460 ACTAS DA CAMARÁ CORPORATIVA N.º 51
derando especialmente, portanto, as situações derivadas, poderemos dizer que estas apresentam três modos de ser fundamentais os direitos subjectivos, as relações jurídicas e as, comunidades.
Os, dois últimos tipos mencionados são complexos as relações jurídicas abrangem ou entrelaçam-se com direitos subjectivos, e as comunidades compreendem direitos subjectivos e relações jurídicas especiais, além de figuras híbridas ou anómalas
Soo as situações destes vários tipos que sei vem de centros nos quais se concretizam as normas jurídicas abstractas e através dos quais se operação apreciação e qualificação dos actos humanos, paia o efeito de se definirem os poderes e deveres, nas suas diversas modalidades (poderes-licitude, poderes potestativos, deveres especiais pròpriamente ditos, ónus ou deveres livres, etc).
Todas essas situações são criadas em concreto. Já enunciamos os aspectos gerais do direito que a este conferem o carácter de concreto, quando posto em acto Mas, agora que determinamos os tópicos fundamentais da estrutura de ordem jurídica subjectiva, poderiamos mencionar muitos ou 11 os aspectos susceptíveis de confirmar esse carácter, como sejam a influência das circunstâncias pessoais sobre a entidade concreta das situações, a integração destas no conjunto das situações do respectivo titulai, a adaptação dos poderes e devei es tio condicionalismo concreto em que se actuam, etc , a necessidade de abreviarmos esta exposição não nos permite, todavia, desenvolver tais pontos, cujo exame muito contribuiu» paia a plena compreensão do carácter concreto das situações.
Um aspecto merece, porém, menção particular a influência que exerce sobre cada situação o facto donde ela emerge, não só pelas suas características genéricas (espécie e regime do facto de que se trate), mas também em virtude da ligação concreta desse facto com outras situações, dos vícios que o possam inquinar, da possibilidade concreta de impugnação a que esteja sujeito, etc. Os factos são «moldes» em que se concretiza a causalidade eficiente das leis, e as situações concretas não assentam directamente nestas, mas sim nesses factos - na formação das situações a lei intervém já moldada e adaptada às condições em que elas devem surgir, e os factos, que assim desempenham a função de uma espécie de transformadores da lei, constituem verdadeiras fontes de direito concreto. Vistos pelo prisma dessa função de esteio e molde dos direitos subjectivos, durante toda a vida destes, os factos designam-se geralmente pelo nome de «títulos» dos direitos subjectivos, paia os factos informadores e impulsionadores das relações jurídicas e das comunidades não há denominação genética consagrada, mas é, decerto, considerando-os pelo prisma daquela função que eles se designam por «contratos» ou «quase-contratos» (quando se diz, por exemplo, que se interpreta ou cumpre um contrato), e se fala na «constituição» da comunidade estadual ou nos «estatutos» das comunidades secundárias.
As situações são criadas, assim, singularmente e por efeito de verdadeiras fontes de direito autónomas, e por isso nascem como que isoladas, dal resulta a possibilidade de surgirem, em concreto, situações contraditórias e incompatíveis, como pode ver-se dos artigos 789.º e seguintes e 1578.º e 1580.º do Código Civil Por esse motivo, a lei, paia estabelecer e conservai o conjunto das situações como verdadeira ordem, lança mão de clivei sós meios para as coordenai, não só com as demais situações do mesmo titulai, mas também com as de terceiros, neste último aspecto a lei recorre aos poderes e deveres genéricos, ao condicionamento, mediante processos vários, dos efeitos reflexos dos factos e situações concretas, a regras especiais de preferência e até a princípios de conciliação concreta, como são os consagrados nos artigos 14.º e 15.º do Código Civil.
Assim se cria e fomenta a ordem jurídica concreta e subjectiva, a qual não surge como fruto de soluções dispares e isoladas, antes emerge das «formas» contidas na ordem jurídica abstracta. A ordem jurídica concreta é, porém, a verdadeira e plena actuação do direito, conseguida não só pela reacção da ordem abstracta outra os factos ilícitos, mas ainda pela consagração de factos através dos quais se concretiza a causalidade das leis e se adaptam estas às condições concretas, num esforço constante de renovação e reintegração, correspondente ao que se chama a «vida jurídica».
A maleabilidade e variedade que, em virtude desta estrutura e dinamismo, reveste a ordem jurídica concreta tem interesse muito especial para nós, pois nos encaminha para a resolução dos problemas respeitantes ao último ponto que nos importa versar e que é aquele que mais directamente se prende com o nosso tema os direitos sobre pessoa alheia.
22. Os CHAMADOS DIREITOS SOBRE PESSOAS, EM ESPECIAL - Para completarmos o exame das perspectivas fundamentais em que se desenvolve a concepção personalista do direito, importa versarmos um último ponto, que é, precisamente, o que mais directamente se prende com o objecto do presente parecer os chamados direitos sobre pessoas.
A especialidade deste problema resulta de existirem direitos que se exercem por actos materiais ou psíquicos praticados sobre pessoas, independentemente ou contra a vontade delas. E essa realidade que, na aparência, coloca as pessoas em situações análogas às das coisas e que, na orientação geometrista do direito, tem levado a equipai ar as pessoas as coisas.
Sendo essa a particularidade relevante de tais direitos, devemos afastar do número destes e do campo da nossa observação certas modalidades de direitos que não apresentam aquela característica. Queremo-nos referir a certos direitos cujo exercício incide realmente sobre pessoas, mas que pressupõem o consentimento destas e não admitem a execução forçada em espécie, estão neste caso muitos dos pretensos direitos sobre pessoas, de origem contratual, tais como aqueles cujo exercício se traduz em actos praticados sobre pessoas a titulo de violências desportivas (luta, pugilismo), de experiências ou tratamentos médicos, da utilização de pessoas como meios de publicidade, etc. Em todas estas hipóteses se exige o prévio consentimento do interessado ou de quem o represente e (visto não se admitir a execução forçada) a submissão voluntária aos actos em questão, esta submissão representa, pois, verdadeira prestação, e aqueles direitos não têm realmente, por isso mesmo, natureza que os possa aproximar dos direitos sobre coisas (...). Esta espécie de direitos não tem, por tal motivo, interesse paia a nossa investigação e os problemas que suscita a respeito dos direitos relacionados com a personalidade não residem no exercício deles sobre pessoas, mas na questão de saber se é ou não lícita a disposição da própria personalidade paia a submeter a tais direitos
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(107) O carácter puramente obrigacional da sujeição a estes direitos encontra-se bem vincado, por exemplo, no artigo 59.º do projecto de Código Civil (parte geral), acima transcrito na nota 29 por efeito desse preceito, o contraente que se recusar a submeter-se a uma limitação voluntária dos direitos de personalidade apenas ficará sujeito a responsabilidade civil, e nunca poderá ser objecto de execução forcada em espécie, visto lhe ser licito revogar livremente o compromisso tomado.