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16 DE DEZEMBRO DE 1963 453

O carácter de essencial e de privativo do homem que distingue o direito baseia-se na autonomia e no fim último do ser humano, e por isso só faz sentido quando visto concretamente em relação a cada homem e, através dele, a cada comunidade, e não a «pessoa humana», vista abstractamente. O que está em causa não são «fins», «interesses» ou «qualidades», mas o homem concreto e vivo, cuja realização o direito tom de assegurar.
Se se aceitasse qualquer concepção para a qual os valores da personalidade humana fossem dissociáveis da qualidade de homem real, o dever básico de fidelidade ao fim supremo e a correspondente relação ética fundamental tomariam a natureza de realidades extrínsecas, das quais qualquer poderia libertar-se arbitrariamente, e o direito e a moral sei iam irremediavelmente desagregados, no lugar deles imperai ia apenas a violência, como pretendia o anarquismo, ou o direito e a moral sei iam relegados para as camadas inferiores da humanidade, acima das quais dominai ia a super-homem, como na moral de Nietzsche.
E nem mesmo em relação aos homens que aparentemente nulo podem atingir o rim supremo por meio da vida normal o direito lhes pode negar a qualidade e dignidade de pessoas. O fim do direito é o fim do próprio homem e pertence a Deus, e é portanto superior ao próprio direito, por outro lado, esse fim não é atingido integralmente na vida actual, mas sim na futura, em que o homem será liberto das limitações terrenas que se oponham à realização desse fim, e em qualquer caso, para além da acção do homem e do direito, Deus governa o Afundo pela sim providência e assegura a todos os meios necessários para atingirem o seu fim último.
Tudo isto significa que, mesmo quando os meios disponíveis pelo direito pareçam ineficazes, ele não pode negar o fim do homem, nem privar este das garantias necessárias para a realização desse fim.
O direito não tem em vista, por conseguinte, apenas a generalidade abstracta dos homens, nem somente aqueles que, de entre eles, pareçam melhores ou mais cultos, mas todos e cada um dos homens em concreto, com toda a sua dignidade de pessoas, mesmo que naturalmente eles se afigurem inúteis para si mesmos ou para os outros
Por isso são de repudiar como antijurídicas, como manifestações do «torto», e não do direito, todos os sistemas que neguem a alguém a qualidade de homem (escravatura), ou distingam entre os homens indivíduos ou roços superiores e inferiores (anarquismo, racismo) ou de algum modo particular, ainda que para efeitos restritos, reduzam o homem concreto a condição não humana ou neguem valores essenciais da personalidade, impedindo o homem de atingir o seu fim supremo.
Todas essas posições são contrárias a essência do direito e às prescrições da lei natural, e as regras que as pretendessem, impor não poderiam ser havidas como verdadeiras normas jurídicas não valeriam pelos seus imperativos, porque, contrárias a razão, não poderiam ser licitamente acatadas e, como objecto do labor científico, não podei iam ter mais valor do que os fenómenos teratológicos para o estudo da anatomia seriam «monstros», só por contraste susceptíveis de revelarem a verdade do direito.
Na base de toda a ordem jurídica encontra-se, portanto, a pessoa, como ente individual dotado de razão e de liberdade e destinado a um fim transcendente, fixo e necessário, cuja realização ao direito compete assegurar.
A máxima omne jus hominum causa introductum est não deve tomai-se com o significado restrito de que o direito só pode dirigir-se ao homem, por só ele ser capaz de o apreender e cumprir, por forma a admitir-se que, no entanto, o direito se lhe dirija paia o sujeitar ao interesse alheio ou colectivo Deve antes entender-se no sentido de que tudo quanto existe no direito se destina ao homem concreto e vivo e de tudo quanto negar esta verdade não será direito, mas torto.

20. A CONDIÇÃO DAS COISAS - Demonstrado que o direito é privativo do homem e essencialmente inerente à personalidade e assente que, por isso mesmo, é a ideia de pessoa humana, concreta e viva, a primeira das noções que nos surgem ao estruturar a ordem jurídica, cumpre procurarmos determinar, agora, qual é a perspectiva em que, na concepção personalista defendida, devem ser encaradas as coisas.
Nos sistemas formalistas e positivistas o direito é exterior ao homem - não passa de uma superstrutura artificial que lhe é imposta por motivos estranhos a própria essência dele. Por isso tais sistemas têm conduzido a crise da distinção entre pessoa e coisa, por nós acima descrita esvaziando essas realidades de conteúdo material e não tendo na sua acção outra directriz nem outra preocupação que não sejam as de adaptar os homens a fins contingentes e utilitários e a reger-lhes a vida por princípios preconcebidos, puramente formais, o direito veria o homem como pessoa apenas na medida em que ele próprio o tratasse como tal, e as pessoas e as coisas mover-se-iam no mesmo plano e seriam realidades quase contíguas, apenas separadas por figuras intermédias em características -entre as quais se contaria o cadáver humano - que as ligariam por uma zona de suave penumbra e mais acentuariam, assim, a contiguidade tendencialmente estabelecida entre elas. Até os sistemas liberais, em que a primazia reconhecida à liberdade pareceria dever opor-se, como forte barreira, a «desumanização» do homem e do direito, facilmente se deixam, na realidade, arrastar pelo declive das abstracções, a ponto de muitas vezes sacrificarem o homem real ao capricho da maioria ou ao interesse do mais forte e industrioso, quando não a simples mitos desprovidos de conteúdo verdadeiramente humano.
A concepção personalista impõe-nos um modo de ver profundamente diverso Princípio estrutural e intrínseco da personalidade e destinado a assegurar o cumprimento do fim último reclamado pela essência humana, o direito não assenta em abstracções e não pode construir-se com elementos puramente formais. Não é ao «homem» ou à «pessoa», como entidades irreais e abstractas, que ele se dirige, mas ao ser humano vivo e concreto, criado singularmente por Deus para uma missão igualmente concreta e singular, e, por isso, é a esse homem, a cada homem, que ele há-de garantir a dignidade que é apanágio da sua natureza e que há-de assegurar as condições indispensáveis para o cumprimento daquele fim último, que é, afinal, o fim e razão de ser do próprio direito.
Ainda, pois, que certo homem pareça inútil, ainda que nele se não vejam mais do que encargos para os outros ou se pense que ele, como simples instrumento ou escravo, poderia proporcionar à colectividade vantagens superiores à da sua actuação livre, mesmo que ele se mostre danoso para a sociedade ou se revele desprovido de toda a razão e liberdade e necessite de ser regido pelos outros homens - mesmo que assim aconteça, nem por isso o direito poderá norteai-se por directrizes exclusivamente utilitárias e antes teia de respeitar e tratar esse homem como tal, porque ele pertence a Deus e a Ele é destinado, porque é dotado de alma imortal, sempre susceptível, pelo poder de Deus, de atingir o fim último, e, enfim, porque ao direito cumpre defender a dignidade imensa que, por estes motivos, pertenço a todos