16 DE MARÇO DE 1971 661
o conselho se tem revelado relativamente ousado na sua jurisprudência nesta matéria, desde que competência (de princípio, bastante lata) neste domínio lhe foi conferida, na Carta Orgânica, em 1933. Vamos esperar que, se ou quando o sistema for generalizado, se produzam os benéficos resultados que o principal defensor da solução ou proposta (o Prof. Marcello Caetano) dela espera 32. Designadamente, vamos esperar que deixe de ser quase só meramente platónica, praticamente despida de eficiência, como até aqui, a competência de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das normas jurídicas, sem, entretanto, se cair numa indesejável intromissão abusiva de uma ou mais altas instâncias contenciosas num domínio, essencialmente político, qual é especialmente o da actividade legislativa, no espaço livre ou discricionário que o legislador constituinte deixa ao legislador comum.
Não faltará certamente à Câmara Corporativa ocasião d 12, em concreto, se pronunciar sobre a eventual reforma legislativa que, com base neste novo parágrafo do artigo 123.°, venha, a curto ou longo prazo, a ser concedida.
Artigo 123.°, § 2.º
146. Só em parte este parágrafo coincide com o actual e único do artigo 123.° Na verdade, este último refere-se ao contrôle exclusivamente político da inconstitucionalidade orgânica ou formal das normas que constem de diplomas promulgados pelo Presidente da República, enquanto o proposto § 2.° se refere, além destas, às normas constantes de tratados ou outros actos internacionais.
Sobre a parte em que a nova redacção coincide com a actual, não se impõe agora qualquer apreciação. Sobre a parte restante é que se torna necessária uma sumária análise.
Segundo a proposta, a Assembleia Nacional (e só ela) poderá apreciar, em primeiro lugar, se no processo de formação de um tratado ou de um acordo internacional intervieram as entidades que, nos termos da Constituição, têm competência para representar o Estado Português. No caso de as normas constitucionais de competência não terem sido observadas, as normas constantes dos tratados e acordos celebrados nestas condições, uma vez incorporadas no direito interno, viriam a ser normas viciadas de inconsititucionalidade orgânica - e a Assembleia poderia apreciar este vício, determinando os seus efeitos.
Em segundo lugar, a Assembleia Nacional poderá verificar se, na conclusão dos tratados e acordos internacionais, foram observados os trâmites constitucionais sobre o processo de formação das convenções.
Neste outro capítulo tratar-se-ia de ver se os representantes diplomáticos (no caso de os tratados não serem, como é normal, negociados pelo próprio Chefe do Estado em pessoa) estavam munidos de "plenos poderes", se nas convenções em geral foi aposta a assinatura dos representantes do nosso país, se foram aprovados pelo órgão competente (Assembleia ou Governo) e se foram, sendo caso disso, devidamente ratificados. Estas convenções, entretanto incorporadas no direito interno, enfermariam de inconstitucionalidade formal, na medida em que as normas constitucionais sobre estes pontos não houvessem sido observadas, e a Assembleia apreciá-la-ia, determinando, como na hipótese anterior, os seus efeitos.
Deverão as coisas passar-se assim?
147. Quanto à inconstitucionalidade orgânica, a hipótese mais grave será a de ser invadido o âmbito do treaty making power do Chefe do Estado por um Ministro que não seja o dos Estrangeiros, ou pelo órgão dirigente de um serviço personalizado ou simplesmente autónomo. (A inversa deve considerar-se juridicamente irrelevante, ao que parece.) Quid iuris, num caso destes?
Segundo a chamada "teoria constitucional", uma convenção celebrada por um órgão constitucional incompetente não será sequer obrigatória no plano da ordem jurídica internacional. Mas contra esta orientação doutrinal tem-se objectado, entre outras coisas, que, se fosse permitido a cada Estado invocar a incompetência constitucional da autoridade que interveio em seu nome na celebração de uma convenção, o direito internacional convencional estaria sujeito a ser negado, passados anos sobre a celebração das convenções. Além disso, a inobservância das regras constitucionais de competência poderia tornar-se um fácil denominador para artificiosas manipulações políticas e para o triunfo da má fé nas relações internacionais. Aliás, diz-se também que os Estados não podem, negociando uma convenção, invadir os assuntos da competência interna das outras Partes contratantes (como são os respeitantes à fixação em concreto da competência para celebrar convenções internacionais) e que, de qualquer modo, nos tratados multilaterais, tal averiguação seria virtualmente impossível. Uma situação intolerável seria criada se os Estados fossem forçados a fazer indagações minuciosas para saberem se um compromisso se manterá ou não e estivessem expostos a ver os seus co-contratantes renegar as suas obrigações, alegando que se não consideram obrigados por as normas da sua constituição não terem sido exactamente observadas quando uma dada convenção foi concluída.
Há quem tenha restringido à violação das normas constitucionais de competência com caracter notório ou manifesto a consequência da nulidade das convenções internacionais; mas tem-se objectado, além do mais, que o sentido aparentemente claro de certas normas constitucionais pode ser alterado pela jurisprudência, pela prática ou pela doutrina de um país, de forma a tornar inexigível que outros Estados o conheçam; e que esta matéria ó quase sempre muito complexa.
A recente Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, no seu artigo 46.°, perfilha, entretanto, esta orientação, acentuando que uma violação do direito interno respeitante à competência para a conclusão das convenções não pode ser alegada, a não ser que essa violação tenha sido manifesta e diga respeito a uma regra de direito interno de importância fundamental. Trata-se da tutela de boa fé. Se as circunstâncias foram tais que o outro ou os outros contratantes puderam, de boa fé, crer a convenção válida, esta deve valer na ordem internacional.
Seja como for, muitos autores e a prática internacional são no sentido de que a nulidade, no plano da ordem jurídica internacional, de uma convenção celebrada nas condições figuradas, não é indefinidamente susceptível de ser feita valer, nem o pode ser quando o Estado já obteve vantagens com a aplicação da convenção.
Temos, portanto, que casos há em que as convenções internacionais celebradas com violação das normas constitucionais sobre o treaty making power são válidas internacionalmente e outros casos em que são internacionalmente inválidas.
Quando, apesar dessa violação, as convenções são válidas, cumpre ao Estado Português, apesar de tudo, observá-las, não sendo lícito a qualquer órgão jurisdicional ou político declarar a sua inconstitucionalidade orgânica.
Quando tais convenções são inválidas, pergunta-se que órgão ou que órgãos hão-de ter competência para apreciar
33 V. ob. e ed. cit., p. 622.