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16 DE DEZEMBRO DE 1963 445

outras palavras, a medida da participação dele no ordenamento jurídico (77).

Conclui estas asserções, porém, observando que a capacidade, diferentemente da personalidade jurídica, não é um teimo fixo, mas variável, o que significa que, se todos os homens têm idêntica personalidade, inversamente não tom idêntica capacidade jurídica (72), estas palavras parecem continuar o sentido das anteriores, mas o certo é que as afirmações transcritas não deixam de ajustar a personalidade n capacidade em concreto, e não deixam de manifestar, por isso, a tendência que pretendemos assinalar.
O esvaziamento da ideia de personalidade de todo o conteúdo substancial e a tendência, ora posta em relevo, para a circunscrever à medida concreta da capacidade reconhecida a cada indivíduo não representam, contudo, a última palavra do formalismo nesta matéria Por efeito mesmo daquelas formas da conceber a personalidade, a doutrina sente-se inclinada para deslocar esta de plano e para a caracterizar numa base que agrava muito o alcance da orientação em causa e abre caminho às piores consequências.
Até este ponto, e por muito que a personalidade já se encontre afastada da realidade viva do homem, ela, embora vista como simples produto da lei, ainda se nos apresenta como qualidade ou atributo de cada ser humano, do qual resulta para este uma posição de relevo singular no mundo jurídico. O erro, porém, não perdoa a quem o serve, e é a própria lógica destas ideias que vem inverter os termos do problema, fazendo ver na personalidade, em vez de fonte da condição jurídica do homem, uma simples consequência dessa condição, da qual passa a depender inteiramente.
Da personalidade humana, tal como atrás a deixamos caracterizada, resta, na concepção exposta, apenas o vestígio de um dos seus traços distintivos - a transcendência Vimos que o homem vive voltado para fora de si mesmo em busca de algo que o transcende e sem o qual não pode atingir a própria realização, e, como acentuámos seguindo Schmaus, essa atitude fundamental orienta-se em três sentidos, a existência no mundo, a coexistência com outros homens (comunidade) e o dirigiu-se para Deus. Nada disto aparece explicitamente na noção formal de personalidade, mas há nela um traço que ainda se pode dizer pertinente a esta característica da pessoa aquilo a que os autores costumam chamar «alteridade», isto é, a contraposição e referência a outrem, sem a qual não se compreenderia a ideia de personalidade.
Simplesmente, porque se esvaziou esta ideia de todo o conteúdo substancial e ainda por influência do individualismo (dominante no século passado e, em muitos aspectos, no presente), a alteridade traduz-se exclusivamente no facto de a pessoa ter capacidade para ser sujeito de direitos. Mas a capacidade em si mesma não satisfaz à ideia de alteridade, pois se apresenta como imanente em cada homem, visto isoladamente, por isso os autores sentem-se inclinados para construir a ideia de pessoa sobre o pressuposto de ela ter direitos ou deveres efectivos. Por seu lado, o dever tem sido encarado por um prisma negativo - é o reverso do direito, e consiste no limite imposto à vontade de uma pessoa para evitar a ofensa do direito de outra Por esta forma a ideia de personalidade só ganha verdadeira consistência quando alguém é investido num direito contra outro indivíduo, ao qual é, correlativamente, imposto um dever para com o primeiro, por outras palavras, a realidade viva da personalidade e do direito reconduz-se necessariamente a constituição e desenvolvimento de relações jurídicas.
A relação de direito, o vinculam júris, é, decerto, uma figura de há muito conhecida e com real interesse para a ciência jurídica, mas adquiriu no pensamento dos jurisconsultos modernos um lugar por tal modo primordial e absorvente que se tornou causa de graves deformações do direito.
Foi sobretudo Savigny quem propugnou a ideia de que a relação de direito constitui o fulcro da realidade jurídica Propondo-se determinar as fontes de direito, afirma ele que este, considerado tal como, na vida real, nos rodeia e penetra por todos os lados, se apresenta como um poder de vontade do indivíduo, poder que especialmente se manifesta quando, negado ou atacado, a autoridade judicial lhe reconhece a existência e a extensão por meio de um julgamento. A forma lógica deste impõe, porém, alguma coisa de mais profundo - a relação jurídica, da qual cada direito especial é apenas uma face, olhada abstractamente (70) O julgamento de um caso particular é dominado por uma regra de direito, mas, assim como o julgamento encontra a sua raiz viva e a sua potência de convicção na apreciação de uma relação jurídica, assim a regra de direito tem por base as instituições, por modo que, se coda elemento da relação jurídica tem uma instituição que o domina e lhe serve de tipo, pelo mesmo modo cada julgamento é dominado por uma regra, e este segundo encadeamento, obrigando-se ao primeiro, encontra nele a sua realidade e a sua vida (80). Por isso Savigny pôde dizer que toda a relação jurídica se compõe de dois elementos - de uma matéria, que é a própria relação e constitui o elemento de facto, e outro, a ideia de direito que regula essa relação, e é o elemento plasticizante que enobrece o facto e lhe impõe a forma de direito (81), e por isso ele veio também lançar as fundações da distinção dos ramos de direito baseada na classificação das relações jurídicas (82), donde proveio a chamada classificação germânica dos ramos de direito civil e das relações jurídicas correspondentes.
Estas ideias, robustecidas pela autoridade resultante do facto de terem inspirado a sistematização do Código Civil Alemão, exerceram grande influência na evolução posterior da ciência jurídica e, ainda que adaptadas a outras correntes, vieram a dominar a mentalidade dos juristas por forma quase absoluta e, decerto, muito paia além do que impunha o pensamento de Savigny. A relação jurídica tornou-se não só o esquema universal onde toda a realidade do direito por força se enquadraria, mas a quinta essência mesma do jurídico, por forma a que a relação jurídica estaria para o direito como a ideia de ser para a metafísica E a opinião do Prof Cabral de Mancada, que afirma que tudo na sua visão jurídica das coisas, tudo no seu pensamento jurídico, se reduz a «categoria» «relação jurídica», inclusive o próprio conceito de «sujeito de direito», visto que este mesmo não pode conceber-se sem a noção de existência de outros «sujeitos» com os quais esse primeiro entra em relação (83).
Este agigantamento da ideia de relação jurídica e, mais ainda, a absorção de todo o jurídico nesse conceito têm

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(79) Traité de Droit Roma m, vol cit , pp. 7 e 8.
(...) Ibid., pp. 9 e 10
(82) Ibid., pp 827 o 828
(82) Ibid , pp. 828 o segs
(82) Lições de Direito Civil, vol. I, p 272, texto e nota.