440 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 61
13. A REDENÇÃO E A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS - Como é óbvio, a glorificação de Deus, fim supremo da criação, não foi prejudicada pelo facto de o primeiro homem ter desviado de Deus a sua vida e a história da sua descendência. Mesmo sem o concurso da vontade humana, esse fim ter-se-ia cumprido sempre, mas Deus quis reintegrai a humanidade no seu caminho, quis redimi-la, a fim de que a cada homem fosse de novo possível atingir a bem-aventurança eterna.
Sem apagar a mácula original lançada sobre a generalidade dos homens, e sem eliminar o drama que ela inseriu na história da humanidade, Deus enviou à terra o seu Filho, para que, tornando-se. Ele homem também e integrando-se nessa história, expiasse os pecados de todos os homens pelos merecimentos da Sua vida e morte.
Gomo nenhum outro ser humano, Cristo sofreu "a morte em todo o seu horror. Não foram só as ingratidões, as traições, as torturas, os vexames; não foram só os sofrimentos atrozes de uma das formas mais cruéis de matar, nem a ignomínia da morte imposta aos criminosos mais vis, nem sequer a injustiça da condenação Custo viveu, na sua paixão, todo o peso do mal contido na revolta dos homens contra Deus, toda a consciência do significado profundo da morte como expiação, todo o sofrimento da alma separada do corpo, sofrimento tanto mais atroz quanto ninguém, como Ele, jamais possuiu o segredo do valor da vida.
Mas, sofrendo assim a plenitude da dói contida na pena imposta aos homens, Cristo venceu a morte Quando falava da sua morte, Jesus anunciou sempre que havia de ressuscitar (61), e, na verdade, o ensinamento cristão «assevera que Custo, depois de morrei, se ergueu de novo pelo poder soberano de Deus Vivo, paia uma vida nova e, não obstante, humana Não declara apenas que a sua alma era eterna e que, na eternidade, recebeu um esplendor divino, nem somente que a sua imagem e a sua mensagem se tornaram energia criadora de vida no caiação daqueles que creram n' Ele - vai mais longe e afirma que o corpo de Cristo, depois da sua morte, retomou a vida por uma forma mais eminente, que a sua alma, tomada pela força do Espírito Santo, impregnou e transformou o seu corpo, que foi na plenitude do seu ser humano-divino que Ele entrou na glória eterna (62)».
Com a paixão e a ressurreição de Custo, a morte sofreu uma transformação profunda. A Redenção, por elas operada, trouxe a todos os homens a promessa de que também eles, depois de morrerem, haviam de ressuscitar. A morte deixou de ser o simples cumprimento da justiça de Deus, a morte brutal, para além da qual restava apenas a indestrutibilidade da alma. A morte de Cristo deu outro carácter à morte, restituindo-lhe, não a forma mas o sentido daquele que devei ia ter sido o fim do primeiro homem a transição para uma vida nova, ao mesmo tempo eterna e humana (63) A morte conservou a dói profunda de pena, mas passou a ser iluminada pela certeza de que, como dom gratuito e pelo podei amantíssimo de Deus, agora constitui simples passagem, dolorosa e dura, embora, para uma nova existência, aceitá-la como tal - aceitá-la como participação na morte e na obra redentora de Cristo - já não é apenas o expiar sem esperança, mas colaborar na própria Redenção e na glorificação que a Deus há-de prestar, no fim dos tempos, a humanidade restaurada pelo seu amor.
Nesta profunda mudança de perspectiva, não se trata da descoberta de um remédio contra a morte o que seria pura magia, nem tão-pouco de uma nova ética da morte, que apenas represente um progresso de comportamento humano superior. A realidade da morte permanece, mas acha-se inclusa num novo contexto da vida e transformou-se na passagem para uma vida nova, penetrada de divino e eternamente humano, pois que para lá da nossa própria morte se encontra também a ressurreição (64). Tudo quanto a morte acarreta de opressão e de desagregação, de impotência e de agonia, tudo isso se contém na morte de Cristo, mas isso é para nós uma das faces daquela realidade da qual a ou ti a face se chama ressurreição (64).
Por esto modo, Cristo, morto e ressuscitado por nós, venceu a morte e trouxe essa promessa sublime da ressurreição de todos os mortos.
Se o género humano não tivesse quebrado, pelo pecado do seu primogénito, a união íntima com Deus, o tempo teria, apesar de tudo, um fim, e os homens ascenderiam n bem-aventurança eterna por uma forma que a Revelação não desvenda (66).
Pela queda de Adão, a morte entrou, porém, na história da humanidade, com todo o honor que, para cada alma imortal, representa o ser separada do corpo para que for criada e sem o qual não pode ter a plenitude própria, e esta pena terrível continuou, aliás, a ser imposta a todos os homens, e Cristo, Deus e homem ao mesmo tempo, sofreu-lhe, como ninguém mais, toda a dor e todo o opróbrio.
Mas, graças aos seus merecimentos, os outros homens serão chamados de novo & vida pelo poder de Deus, a alma, «forma (em sentido metafísico)» do corpo, congregará e animará outra vez a matéria e restaurará a unidade do composto humano, restituindo a cada um o seu corpo, não todavia no estado actual, sujeito ao tempo, mas sim como «corpo espiritual», e será assim em corpo e alma que cada homem, segundo as suas obras, sei á chamado a vivei a felicidade ou o castigo para toda a eternidade.
A crença na ressurreição da carne é um ponto capital da fé cristã e a contradição radical de todas aquelas ideias que, baseadas no dualismo ontológico, procuram rebaixar o corpo e ver a morte como libertação da alma O homem é essencialmente composto de corpo material e de alma espiritual, e, por isso, se a alma separada subsiste e mantém os suas operações fundamentais, passa a existir por uma forma que já não corresponde plenamente à vida humana, mesmo no que tem de mais espiritual, e se neste todo formado de corpo e alma se encontra a essência do homem, ambos os elementos devem participar no prémio ou no castigo que cabe à sua vida, e só assim, aliás, o homem poderá ter a plena vivência do castigo ou da bem-aventurança eterna.
Para cumprir a missão que Deus lhe confere e alcançar esse prémio sublime, deve o homem lutar, em cada instante da sua vida, por difundir o «Reino de Deus», pois a Redenção não suprimiu a historicidade que o caracteriza, antes deu novo impulso e novo sentido a toda a história Cristo, filho de Deus vivo, feito homem, ingressou na história do mundo como realidade visível, de tal sorte que nenhuma decisão O pode jamais desconhecer cada momento da história deve tomar posição perante Este que é o coração da mesma história, e até a vontade de ladear esse facto, entre todos capital, é já uma tomada
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(62) Guardini, ob cit., p 31.
(62) Guardini, ob cit., p 33.
(63) Guardini, ob. cit., p. 35
(64) Guardini, ob cit, p 36.
(65) Guardini, ob cit, p 40
(66) Guardini, ob cit, p. 26.