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16 DE MARÇO DE 1971 677

A consagração na lei fundamental de uma directriz e de um princípio de regulamentação estritamente neutralista e liberalizante teria, aliás, o muito real inconveniente de vincular o legislador comum a disciplinar a matéria nessa orientação, o que importaria a impossibilidade de, em tempos como os de hoje, em que o País se encontra a braços com sérias dificuldades no âmbito da sua defesa e da sua integridade, preservar a frente interna contra os seus inimigos. A única forma por que lhe seria dado mantê-la coesa contra a propaganda mais ou menos persistente, insidiosa e hábil desses inimigos seria a de suspender parcialmente garantias constitucionais, de acordo com a faculdade que, na sua proposta de lei n.° 14/X, virá porventura a inscrever-se na Constituição. Ora normalmente não há-de ser preciso nem se deverá ir tão longe.

3. Salientam-se, por outro lado, no projecto em apreço, algumas alterações que nada de substanciai representam em relação ao que já hoje se encontra estatuído e articulado na Constituição, e vêm a ser pràticamente reformulações desnecessárias, sempre de condenar, justamente por isso mesmo. Estão nestas condições, segundo se crê (para só falar nas que respeitam a preceitos não analisados pela Câmara no seu parecer n.° 22/X), as referentes ao artigo 6.°, n.ºs 1.º e 3.°, ao artigo 8.°, n.ºs l.° - A, 4.°, 6.º, 19.°, e § 1.°, e ao artigo 11.°
a) Não custa admitir que o artigo 6.°, n.°s 1.° e 3.°, interpretado no contexto dos restantes números e de acordo com o pensamento neles subjacente, contenha o que no projecto se pretende que eles expressamente consignem como directriz sobre os fins do Estado Português - que é um Estado social, melhor, que é um Estado social de direito.
Do que se trata, no conjunto do artigo 6.°, é de traduzir na Constituição as linhas mestras da concepção cristã social sobre os deveres do Estado nas relações com os elementos estruturais da comunidade nacional. Não se requer, realmente, nenhuma melhoria formal para expressar um pensamento e uma doutrina que constituem o essencial do "regime" consagrado na Constituição. Não se exige mais para significar que esta se não encontra apegada aos cânones liberais e individualistas e se acha, pelo contrário, dominada ou informada pelos princípios de solidariedade ou da socialidade. Não se exige mais para caracterizar o regime constitucional estabelecido, para evidenciar as correspondentes directrizes endereçadas ao legislador ordinário, para impulsionar a acção política do Governo e para balizar e orientar a actividade interpretativa das leis e demais normas pelos juizes.
b) Não acrescenta nada ao significado da actual a nova redacção sugerida no projecto para o artigo 8.°, n.° l.° -A. Por um lado, o direito ao trabalho não pode deixar de ser concretizado por leis ordinárias. A lei, portanto, é que há-de efectivar este direito, é que há-de prescrever sobre os termos em que ele se exerce. Nem se diga que, a ser assim, o legislador pode chegar a negá-lo, como direito fundamental - porque uma lei que procedesse desta maneira, comprimindo-o até o desconhecer e aniquilar, seria inconstitucional.
Aliás, a declaração constitucional sobre o direito ao trabalho não significa senão que o legislador deve promover a realização das condições que o tornem efectivo, designadamente legitimando intervenções da Administração no âmbito da economia privada, em ordem a conseguir o pleno emprego. Em correlação com esta directriz, são de ter em conta os artigos 31.°, n.° 1.°, e 35.°
De modo nenhum, supõe-se, se terá querido ir, no projecto, ao ponto de inculcar que os trabalhadores têm um direito à conservação do seu emprego, não podendo, por isso, ser despedidos, e um direito à obtenção de uma ocupação. Sobre este último ponto, vejam-se as considerações desta Câmara, constantes do seu parecer n.° 13/V (Diário das Sessões, n.° 74, de 24 de Fevereiro de 1951) cuja actualidade se mantém.
c) A alteração proposta para o artigo 8.°, n.° 4.°, que se traduz no adicionamento de um novo número, nada de substancial acrescenta ao que nesse n.° 4.° já se encontra dito. A liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma implica, numa das suas conotações que é a liberdade de imprensa, o direito ou liberdade de informação, afinal um dos meios pelo uso dos quais aquela liberdade se exprime, posto que será restringida ou anulada na medida em que este uso não seja livre. É de resto por esta fórmula que os Anglo-Saxões e os Franceses hoje geralmente se referem à liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa é, afinal de contas, também a liberdade de informação.
d) A modificação no n.° 6.° do artigo 8.° não pode significar mais, nem coisa diversa, do que o que neste preceito hoje se encontra expresso. Constituiria um exagero manifesto e inadmissível a consagração da absoluta inviolabilidade de domicílio, que não tem, segundo se crê, correspondência no direito comparado. Veja-se, por exemplo, o que se dispõe na Constituição da democrática Itália (artigo 14.°) e na da igualmente democrática República Federal da Alemanha (artigo 13.°).
e) A nova formulação do mesmo número do artigo 8.°, quanto ao sigilo da correspondência, seria, também, tomada à letra, demasiado absoluta, já que não se prevê que circunstâncias excepcionais (como a guerra e graves perturbações da ordem pública) possam implicar uma limitação do segredo da correspondência (postal, telegráfica e telefónica), nem que ao legislador ordinário seja lícito introduzir-lhe restrições em desfavor dos que estejam em certas condições (por exemplo, dos que estejam a cumprir pena). Crê-se que o projecto de lei não quererá ir tão longe - pelo que se tem de interpretar como não querendo dizer, afinal de contas, senão o que já se encontra dito.
f) Constituiria uma melhoria, meramente formal, substituir, no artigo 8.°, n.° 19.°, a expressão "garantias individuais", hoje usada neste preceito, por "direitos, liberdades e garantias individuais", como vem projectado. O sentido das duas expressões é, no caso, manifestamente o mesmo.
Não se nega que a segunda parte do preceito, que consagra o direito de legítima defesa perante agressões, esteja deficientemente redigida, restingindo-o às agressões particulares. Mas o facto não tem impedido o legislador ordinário de dispor sobre a matéria nos termos cientificamente mais correctos, não distinguindo entre as agressões, para efeitos de legítima defesa (artigos 44.°, n.° 5.°, e 46.° do Código Penal e artigo 337.°, n.° 1, do Código Civil). O que verdadeiramente poderia interessar mais seria mencionar que a agressão que legitima a defesa do agredido é a agressão ilícita. Mas nem tanto é estritamente necessário. Decorrido o processo interpretativo, é assim que o texto em causa deve ser e vem sendo lido.
g) O projecto, no que respeita às alterações que pretende ver introduzidas no título II da parte I e, em especial, no artigo 8.°, caracteriza-se pela preocupação de ver constitucionalmente consagrados ou reconhecidos, tanto quanto possível sem limitações, mesmo as que se estabeleçam em lei ordinária, todos os direitos fundamentais que