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664 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 67

Segundo o Regimento de 1608 da Mesa da Consciência e Ordens, a esta pertencia-lhe conhecer dos negócios das três Ordens Militares do Reino, índias Orientais, Estados do Brasil e mais partes ultramarinas (cf. Marcello Caetano, 0 Governo e a Administração Central apôs a Restauração, in História da Expansão Portuguesa no Mundo, m, 1940). Entre 1617 e 1626, foi primeiro criado e depois instalado o Estado de Maranhão, repartindo-se assim o Brasil em dois grandes Estados (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 2." parte, I, p. 806):

... do Marauhâo, englobando o Pará, Maranhão e Ceará..., e o do Brasil, que compreenderia as terras desde o Ceará até Santa Catarina.

O Estado do Maranhão veio depois a tomar, sucessivamente, o nome de Estado do Maranhão e Grão-Pará, de Estado do Grão-Pará e Maranhão e de Estado do Grão-Pará e Rio Negro (cf. Artur César Ferreira Reis, Dicionário de História de Portugal, n, p. 918 e segs. Ver também Hélio Viana, História do Brasil, i, 7.a ed., 1970, pi 18 e segs).
A Constituição de 1822 passa, pelo que respeita ao Reino do Brasil, a considerá-lo dividido em províncias e deixa de aludir a «Estados» em relação a outros territórios ultramarinos portugueses, incluindo os da Península Indostânica. Perdido o Brasil, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1833 procedem em termos idênticos aos da Constituição de 1822, em relação aos restantes territórios. Em todo o caso, na Carta Orgânica das Províncias Ultramarinas de 1 de Dezembro de 1869 (Rebelo da Silva) encantramos (referência ao Estado da índia, referência retomada, no plano constitucional, em 1933.
A ideia de substituir a designação «Províncias» pela de «Estados» esteve na ordem do dia no último vinténio do século passado. Defendeu-a sobretudo Júlio de Vilhena, em ligarão com a solução de desconcentrar em comissários régios as mais elevadas responsabilidades do Estado Português em matéria administrativa. De acordo com tal ideia, todo o território ultramarino português seria dividido em Estados, tendo à frente esses comissários régios: o Estado da índia, compreendendo a Índia, Macau e Timor; o Estado da África Oriental, compreendendo o território de Moçambique; o Estado da África Ocidental, compreendendo o território de Angola, e o Estado da África Insular, compreendendo a Guiné, S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde (cf. Dr. Júlio de Vilhena, Antes da República, I, Coimbra, 1916, pp. 246 e 353). No 2.° suplemento desta obra, editado em 1918, em que responde às criticas de Chaves de Castro, aparece, entretanto, omitido o Estado da África Insular, sendo os respectivos territórios incluídos no Estado da África Ocidental, atrás referido (p. 34).
Na última passagem de Júlio de Vilhena pelo Ministério, a ideia teve começo de execução com o Decreto de 30 de Setembro de 1891. No artigo 1.° deste diploma é atribuída à então chamada província de Moçambique a designação de Estado da África Oriental.
Não há dúvida de que a designação de Estado era para Vilhena constitucionalmente irrelevante. Tão irrelevante que, certeiramente, Chaves de Castro, partindo do decreto citado, lhe pôde dizer (cf. Júlio Marques de Vilhena e o seu livro Antes da República, Coimbra, 1918, p. 27):

... a muito pouco se reduzia a reforma das províncias ultramarinas (por Júlio de Vilhena indicada). Mudava-se-lhes o nome, fazia a sua divisão em províncias e estas em distritos e intendências, criava-se uma ou outra comarca e entregava-se a administracã0 do Estado a um comissário régio e ficava salva a Pátria.
Eis — acrescentou — a que ficou reduzida a organização do Estado da África Oriental, tão pomposamente inculcada... e que nada produziu, sendo-lhe aplicável o Parturiunt montes, nascitur ridiculus mus.

Verifica-se, portanto, que a proposta utiliza no artigo em apreço a expressão «Estados» numa daquelas acepções figuradas ou metafóricas de que não apenas ela mas muitas outras palavras são susceptíveis. Repare-se num desses sentidos, na seguinte passagem de um discurso do Prof. Salazar (Discursos, vi, p. 297):

... As grandes províncias ultramarinas são na legislação actual verdadeiros estados administrativamente autónomos integrados politicamente.

Só translatamente se pode falar em Estado com este alcance.
E, pois, um facto que a designação de «Estado» está longe de ser desconhecida na história da nossa administração ultramarina e, em certa medida, pode, assim, considerar-se uma designação tradicional.
Verifica-se, por outro lado, que essa designação serviu, no passado, para exprimir uma certa organização da administração de grandes territórios ou grupos de unidades territoriais na administração directa ou indirecta do Poder Central, em nada correspondendo ao sentido técnico, que hoje a expressão comporta, de entidades territoriais dotadas de soberania interna e externa, ainda que, em certos casos, restrita ou limitada.
Visto que, como se mostrou, as províncias ultramarinas portuguesas não são entidades soberanas nem externa nem internamente, e são, tão-só, entidades auxiliares do Estado Português, Estado unitário, de que fazem parte, a designação que, porventura, lhes seja, em concreto, atribuída não pode ter senão, como na proposta se pretende, um significado ou alcance honorífico. As províncias ultramarinas portuguesas, tidas em conta as soluções constitucionais até hoje consagradas e aquelas que são propostas, não são entes soberanos, não têm soberania, não são juridicamente Estados. Poderão, sim, vir a ser designados «Estados», como honorificamente os Algarves foram, pelo menos de 1822 até 1911, considerados «reinos».
Poderá pensar-se em que estas fórmulas honoríficas são politicamente inconvenientes? Nunca se verificarão secessões políticas ou perdas de territórios nacionais por causas desta ordem. O «reino do Brasil» perdeu-se, não por causa desta qualificação, mas porque outros e muitos diversos factores operaram nesse sentido. E os «Estados» que tivemos não se tornaram jamais independentes. Aventar ou recear inconvenientes para a consagração da possibilidade prevista no texto proposto é admitir que um nada (um título ou honra) baste por si só para desencadear ou acelerar um movimento de independência das províncias ultramarinas ou de alguma delas. Não se crê que um semelhante temor seja realista. Não haja, portanto, medo das palavras!
Entretanto alguns procuradores entenderam que a expressão «Estados» não se justifica, por ser equívoca politicamente e cientificamente inexacta. Quanto a considerar-se as províncias ultramarinas como regiões autónomas a Câmara já versou o problema a propósito do artigo 5-° Somente se impõe dizer neste momento que alguns pro-