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456 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

Simplesmente - e é esse o segundo aspecto essencialmente implicado pela concepção personalista, como acima se disse -, este carácter concreto do direito não o liberta , da lei geral, como poderia resultar de uma concepção ética, fundada no individualismo radical ou no existencialismo ateu.
Todo o direito se funda na exigência ontológica de realização do fim ultimo, e assenta portanto na própria lazão e vontade de Deus, criador de todo o universo e na ordem por Ele instaurada na criação, e todo o direito se há-de fundar também, por isso mesmo, na lei natural, revelada pela própria natureza e que outra coisa não é senão a lei eterna, promulgada por Deus, enquanto aplicada a actuação racionai e livre do ser humano.
O direito, nos seus fundamentos e nos seus desenvolvimentos racionais, é uma forma de o homem participar na lazão divina e há-de apresentar-se, por conseguinte, com o carácter e o valor de universal, ainda que seja susceptível de, nos desenvolvimentos periféricos, se ajustar ao condicionalismo próprio de cada comunidade Por seu lado, a personalidade humana, cuja realização é fim do direito, representa um modo de ser particular, a realização numa existência singular de uma mesma essência, e é esta que encerra os valores universais da humanidade, por isso. só erguendo-se acima da sua individualidade e amando nos outros homens esses valores universais é que o homem pode ter plena consciência daquela essência e realizar integralmente os valores nela contidos (10>) Sendo assim, paia o direito poder orientar o homem há-de baseai-se nesses mesmos valores universais e portanto assentar em princípios de aplicação gemi, e não em soluções da casos concretos.
Estes princípios destinam-se a criar o direito e a estabelecê-lo e firma-lo na vida social Mas não constituem de per si, ou pelo menos não esgotam eles próprios, o direito vivo, este é uma proposição justa entre homens, e só pode actuai-se, por isso, em casos concretos, como concretos são os próprios homens
Para Santo Tomás a lei é a não, a «forma» do direito assim como na mente do artista preexiste uma ideia que é regra da obra de arte, assim também a razão determina o justo de um acto por uma ideia preexistente na mente, como regra de prudência, a que se chama lei «quando é escrita». À lei não é portanto, pròpriamente, o direito mesmo, mas certa razão do direito (104).
Esta parece ser, com efeito, a doutrina verdadeira.
O direito realiza-se em concreto e só em concreto existe em acto, mas não se actua ao sabor de capuchos ou de opiniões subjectivas, e nem sequer pela meia apreciação ética de situações individuais desligada de quaisquer outros juízos de valor, actua-se, antes, de acordo com regras racionais, de valor geral ou até universal (direito natural), que constituem formas ou causas formais do justo, concreto, e ainda causa exemplar (pense-se nos «tipos» legais, no Tatbestand dos autores germânicos) e causa eficiente na medida em que, por causalidade moral, impõe a própria observância.
Essas regras gerais ou universais - as leis, em sentido lato - tendem, assim, a constituir com as situações por elas enformadas uma verdadeira ordem, a que poderá dar-se o nome de «ordem jurídica subjectiva» ou «concreta», a qual é, em cada momento, a actuação das formas contidas na «ordem jurídica objectiva» ou «abstracta», integrada pelas mesmas leis
Tanto a ordem jurídica objectiva, como a subjectiva, são animadas de intenso dinamismo cuja finalidade é, precisamente, conservar e desenvolver a ordem subjectiva em harmonia com a objectiva, e ainda defendê-la, pela reacção da ordem objectiva contra o ilícito ou torto.
Este dinamismo manifesta-se, em grande parte, pela própria autuação concreta das normas, por forma por assim dizer endógena. Em muitos aspectos, todavia, opera-se por meios exógenos, constituídos por factos estranhos ao dinamismo interno de cada situação) aos quais a lei atribui relevância ou causalidade jurídica, paia o efeito de f azei em actuai princípios de dinamismo da ordem subjectiva, de entre esses factos, destacam-se as «operações» e «actos» do homem a que a lei confere relevância com o fim de garantir ao próprio homem, singularmente considerado, a possibilidade de interferir por sua iniciativa no desenvolvimento do dinamismo da ordem jurídica subjectiva (autonomia da vontade, no sentido mais amplo).
Por esse motivo a ordem jurídica objectiva, além de conter «formas» de carácter substantivo (formas de situações), cria e impulsiona também «formas» de carácter adjectivo para fazei actuar os factos por meio dos quais se opera o dinamismo jurídico.
Ao esforço constante da ordem jurídica objectiva para enformar a subjectiva, por meio do impulso dos factos para tal previstos e da reacção contra o torto, pode dar-se o nome, consagrado em linguagem usual menos precisa, de vida jurídica.
E é ao conjunto destes três elementos - a ordem jurídica objectiva, que contém as formas do direito, a subjectiva, que é a matéria onde tais formas se hão-de actuai, e a vida jurídica, expressão do dinamismo por que se opera tal actuação - que propriamente se dá o nome de direito.
Para se fazer uma ideia exacta das situações das pessoas perante o direito, é necessário, de acordo com o quo acabamos de referir, determinarem-se os tipos gerais dessas «formas» pelas quais se actua e concretiza o direito Essas formas correspondem às situações individuais, em torno das quais se congregam os poderes e deveres que, como se disse, a lei não pode conferir ou impor genericamente, em lazão de os actos humanos não serem susceptíveis do apreciação ética directa, sem se considerarem concretamente os fins, os meios e as circunstâncias em que são praticados, tais situações fazem parte, por isso mesmo, dos elementos determinantes daquele 718 concreto que, segundo Santo Tomás, é objecto da justiça
Procurando traçar um esquema tão breve e sintético quanto possível disso a que, para usar uma expressão vaga e geral, temos chamado «situações», a primeira realidade concreta que devemos mencionar é constituída pelas pessoas, em si mesmas.
As pessoas surgem perante o direito com a sua exigência ontológica de realização do fim último, exigência cuja satisfação lhes e devida Desencadeiam, por isso, na ordem jurídica uma pretensão geral de serem respeitadas e satisfeitas nessa exigência ontológica de actuação, pretensão que, tomada em geral, constitui a capacidade jurídica em abstracto E, em função de situações particulares de cada pessoa (os «estados», nomeadamente), o direito tem de reconhecer a pessoa considerada uma medida concreta de relevância daquela pretensão, conferindo-lhe certa capacidade jurídica em concreto.
Mas a exigência ontológica, em si mesma, manifesta-se imediatamente em certos aspectos concretos que fazem parte - e parte fundamental - das situações concretas das pessoas, trata-se de explicitações directas da própria exigência ontológica, operadas por simples abstracção para revelar e garanta a consistência concreta dessa exigência