236 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 104
para fertilização e eficaz defesa de todas as várzeas, ou seja das mais ricas parcelas do território nacional.
Melhorados, quer a qualidade quer o fabrico do milho, poderia a percentagem de inclusão dêste cereal no pão subir, sem inconveniente, de 20 para 25 por cento, o que junto a 5 por cento que se encorporassem de arroz ou centeio, consoante as regiões do País, reduziria a participação do trigo de 80 para 70 por cento, ou seja uma economia de cêrca de 50 milhões de quilogramas de trigo, representados por mais de 50:000 contos que o País deixaria de importar e se fixariam em grande parte nos meios rurais, matando muita fome e enxugando muitas lágrimas.
Êste o aspecto geral e directo do problema, mas não é o único que interessa focar, visto que a cultura, sem restrições desnecessárias, e antes protegida, de um e outro dêstes cercais, traz consigo as seguintes vantagens:
Quanto ao arroz:
1.º A possibilidade de obtermos de um hectare de terra cêrca de 6:000 quilogramas de cereal, ou seja cêrca de cinco vezes a produção média obtida com a cultura do trigo, e pela liberdade de transferência de searas, a possibilidade, recorrendo a afolhamentos, de melhorarmos ainda o rendimento e, sobretudo, de deminuirmos o custo de produção;
2.º Uma utilização de mão de obra rural cêrca de dez vezes mais intensa do que na cultura do trigo, sabido que um hectare cultivado com trigo fixa nos meios rurais cêrca de 260$, ao passo que a despesa com a cultura do arroz ascende a cêrca de 2.500$. Se da comparação com o trigo derivarmos para a comparação com os prados naturais, utilização que com frequência se dá às terras aptas para a cultura do arroz, e considerarmos uma parcela de uns 40 hectares, insuficiente de resto para a sustentação integral de um rebanho de gado, vemos que onde se justificaria a actividade de um só homem e de um ajuda, ou sejam dois salários totalizando anualmente uns 5.000$, passa a cultura do arroz, efectuada nessa mesma parcela, a despender em salários cêrca de 100.000$, ou seja vinte vezes mais. Temos assim que, sob o aspecto social, essa mesma terra, quando cultivada de arroz, serviu a comunidade na relação de l para 20, ou seja vinte vezes melhor;
3.º Nenhum risco de inundações, resistência à erosão e apreciável tendência para a deposição de nateiros sôbre a terra encanteirada.
Quanto ao milho:
1.º Uma produção média de coreu de 900 quilogramas, superior, por conseguinte, à média de 830 conseguida com a cultura do trigo;
2.º Uma imobilização em sementes de cêrca de um têrço em quantidade e de cêrca de um quinto em valor, de onde resulta uma economia de cêrca de 40:000.000$ no valor de sementes na cultura do milho por comparação com a do trigo;
3.º Ocupação do terreno por uns escassos seis meses, contra cêrca de dezoito a que obriga a preparação e cultura do trigo, circunstância esta da maior importância, em países de escassa superfície, como o nosso;
4.º Menores exigências na adubação química, embora a agradeça e remunere generosamente;
5.º Nenhum risco de erosão;
6.º Possibilidade, quando convenientemente tabelado o preço, de fazer chegar à quási totalidade dos pequenos agricultores do País um pouco de desafôgo, promovendo assim uma distribuição mais humana da riqueza.
Levaram as estradas, os melhoramentos rurais e tantas outras magníficas realizações do Estado Novo justiça e bem-estar a todos os centros populacionais do País; levaria qualquer porção de pão, do pão que advogo e classifico de nacional, uma parcela de bem-estar à mais escondida cabana das nossas serranias, visto que das serras mais pobres às mais ricas várzeas, de Trás-os-Montes ao Algarve, todas as regiões do País, sem excepção, seriam chamadas a participar na mais patriótica das tarefas: a de nos bastarmos daquilo de que mais necessitamos, o pão nosso de cada dia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bom!
O Sr. Formosinho Sanches: - Sr. Presidente: pelo Ministério das Finanças foi aberto um crédito em favor do das Obras Públicas, na importância de 20:000 contos, para despesas provenientes de estragos e prejuízos causados pelo ciclone que acaba de assolar o País.
Se é de todo o ponto justo e necessário que aquele Ministério teme desde já providências tendentes a remediar quanto possível a grande desgraça que nos surgiu, reparando estradas, reconstruindo habitações, preparando terras, replantando, salvando, emfim, tudo quanto ainda seja susceptível de remédio, não é menos justo, indispensável e urgente que se acuda a uma classe que já se debate na mais extrema miséria, na mais pavorosa desolação, no mais cruciante sofrimento, porque não tem abrigo, tem fome, tem frio e não pode, se lhe não valem desde já, angariar os recursos de que necessita para não morrer.
É urgente acudir aos pescadores de Portugal!
Há centenas de famílias sem abrigo, milhares do pessoas com fome e com frio, milhares de homens de bem, sãos e valentes que se encontram impossibilitados de trabalhar, porque o mar lhes arrebatou os seus barcos, os seus aparelhos, as suas rêdes!
E barcos e aparelhos e rêdes não podem obtê-los com urgência e com facilidade, porque nada possuem para os adquirir.
É indispensável, é urgente, que lhos forneçam; é absolutamente forçoso que todo o País acuda aos pescadores portugueses, aos quais a convulsão arrebatou e destroçou o único recurso que possuíam para conseguir com permanente risco das suas vidas, à custa de tanta dor e tanta lágrima, insuficientes meios de vida e reduzido pão para os seus filhos.
Sem barcos, sem rêdes, sem aparelhos, os braços cruzados ou desalentadamente caídos ante a imensidade do mar, que em fúria os desafia a toda a hora para essa luta eterna em que quási sempre os vence e só à custa de indiscritíveis esforços e sacrifícios lhes concede, de vez em quando, uma efémera abundância de pão, vertem lágrimas de desespêro, desalentados, impotentes ante êste golpe imprevisto da fatalidade, que os prostará vencidos se imediatamente não foi-mos todos, unidos e fortes, dar-lhes alento, auxílio e pão.
Sr. Presidente: a V. Ex.ª peço que seja intérprete do País inteiro junto do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Marinha para que se valha imediatamente a êsse grande pedaço da alma portuguesa, a essa pléiade de lutadores humildes, valentes e sãos, como os não há em todo o mundo, corações sempre abertos, corpos sempre prontos ao sacrifício para salvar o seu semelhante, rostos sempre dispostos a lágrimas de dor e comiseração pela desgraça alheia.
Núcleo valoroso, incorruptível, puro, da raça portuguesa!
Eterna vítima, cujo sacrifício constante, grande, tam grande como incompreendido, constitue um dos maiores factores da relativa abundância em que vivemos.
Almas sempre alanceadas pela dor e pela miséria, vestes, quando as há, sempre negras, de luto pelos que o mar, o eterno amigo e o eterno algoz, lhes arrebata