17 DE NOVEMBRO DE 1971 1005
57. Estas considerações não deverão impor, do entanto, uma total abstenção no que respeita a adaptações reconhecidamente necessárias e justificadas.
De entre as adaptações desse tipo previstas na presente proposta de lei, salienta-se a da supressão do regime fiscal das acumulações, instituído pelo Decreto-Lei n.° 45 400, de 30 de Novembro de 1963, quanto às actividades que se traduzam na prestação de serviços ao Estado, a autarquias locais ou a pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
O Governo propôs a abolição, em geral, desse regime na Lei de Meios para 1970, tendo sido aprovada a proposta sob condição de que fosse revisto o regime das acumulações, de modo a dificultá-las, nos termos do artigo 40.° da Constituição. A prestação de serviços ao Estado, autarquias locais e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa em regime de acumulação com outras actividades por conta de outrem beneficia já de um tratamento preferencial introduzido pelo Decreto-Lei n.° 46 369, de 7 de Junho de 1965.
O Governo considera, porém, oportuno isentar do regime de acumulação os rendimentos provenientes de tais actividades, ponderando que a modificação poderá facilitar a colaboração com a Administração do necessário pessoal qualificado sob o ponto de vista técnico e cientifico.
O regime fiscal das acumulações continuará, assim, a manter-se para os demais rendimentos do trabalho, não obstante terem sido elevadas as taxas do imposto profissional de um máximo de 8 por cento para um máximo de 15 por cento, conforme autorização concedida pela Lei de Meios para 1970.
58. A revisão do regime tributário das mais-valias, a que o Governo estava autorizado a proceder durante o ano em curso, foi objecto de estudos cuidadosos, sobretudo no domínio do direito comparado. Tais estudos permitiram assinalar uma tendência muito significativa de equiparação das mais-valias ou ganhos em capital a rendimentos ordinários, para efeitos fiscais. Nesse sentido concluem por via de regra as exposições teóricas, ainda que os sistemas fiscais apenas comecem a reflectir a sua influência.
É frequente contarem-se já como rendimentos ordinários os ganhos em capital a curto prazo, que oscila entre os seis meses e os dois anos, mantendo-se, no entanto, um tratamento diferenciado para os ganhos a longo prazo. Aceita-se ainda que as mais-valias só devam ser sujeitas a imposto quando realizadas, mas há correntes no sentido da sua tributação em estado meramente potencial.
Postas de lado as discussões teóricas e as diferenças entre as várias experiências práticas, não se contesta hoje
a necessidade de chamar ao campo de incidência tributária a ampla generalidade das mais-valias, sob pena de se obterem resultados falseados no processo de distribuição de carga fiscal. As mais-valias representam em muitos países, pelo menos, metade do rendimento potencialmente tributável, equivalendo ao montante dos rendimentos ordinários em sentido próprio. Não se tratando de categorias estanques e dado o relativo favor fiscal de que beneficiam as mais-valias produz-se uma natural tendência para emprestar a configuração de ganhos em capital àquilo que poderia apresentar-se como verdadeiro e próprio rendimento ordinário.
Não se trata, porém, de terreno que permita soluções improvisadas, como o demonstra a prudência com que por toda a parte os legisladores têm aceitado as conclusões mais salientes da doutrina. No nosso caso exigem-se cuidados redobrados, em virtude da fase de desenvolvimento económico e social que o País atravessa. Há que evitar situações que possam afectar gravemente o processo de desenvolvimento da economia nacional. Por outro lado, a adopção de um regime de tributação generalizada das mais-valias requereria transformações substanciais no aparelho administrativo do nosso sistema fiscal e a modificação de alguns dos condicionalismos de base sobre que assenta o sistema de transacções de instrumentos financeiros e de bens de capital. Não é essa uma obra que possa empreender-se no decurso de um ano económico, sobretudo quando ainda se não estabilizou completamente o sistema vigente, que continua a reclamar um considerável esforço de adaptação das estruturas por que é servido.
Decidiu por isso o Governo não manter o pedido de autorização que formulara na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano em curso, no que respeita à revisão genérica do regime tributário das mais-valias. Não se põe de parte o objectivo de instituir um imposto que tribute de forma apropriada a generalidade das mais-valias, nem se abandonam os estudos e trabalhos preparatórios necessários para esse efeito. Reconhece-se, porém, que se trata de uma obra a realizar progressivamente e que prèviamente terão de ser criadas as condições de que depende a sua efectivação. Essa é uma tarefa necessariàmente morosa, em que as improvisações e soluções apressadas provocariam o risco de impor à colectividade os mais graves transtornos e prejuízos.
Espera, no entanto, o Governo utilizar a autorização concedida pela Lei de Meios em vigor para introduzir uma modificação nas regras do imposto de mais-valias, tal como vem sendo aplicado. O objectivo dessa modificação será sujeitar ao imposto todos os ganhos auferidos com base em emissões de acções com reserva de preferência, seja quem for o beneficiário desta. A modificação é imposta pelas circunstâncias do mercado, onde passou a ser relativamente frequente emitir acções com reserva de preferência para entidades não accionistas. Sob o ponto de vista fiscal, não há razão para tributar os ganhos auferidos com as emissões de acções com reserva de preferência apenas quando sejam antigos accionistas os beneficiários desta: o imposto deve atingir o ganho objectivamente, sem dependência da qualificação do seu titular. Aliás, nunca se pensou de outra forma. O sistema não considerou tão-sòmente hipóteses sem relevo nem alcance prático na época em que as suas disposições foram promulgadas.
59. Não inclui ainda a presente proposta de lei qualquer disposição relativa à abolição dos adicionais às contribuições e impostos do Estado e do imposto de comércio e indústria, a que se fez demorada referência no n.° 81 do relatório da proposta de lei de meios para o ano em curso. Tal objectivo continua inserto na linha da política fiscal que o Governo entende dever prosseguir, pelas razões que foram divulgadas no referido relatório. Verificou-se, porém, que a sua execução se reveste de maiores dificuldades do que as inicialmente previstas, dados os numerosos interesses em jogo, todos servidos por uma regulamentação extremamente complexa, dispersa e interdependente. Dentro da orientação realista, que se prefere, de não solicitar autorizações que provàvelmente não seriam utilizadas no ano para que foram concedidas, vai omitida qualquer alusão ao assunto no articulado da presente proposta de lei. Admite-se, contudo, que os estudos que têm vindo a efectuar-se fiquem concluídos durante o ano fiscal de 1972, de forma a permitir que a autorização para proceder às correspondentes alterações possa ser firmemente solicitada para o ano de 1973.