292 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 36
Pois muito bem verifica-se que a Lei Orgânica vigente utilizou apenas a segunda solução. Assim.
Nas províncias de governo-geral há um conselho legislativo, constituído com respeito pelos requisitos do artigo 152.º da Constituição, que colabora com o governador no exercício das funções legislativos. Se este conselho estiver reunido ordinária ou extraordinàriamente, a legislação provincial é, em princípio, o resultado da colaboração de duas vontades paralelas - a do governador e a desse conselho. Havendo divergência entre um e outro, o governador não é obrigado a converter em lei a vontade do conselho. A decisão será então tomada pelo superior hierárquico ou quase hierárquico do governador o Ministro do Ultramar. No intervalo das sessões ordinárias do conselho legislativo, e não estando este reunido em sessão extraordinária, poderá o governador publicar diplomas legislativos, ouvido outro conselho, designado conselho de governo.
Nas províncias de governo simples a Lei Orgânica estabeleceu, a este respeito, um regime paralelo ao das províncias de governo-geral, tomando aqui o conselho de governo o lugar do conselho legislativo e a secção permanente o lugar do conselho de governo.
Em suma, no sistema da Lei Orgânica o conselho legislativo não pode impor, em caso nenhum, a sua vontade à do governador. As duas vontades, a do governador e a do conselho legislativo, têm, em princípio, valor jurídico igual. Excepcionalmente, a vontade do governador pode sobrepor-se à do conselho legislativo, evitando que as suas resoluções se convertam em lei.
28. A proposta, quanto a esta base, orienta-se num sentido que comporta, se não real, pelo menos potencialmente, certos perigos para a unidade política do Estado Português, consagrada explicitamente no artigo 5.º da Constituição, na medida em que admite que certas resoluções de uma assembleia política própria de uma parcela do território nacional se podem impor, ao cabo de um certo processo, ao órgão que no território representa o Governo da Nação.
É certo que as hipóteses em que tal poderá acontecer serão raras e que não ficam prejudicados os meios a que, como ultima ratio, é possível recorrer para repor as coisas no seu devido pé, restabelecendo-se o primado da autoridade do Poder Central representativo da unidade política nacional (base X, n.º III).
De toda a maneira, não parece à Câmara que deva transigir-se, por pouco que seja e mesmo que a alteração tenha, no final de contas, um alcance de momento apenas formal, com um princípio que de algum modo sacrifique outro, básico e para nós sagrado, que é o princípio da unidade política do Estado Português.
A Câmara não duvida um momento de que esteve fora das intenções da proposta pactuar, no mínimo, com uma orientação contraposta a uma norma fundamental como é a da unidade do Estado. E, aliás, nessa convicção que chama a atenção para a conveniência de se redigir esta base em termos de não transparecer nenhum compromisso, mesmo só formal, com uma solução que possa representar a menor quebra daquela norma fundamental.
E curioso notar-se que os textos legislativos votados pelos «conselhos regionais» das Regiões italianas, na medida em que sejam reputados, pelo respectivo comissário do governo central, ofensivos do interesse nacional ou do interesse da legião, podem ser reapreciados por um órgão central do Estado, no caso particular pelo Parlamento de Roma, valendo em último termo o voto deste órgão, e não o do órgão legislativo da região.
Em relação ao seu ultramar, Portugal está, no parecer desta Câmara, um pouco como a Itália em relação às várias comunidades repartidas pela península italiana, com características étnicas, culturais e económicas amplamente diferenciadas umas em relação às outras. Também nós reconhecemos utilidade e justiça em reservar as províncias ultramarinas uma espécie de autonomia regional, compatível com o carácter unitário e indivisível do Estado Português - autonomia que compreende, além do mais, um certo poder legislativo, destinado especialmente a permitir o realização do interesse provincial ou regional, a prossecução dos fins da comunidade provincial ou regional. Ora a indivisibilidade e unidade do Estado Português, como as do Estado Italiano, não seriam preservadas se não se reservasse em último termo, a órgãos políticos centrais a competência para definirem o interesse nacional e, inclusive, o interesse provincial ou regional. A indivisibilidade e a unidade são compatíveis com a descentralização legislativa em sentido estrito, mas já não são compatíveis com a independência legislativa, ainda que confinada a interesses locais.
29. A Câmara Corporativa, por outro lado, entende que é de pôr o problema de saber se é compatível com a Constituição a proposta do Governo no ponto em que consagra a solução de serem entregues à arbitragem do Conselho Ultramarino, reunido em sessão plena, as divergências que se suscitem entre o governador e o conselho legislativo acerca da legalidade ou da constitucionalidade dos textos votados por este órgão e de o governador dever conformar-se com a decisão dele. Poderá sustentar-se que, se o governador fica estritamente obrigado a dar expressão legislativa formal à resolução do Conselho Ultramarino, o que no fundo sucede é serem conjuntamente legisladores em tais casos o conselho legislativo da província e o Conselho Ultramarino. Ora a Constituição - dir-se-á - não consente que outros órgãos metropolitanos, além dos indicados no seu artigo 150.º, possam exercer funções legislativas em relação ao ultramar. Em todo o caso, a Câmara inclina-se para que a intervenção do Conselho Ultramarino, numa hipótese destas, não é, afinal de contas, uma intervenção de que resulte a criação de normas jurídicas não é, noutras palavras, uma intervenção que redunde numa actividade materialmente legislativa. Traduzir-se-á antes numa decisão de índole jurisdicional de uma controvérsia entre dois órgãos com relevância constitucional. Estamos aqui, por assim dizer, perante uma forma de justiça constitucional, que bem pode ser consagrada por lei ordinária, paralelamente, aliás, com o que sucede quando nesta Lei Orgânica se atribui ao Conselho Ultramarino competência para apreciar a inconstitucionalidade orgânica ou formal de certos diplomas de direito ultramarino.
30. Depois do que se acaba de expor, não se vê melhor solução do que recomendar uma redacção nova para a base em apreciação, em que se combinariam elementos da redacção actual e da redacção proposta pelo Governo, por forma a satisfazer, em toda a medida compatível com a Constituição, e portanto com as exigências da unidade política da Nação, a conveniência de descentralizar a função legislativa em órgãos representativos das províncias ultramarinas.
Nesta ordem de ideias, não haveria que alterar os n.ºs I e II da base XXIV na sua actual redacção. No n.º III dir-se-ia que o governador-geral mandará publicar as disposições votadas pelo conselho legislativo, para que sejam cumpridas, sob a forma de diploma legislativo, dentro dos quinze dias seguintes àquele em que o projecto votado estiver pronto para a sua assinatura. No n.º IV estabelecer-