder aos que não deixarão de ter sido os desígnios do Governo, entende a Câmara que a redacção da base deve ser alterada.
22. Na proposta diz-se que a organização, as atribuições e as denominações dos secretários provinciais serão definidas no estatuto político-administrativo de cada província, cabendo a cada secretário provincial normalmente a gestão de um conjunto de serviços, que constituirá uma secretaria provincial.
Consideradas as reflexões atrás formuladas, a Câmara entende que deverá ser das atribuições legislativas, reservadas ou privativas do governador-geral dispor sobre tais pontos. Noutras palavras o governador-geral ou cada governador-geral editará, em diploma legislativo da sua competência exclusiva, as normas respeitantes a estes pontos - podendo, evidentemente, essas normas por ele ser revogadas ou modificadas em qualquer momento. Pode, entretanto, consignar-se na Lei Orgânica que as delegações se devam fazer em relação a conjuntos de serviços que constituirão secretárias provinciais.
23. No modo de ver da Câmara, a lógica estrita imporia que as funções dos secretários, provinciais cessassem com o termo da comissão ou a exoneração dos governadores que houvessem proposto a sua nomeação. Tal decorre do facto de eles não terem funções próprias, antes simplesmente delegadas, bem como de eles serem e deverem continuar a ser agentes da exclusiva confiança política do governador-geral. Simplesmente, também se reconhece que uma tal solução teria inconvenientes de certa gravidade a saída do governador provocaria um vácuo governativo intolerável, por um período que pode não ser de dias apenas, prolongando-se por semanas ou meses. Os secretários provinciais podem «solidarizar-se» com o governador que sai ou, de qualquer modo, não desejar servir com outra pessoa - e o recrutamento de uma nova equipa pode não se fazer de uma hora para a outra.
Salvando os princípios e atendendo a estas considerações, a Câmara sugere que na lei se consigne que os secretários provinciais em funções à data do termo da comissão ou da exoneração do governador-geral se presumem da confiança do seu substituto, mantendo-se no exercício delas até à data da posse do novo governador-geral, salvo se entretanto forem exonerados.
24. A Câmara entende, por outro lado, que a directriz proposta para ser observada na escolha dos secretários provinciais deve ser omitida. Ela reflecte, com efeito, um preconceito contra aqueles que possuem, em matéria de administração em geral e de administração ultramarina em especial, uma formação exclusivamente científica e um manifesto o exagerado apreço por aqueles cuja formação é de ordem predominantemente prática, adquirida ao contacto com a experiência e com os realidades.
Melhor parece deixar liberdade de opção entre todos aqueles que, a qualquer título, se mostrarem particularmente aptos para o exercício de funções governativas, de colaboração com os governadores-gerais.
25. - Está-se de acordo em que se inclua na base XXIII um número correspondente ao n.º VI proposto pelo Governo. Se não é legítimo duvidar-se de que os actos praticados por delegação pelos secretários-gerais e provinciais são contenciosamente impugnáveis, já poderia discutir-se se o privilégio de foro que na base XX se estabelece em favor dos governadores e encarregados do governo se aplicaria também àqueles.
Como resulta das sugestões feitas pela Câmara sobre a subsistência dos secretários-gerais, esse novo número deve abranger não só os secretários provinciais mas também esses secretários-gerais.
26. A Câmara Corporativa, tendo em conta as observações antecedentes, entende conveniente sugerir para a base em exame uma redacção diferente da proposta pelo Governo, que se incluirá nas conclusões do presente parecer.
Base XXIV
27. Como se mostrou no parecer desta Câmara n.º 35/V, sobre o projecto de proposta de lei n.º 517, o texto actual da Constituição consagra uma fórmula de repartição da competência legislativa para o ultramar segundo a qual os governadores das províncias ultramarinas têm funções legislativas nas matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não sejam da competência dos órgãos legislativos metropolitanos ou centrais. Simplesmente, essa competência deverão os governadores exercê-la de colaboração, em princípio, com um conselho em que haverá representação adequada às condições do meio social (Constituição, artigo 152.º).
Não nos esclarece este texto constitucional sobre qual a natureza da intervenção que o referido conselho há-de ter no exercício das funções legislativas do governador. Como se mostrou no citado parecer, o legislador constitucional deixou, muito de caso pensado, ao legislador ordinário duas vias a este respeito uma seria a de institua, em cada província, apenas um órgão legislativo, que seria então necessariamente o governador, exercendo este a sua competência mediante prévia consulta de um conselho, constituído em obediência aos mencionados requisitos, cujos votos ou pareceres não seriam para ele vinculantes, outra seria a de o legislador ordinário instituir, ao lado do governador, um outro órgão legislativo (possibilidade facultada pelo artigo 151.º), que seria justamente tal conselho, por forma que os actos legislativos provinciais acabariam por ser, normalmente, a união de duas actividades paralelas e homogéneas, realizadas por dois órgãos diversos, com o mesmo fim imediato a produção de determinadas normas jurídicas.