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o sejam segundo uma concepção jusnaturalista - individualista - quando, pelo contrário, a Constituição, na sua redacção actual, é, pelo menos formalmente, mais restritiva, na medida em que no §1.° do artigo 8.° perfilha uma orientação enumerativa (devolvendo, aliás, completamente, para outros lugares da mesma lei fundamental) e em que, por outro lado, consigna, numa visão solidarista e comunitária, directrizes sobre os termos em que geralmente os cidadãos deverão fazer uso deles. Julgou o legislador constituinte não dever devolver, pura e simplesmente, para uma doutrina ou concepção filosófica sobre os direitos fundamentais, até pelo que tal orientação importaria de incerteza. E não se mostraram, até hoje, inconvenientes que pretensamente tenham resultado desta posição do legislador constituinte. E igualmente se não vislumbram prejuízos do facto de se prescrever, como se prescreve no § 1.° do artigo 8.°, sobre as limitações em geral ao uso dos direitos em questão.
h) Não pode, por seu turno, haver dúvidas de qualquer ordem sobre que a redacção sugerida para o artigo 11.° não acrescenta absolutamente nada ao que já se encontra expresso no texto actual desta disposição.
4. No projecto em análise, pretende-se ver reconhecido, dentro da sobredita orientação individualista estreme, um ilimitado direito fundamental de circulação e de residência no território nacional, um direito de saída e entrada e um direito de emigração, os quais se nos apresentam, assim, como assumindo, ao lado dos outros, uma espécie de preferred position, como sendo uma espécie de superdireitos fundamentais. Já no parecer n.° 22/X se mostrou como em dias de hoje não é possível reconhecer um incondicionado direito de permanência, mesmo a nacionais, em território ultramarino. Por outro lado, além de motivos de ordem pública e de segurança, razões de salubridade podem justificar restrições aos direitos de livre residência e de livre circulação no território nacional, em geral. Em matéria de direito de aller et venir, há que lembrar que ele é ou deve poder ser por lei condicionado à obtenção de passaporte. Em tal matéria, e na referente ao direito de emigração, não são despiciendas as limitações a estabelecer a liberdade individual, designadamente tendo em conta razões atinentes à prestação do serviço militar obrigatório, de ordem económica, de ordem penal e outras. A própria Constituição italiana, no seu artigo 35.°, prevê expressamente limites à liberdade, de emigração, já que a consagra, "salvas as obrigações fixada na lei no interesse geral". Tenha-se em conta, especialmente, o facto de a emigração por motivos de trabalho poder assumir um carácter colectivo.
São, pois, variadíssimas e amplas as limitações que o interesse comum requer ao exercício dos referidos direitos de deslocação, residência, entrada e saída e emigração. E é por essas limitações poderem, em alguns casos, ir até à negação deles que o legislador constituinte terá julgado preferível, de um modo geral, não os consagrar como direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos - deixando inteira liberdade ao legislador ordinário para os definir e regular. E a direitos como estes que o § 1.° do artigo 8.º se terá querido referir quando diz que "a especificação destes direitos e garantias não exclui quaisquer outros constantes... das leis..." 1.
Não se vê que considerações fundadas em uma concepção que faz do indivíduo um ser absolutamente independente, dotado de direitos naturais superiores ao interesse geral ou ao bem comum, devam forçar a conceber a necessidade de os referidos direitos surgirem como constitucionalmente previstos, reconhecidos e garantidos.
5. Fecha o projecto o quadro das modificações que pretende ver introduzidas na parte I da Constituição com uma alusão específica do artigo 56.° Entretanto, a redacção deste preceito, que nele se propõe para substituir a actual, esquece a necessidade ou, quando menos a vantagem de que na nossa época, mesmo em tempo de paz, se adaptem e canalizem as energias morais dos cidadãos para a finalidade suprema, que é e será a defesa da Nação e a sua vitória sobre quantos adversários se lhe deparem. Em determinadas circunstâncias, as instituições civis de que hoje naquele artigo se fala hão-de mesmo poder ser organizadas militarmente (como já se acentuou no parecer desta Câmara n.° 40/VI- Actas de Câmara Corporativa, 1956, n.° 86).
0 que no projecto em apreciação se sugere não corresponde às necessidades ou conveniências mencionadas, segundo parece.
Não é que o texto do projecto contenha qualquer ideia menos feliz. Ele é até, por sinal, pràticamente decalcado num preceito em vigor, a base XXVII da Lei n.° 2084, de 16 de Agosto de 1956. Simplesmente, reproduzi-lo na Constituição não adianta nada, e suprimir o actual artigo 56.° da Constituição é certamente nocivo.
6. O projecto visa alterar a parte II da Constituição em vários pontos relativos aos quatro órgãos da soberania.
Em primeiro lugar, as modificações respeitam ao Chefe do Estado, sua eleição e sua competência e, bem assim, às atribuições do Conselho de Estado, órgão que, como se sabe, coadjuva o Presidente da República.
Sobre a alteração que se pretende introduzir na forma de eleição do Presidente da República, a Câmara perfilha o ponto de vista do Sr. Presidente do Conselho, expresso no seu discurso relativo à revisão constitucional em curso e, em especial, à proposta de lei n.° 14/X, proferido perante a Assembleia Nacional em 2 de Dezembro de 1970, pelas seguintes palavras:
Será discutível a forma de eleição do Chefe do Estado. Mas não se afigurou conveniente, a tão curta distância da resolução tomada sobre o assunto na última revisão, voltar a controvertê-lo. Há que prosseguir na experiência da fórmula adoptada e colher daí lição para mais tarde formar um juízo fundado sobre a conveniência de a conservar ou substituir.
A Câmara não vai, portanto, repetir aqui, neste momento, a argumentação que, em favor do sistema de designação hoje consagrado, expôs no seu parecer n.° 10/VII (Actas da Câmara Corporativa, 1959, n.° 49). Nem vai contrapor a essa a que se pode alinhar em defesa do sistema que, no projecto em apreço, agora de novo se advoga. Os dois sistemas têm naturalmente os seus adeptos e ambos são consagrados no direito constitucional comparado. Tudo, em substância, começa por depender das atribuições, simplesmente políticas ou políticas e administrativas, que se pretenda conferir ao Presidente da República. Num sistema presidencialista puro ou tão aproximado quanto possível dele, a eleição tenderá a ser formal ou substancialmente realizada por sufrágio universal e directo. Nos sistemas de presidencialismo diárquico, e, so-
1 Note-se que será legítimo dizer-se que o direito de emigração está constitucionalmente definido, podendo o legislador ordinário, tão-só, discipliná-lo ou regulá-lo. Será esse, porventura, o entendimento que melhor quadra ao artigo 31.°, n.° 5.°