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16 DE DEZEMBRO DE 1963 441

de posição de alcance decisivo (67). O homem, submetido ao tempo, encontra-se em cada momento da história perante a imensidade do passado e do futuro, mas do passado destaca-se esta dupla realidade crucial a queda de Adão e a Redenção de Cristo Em cada momento ele ó o filho de Adito, mas também, e muito mais ainda, é aquele que Cristo salvou e que o convida a segui-lo Unido a Cristo, que é ao mesmo tempo presente e transcendente à história, pode não só retrabalhar a herança do seu primeiro pai, mas também vencer-lhe Intimamente o mal (68).
A interferência entre a influência persistente do primeiro Adão e a do Segundo cria na história uma tensão formidável, temível e fecundíssima ao mesmo tempo suprimi-la é render homenagem especial ao Senhor da história. Tal é a missão que a humanidade inteira, unida a Cristo, seu Chefe, é convidada a cumprir, e cada hornem deve colaborar nela no lugar que lhe pertence (69).

14. VALOR ATRIBUÍDO AO CORPO HUMANO E, EM ESPECIAL, AO CADÁVER PELA DOUTRINA EXPOSTA - Se, como desejaríamos, pudéssemos examinar toda a teia das relações do nosso tema com a problemática geral da personalidade, caberia ponderar-se, neste passo, o extremo valor que ao homem atribui a concepção cristã tal como a procurámos sintetizar Valor não absoluto, decerto, contrariamente ao que tem pretendido o individualismo antropo-cêntrico dos tempos modernos, pelo qual se lançou no mundo a semente das abstracções e dos mitos, dos egoísmos e dos ódios, que hoje tão dolorosamente atormentam a humanidade, mas valor transcendental que, referindo a Deus tudo quanto exorna o homem, confere a este grandeza o felicidade infinitamente superiores as que ele jamais poderia atingir por si mesmo.
Suposta, porém, a necessidade de nos limitarmos ao objecto especifico deste parecer, cumpre pôr-se em relevo, quando menos, o significado e valor que, segundo aquela concepção, se devem atribuir ao corpo em geral e, em particular, ao cadáver do homem.
Como deixámos entrever por diversas vezes, a compreensão correcta do homem tem sido, desde há muito, desvirtuada por uma corrente de pensamento que, na sua forma extremista, atribui a um princípio do mal, contraposto a Deus (dualismo ontológico), a criação da ma-( teria e que, por tal motivo, o corpo do homem é um carácter da alma, fonte do mal e origem do pecado, e é determinado à destruição libertadora para a alma, único elemento do homem proveniente de Deus
Estas ideias conduzem praticamente, como é fácil de ver-se, aos mesmos resultados que o materialismo, ainda que partindo de fundamentos muito diversos O ódio à matéria, em nome de um espiritualismo que, na realidade, restringe a obra e o poder de Deus no Universo, por um lado, e, por outro, a pretensão de tudo reduzir à matéria, com o fim de negar o próprio Deus, são atitudes de espírito que sempre redundam, afinal, em recusar ao corpo do homem todo e qualquer valor moral e sobrenatural e sempre vêm por isso, a legitimar AS piores aberrações contra a dignidade humana.
Ao longo dos séculos, o cristianismo tem tido inúmeras vezes de lutar contra estes erros e sempre tem proclamado que Deus é o autor e o fim de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E, em particular, de quanto acima
fica dito se deduz, com clareza, como é intensa e nobre a parte que cabe ao corpo na missão superior do homem, feito a imagem e semelhança de Deus.
A criação do mundo material para nele se reflectir e manifestar a glória de Deus, a formação do homem pela infusão da alma na própria matéria da terra, por forma a que, assim composto de alma espiritual e de corpo material, fosse apto para viver no meio dos seres sensíveis e neles descobrir e fazer frutificar a glorificação do Criador, a instituição do matrimónio que, constituindo a união íntima e integral de dois seres humanos no corpo e na alma, sempre foi visto como imagem e representação dos mais altos mistérios de Deus - o matrimónio pelo qual os dois progenitores, unidos numa obra em que participa todo o seu ser, assim no moral como no material, colaboram directamente com Deus na foi maculo de novos homens, o facto de ter sido sobre o corpo que especialmente as penas impostas pelo pecado original, de entre ns quais avulta a morte com todo o sofrimento causado à alma pela privação do corpo para que foi criada, a encarnação do Verbo divino, que para redimir os pecados dos homens quis fazer-se realmente homem, tendo, por sua Mãe, a Virgem liberta do pecado original, recebido o seu corpo da própria posteridade de Adão, a morte de Cristo, na qual se concentra todo o horror inerente à expiação dos pecados, a sua Ressurreição e a sua Ascensão aos céus em verdadeiro corpo e alma humanos, a promessa da ressurreição dos mortos, para que a vida futura,, na ventura ou na desdita eterna, seja vivida pelo homem integral -, tudo são verdades de fé que, por entre muitos outras que poderiam citar-se, demonstram que a imensa dignidade transcendental do homem não respeita nó a alma, mas sim a todo o composto humano e que, não por virtude própria do homem, mas pelo seu fim transcendente e eterno, o corpo é verdadeiramente sagrado, como todo o ser humano.
Mais ainda quando o homem se encontra no estado de graça, a vida divina que se lhe comunica não reside apenas na alma, mas em todo o ser humano, e por isso diz S Paulo que os corpos dos cristãos suo membros de Cristo (70) e apresenta o desregramento sensual como verdadeira profanação e sacrilégio, visto que os diversos pecados são exteriores ao corpo, ao passo que aquele é cometido contra o próprio corpo (71), que é templo ao Espirito Santo (72).
Não pode pôr-se em dúvida, por conseguinte, que nem o falso espiritualismo, oriundo do dualismo ontológico, nem o materialismo traduzem a apreciação justa do corpo humano. O pensamento cristão tudo refere a Deus, autor pessoal e amantíssimo de quanto existe e fim superior de todas as criaturas, mas com isso, muito longe de minimizar o valor do homem ou de qualquer dos seus

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(67) Cf. Haring, obra e volume citados, pp 131 o 132
(68) Ibid., pp 132 e 133
(69) Ibid., p 133
(70) 1.ª Epístola aos Coríntios, 6, 15
(71) Este versículo de S. Paulo tem sido diversamente entendido, suscitando-se dúvidas, nomeadamente, pelo facto de S Paulo não se referir a embriaguez e ao suicídio, que também incidem sobre o corpo (cf. nota respectiva no Novo Testamento, II, Lisboa, 1960, do cón José Falcão, p 101). Se nos é licito formular uma opinião n tal respeito, diremos que nesses pecados - a embriaguez e o suicídio - o corpo é atingido directamente como objecto ou vítima, por tal forma que quando os efeitos respectivos começam a manifestar-se nele já o pecador pode estar arrependido do acto quo os origina. Na sensualidade, pelo contrário, o corpo toma acção directa como agente - esse pecado o uma obra directa do próprio corpo (sem se excluir, evidentemente, a necessidade do elemento psicológico correlativo) e, portanto, é, em ai mesma, uma (profanação do corpo, ponto este que, precisamente, S. Paulo quer pôr em evidência e que tem relevante interesse para a doutrina por nós exposta no texto.
(72) Epístola citada, 6, 18 e 19.