16 DE DEZEMBRO DE 1963 461
Arredadas estas hipóteses do nosso caminho, importa dedicarmos a atenção aos verdadeiros direitos sobre pessoas, os quais em geral se apresentam apenas em função do comunidades Tais são os direitos de punir ou de exigir a submissão da» pessoas a provas e a exames forenses, direitos próprios da sociedade civil, e aqueloutros, de origem familiar, que vinculam os cônjuges e submetem os filhos aos pais.
Comecemos por examinar as características próprias dos chamados direitos sobre pessoas, voltando-nos, antes de mais, para a finalidade para que se dirigem.
Vimos que a pessoa concreta é o primou o elemento da estrutura da ordem jurídica subjectiva e quo é dotada de fins intrínsecos, nos quais se compreende, porém, não só o bom próprio mau também o alheio.
A finalidade dou chamados direitos sobre pessoas só pode consistir, portanto, na realização desses fins intrínsecos, seja como garantia, para cada indivíduo, dos fins que lhe são devidos, seja como meio de essa pessoa satisfazer a fins alheios quo se achem compreendidos no próprio fim dela.
E na verdade não é difícil verificar-se que assim finalidade não deixa de existir nos casos típicos mais conhecidos.
Assim, verificam-se, antes de mais, direitos conferidos paia realização do fins do próprio sujeito passivo, é isto o que se passa, por exemplo, com a protecção de anormais, que, quando estes são inofensivos, tem em vista exclusivamente a segurança, a saúde e a dignidade respectivas.
Noutras hipóteses, encontramos direitos cujo fim directo reside no próprio titular e só par este pode ser atingido. Trata-se de direitos a obter de certa pessoa algo que é devido ao titular e, vistos por este aspecto, deveriam corresponder, por parte do sujeito passivo, a deveres, especiais e constituir, portanto, direitos a prestações. Mas são construídos, antes, como direitos sobre pessoas, em razão do o resultado pretendido só ser integralmente atingível quando produzido pelo próprio titular Disto é exemplo o direito de punir do Estado o delinquente tem o dever de reparar o dano causado na ordem moral da sociedade, sofrendo para isso o mal da pena (cf. Código Civil, artigo 2364.º, e Código Penal, artigo 27.º)» e poderia, pois, construi-se o direito de punir como direito a uma prestação consistente no cumprimento espontâneo da pena (como em certa medida se admite em relação à pena de multa imposta por certas contravenções), mas, seja, para se afirmar o poder da autoridade pública, seja paia não prejudicar a acção intimidativa do exemplo de punição, soja para não se prescindir do certo aspecto de humilhação resultante do cumprimento coercitivo, seja, até, para se evitar o que o cumprimento espontâneo pudesse ter de chocante (a execução voluntária da pena do morte, onde existe, consistiria no suicídio), entende-se que a pena tem de ser cumprida por meio de actividade directa da autoridade sobre o sujeito passivo, e daí resulta que o direito de para, embora tenha por objecto uma verdadeira prestação, é estruturado como direito sobre pessoas.
Há, finalmente, direitos que se destinam a fins pertencentes simultaneamente ao titular e ao sujeito passivo, por forma que a realização do fim de um se confunde com o bem do outro, e vice-versa Suo exemplos desta categoria os direitos paternais e os direitos conjugais correspondentes ao chamado débito conjugal.
Em todos estes casos se trata de direitos que ou se destinam a fins intrínsecos do próprio sujeito passivo ou tom por objectivo efectivar n colaboração deste, como pessoa, no cumprimento de fins do titular, ou soo orientados, até, nestes dois sentidos, simultaneamente. Este último caso pode exemplificar-se com os podei es paternais assim, o exercício do cuidados e desvelos dos pais para com os filhos, mesmo quando tem lugar independentemente da vontade deles ou até contra ela, constitui uma forma de realizar fins intrínsecos dos filhos (desenvolvimento moral e físico destes), ao mesmo tempo que representa para os país o desempenho de uma missão essencialmente inerente ao estado de vida que adoptaram, e portanto também a consecução de fins intrínsecos deles.
Demonstrado assim que os chamados direitos sobre pessoas silo orientados para fins intrínsecos, cumpre examinar uma outra característica que os distingue, e que consiste em elos se encontrarem sempre na dependência de direitos subjectivos o de deveres propriamente ditos, portanto de relações jurídicas.
Os chamados direitos sobre pessoas nunca surgem puros, isto é, reduzidos a simples poderes sobre pessoas. Pelo contrário, esses direitos ou se enquadram em d u eitos ou deveres propriamente ditos do sujeito passivo, ou implicam a existência de direitos e deveres recíprocos do titular e desse sujeito passivo
No caso de direitos sobre pessoas, conferidos para realização de fins do sujeito passivo, é evidente que este tem direito a que esses fins sejam satisfeitos. No caso dos anormais, acima citado, é óbvio que tais pessoas, quando dotadas de suficiente consciência e liberdade, dispõem do poderes, para assegurar os fins em causa, por outro indo, a lei rodeia-os de garantias contra abusos, e por isso a sujeição delas ao poder de outrem, como direito sobre pessoas, é simples meio de assegurar um fim próprio, ao lado de outros meios destinados ao mesmo objectivo, e, em conjunto com estes, dá lugar a um verdadeiro direito do sujeito passivo.
Por sou lado, os direitos concedidos para a realização de fins próprios do titular, ou são directamente englobados na execução forçada de um dever especial (por exemplo, a sujeição forçada a exames forenses), ou excluem a execução espontânea, como acontece com o direito de punir, mas assentam em verdadeiros deveres (veja-se a noção de responsabilidade criminal constante dos citados artigos 2864 º do Código Civil e 27.º do Código Penal). Note-se que, neste último coso, esses deveres subjacentes mio são puramente teóricos, pois, conquanto não possam cumprir-se espontaneamente como qualquer dever de efectuar uma prestação, manifestam-se como verdadeiros deveres em vais consequências secundarias, é o que se verifica, por exemplo, no tocante ao direito do punir, com o carácter ilícito da evasão de condenados (artigo 196.º do Código Penal), com a exigência de colaboração do réu na descoberta da verdade e com a exigência da prestação, por parte dos condenados, de trabalho e outras actividades educativas com o fim de regeneração, e, mesmo nos aspectos em que a pena é independente da vontade do delinquente, ele não lhe pode ser aplicada quando ele não esteja na posse das suas faculdades mentais, o que significa que a lei exige dele, pelo menos, um sofrer, um para consciente.
A mesma integração em direitos ou deveres propriamente ditos se encontra, por fim, nos direitos sobre pessoas destinados a fins respeitantes simultaneamente ao titular e ao sujeito passivo. Assim, os poderes dos pais sobre os filhos integram-se manifestamente no dever que incumbo aos pais de defender e educar os filhos, bem como no direito correlativo destes a serem educados e protegidos, entrecruzam-se também com o dever dos filhos de (...) os pais e de lhes pi estarem obediência, devei que tende a substituir a simples sujeição à execução voluntária dos mandados dos pais, substituição essa exigida,