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54 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 86

Estado a estender a sua acção os terras da África de Portugal; terras que contribuem para que o País seja o que é na sua estrutura política e económica.

Lisboa e as terras do continente e da metrópole portuguesa são o que são devido ao seu complemento africano.

Se Lisboa e a metrópole servem a essas actividades, forçoso é que as mesmas não ignorem as terras que mais precisam da sua intervenção, quero dizer: as terras que nos pertencem do continente africano.

Repito: quem tem capitais para trabalhar em Portugal e aqui faz largas operações de crédito, deve ser levado a estender o seu campo de acção às nossas colónias africanas.

Ao Estado compete facilitar essa missão promovendo o regresso à unidade da moeda e a fusão dos institutos emissores.

Uma só moeda, um só banco emissor, correspondendo a uma só economia e a uma só Pátria.

Ao Estado compete também proteger, auxiliar e amparar todas essas actividades no novo campo de acção que se lhes abre.

O trabalho maior está feito. Esse foi o equilíbrio dos orçamentos metropolitano e coloniais, o saneamento da administração pública, na metrópole e nas colónias, e o equilíbrio da balança de pagamentos vista no seu conjunto - metrópole e colónias.

Com tudo isso nos tornámos senhores da nossa moeda e dos nossos destinos.

Governar mantendo nas colónias o trabalho feito, é bom, muito bom, mas agora já nos parece pouco.
Chegou, a hora de se iniciar nas colónias um grande esforço para promover a sua valorização.

Põe-se o problema dos capitais.

Os dos portugueses e os dos que em nós confiam e o nosso potencial de crédito, e, com esses elementos, o saber e a experiência dos que dirigem os nossos grandes estabelecimentos bancários, devem pôr-se ao serviço da Nação, valorizando o nosso Império africano tal como se tem valorizado e se está valorizando o nosso continente.
Hoje estas ideas nem sequer são originais.
Assim vejo o problema.

A criação em Angola dos chamados casais de família afigura-se-me, pelo menos por agora, inadequada.
Na África equatorial, tal como na América central ou na do sul, ou na Austrália, a propriedade que interessa ao colono é a propriedade que seja livre, o mais rapidamente possível, e facilmente negociável.
Daí o sucesso, nos países novos, do chamado sistema Torrens.
Do largo estudo que fiz ao regime da propriedade de uma das nossas colónias resultou um projecto de lei, que também foi perfilhado pelo professor Sr. Dr. Vieira da Rocha, tendente a implantar nessa colónia o chamado regime Torrens 44.
Em Moçambique já ele vigorava desde 1909, com vantagens reconhecidas, devido aos esforços do então coronel Sr. Belegarde da Silva, que muito se ocupou, entre nós, do problema do cadastro geométrico da propriedade rústica.
Havia ao tempo a idea de alargar o regime Torrens às outras colónias de África.
Na metrópole, onde existe a propriedade familiar com grandes tradições, e, também, da parte do nosso povo, um grande amor à terra, o regime do casal de família compreende-se e justifica-se.
Pena é que, apesar disso, se não tenha generalizado. Talvez por alguns dos seus defeitos, que são a natural contrapartida de algumas das suas vantagens.
Em Angola e Moçambique parece-me que será, por agora, um embaraço à obra de colonização que se projecta.
Bem pelo contrário, continuo preconizando e defendendo, nas nossas duas grandes colónias de África, o regime Torrens.

Afigura-se-me também, pela amplitude que tem no projecto a máquina administrativa, que a colonização que se tem em vista será muito dispendiosa e que o sistema adoptado será de pequeno rendimento.
Faça-se o confronto, por exemplo, com a maneira como trabalham no Brasil os serviços de immigração e colonização, e ver-se-á o pessoal reduzidíssimo que ali se ocupa da instalação dos núcleos coloniais 45.

Parece-nos que o projecto não assenta, em bases sólidas.
Desejaríamos também que êle nos desse alguns esclarecimentos que não nos dá.
Que base se tomou, por exemplo, para as percentagens que se estabelecem no regime inicial do emparceiramento agrícola?
Que culturas e que contas de cultura serviram para se chegar àqueles números?
E também que despesas se prevêem para a realização deste plano?
E destas, quais as que se têm como recuperáveis?
Que fundamento para o número de hectares estabelecido para as fazendas dos colonos da colonização dirigida e para as dos colonos da colonização livre?

A questão essencial da mão de obra, indígena ou constituída por assalariados europeus, também aparece cm suspenso.

Em vez dêste e de muitos outros elementos de estudo que precisariam melhor a orientação do projecto, contém êste detalhes e minúcias a que é ocioso fazer referência e que, salvo melhor opinião, não deveriam ser incluídas num diploma basilar e orgânico.

«Na Indo-China, como em Marrocos - disse o marechal Lyautey, um dos fundadores do império colonial francês -, a acção não é irmã do sonho. É preciso saber para onde se vai e o que se vai fazer; uma preparação minuciosa, a fim de evitar o mais possível o acaso».

Seja porém como fôr, a verdade é que o projecto revela o propósito louvável de enfrentar um dos grandes problemas, da nossa nacionalidade e que da execução, mais talvez do que da própria concepção, dependerá o sucesso que se procura.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

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44 Vide Diário do Governo, 2.ª série, de 14 de Fevereiro de 1917.
45 Conferência do signatário, na Escola do Exército, na Semana das Colónias, em 1989.

IMPRENSA NACIONAL na LISBOA