4 DE DEZEMBRO DE 1941 14-(31)
resolver nos seus aspectos peculiares, sem perder de vista a solução de conjunto, desde a nascente até à foz.
Estes diversos aspectos da questão são os relativos à regularização de caudais e à criação de leitos de estiagem e leitos de inverno, em que os caudais caibam em todos os seus estados sem prejudicar os campos ribeirinhos, com as naturais consequências benéficas no exercício da agricultura, que terá durante o verão água bastante para, com facilidade, regar as terras e durante o inverno não estará sujeita à invasão desordenada das águas das cheias.
Em certos casos será mesmo possível acomodar os leitos para o exercício da navegação - conjugando as obras de regularização dos leitos com outras, de maior vulto, de retenção de águas para seu aproveitamento na produção de energia -, pelo menos durante uma grande parte do ano, com o que muito lucrará também a economia das regiões situadas dentro das zonas de influência dos rios beneficiados, visto que numerosos exemplos há de produtos para os quais a barateza do transporte é quási tudo e secundário o factor tempo.
Nesta ordem de ideas, brigadas de estudo dos serviços hidráulicos foram e continuam empregadas no levantamento de leitos e campos marginais dos rios Lima, Lis, parte inferior do Tejo e Guadiana e seus afluentes, estando alguns projectos já bastante adiantados, como o relativo ao canal de Alpiarça e, muito principalmente, o que diz respeito aos cursos de água da bacia hidrográfica do Lis, obra esta que deve importar em cerca da duas dezenas de milhares de contos e com cuja execução muito virá a beneficiar uma riquíssima região agrícola, hoje grandemente desvalorizada.
Esta desvalorização é consequência directa e imediata do estado de obstrução do leito do rio, que provocou a invasão de uma vasta área pelas areias transportadas pelas águas durante as cheias do inverno e o apaulamento de uma outra área não menos vasta.
Êste aspecto da questão - o apaulamento de zonas mais ou menos extensas nas proximidades de centros populacionais -, que também poderá ficar resolvido com a regularização dos nossos rios, é também importantíssimo pelas trágicas consequências que resultam, para a salubridade das regiões, do sezonismo, cuja manifestação e desenvolvimento é notavelmente favorecido por tais apaulamentos.
Aproveitamento hidroeléctrico do rio Zèzere
O Govêrno tem dispensado cuidadosa atenção ao instante problema da utilização de energia disponível nos nossos rios para a produção de electricidade, não só com o objectivo de se deminuírem as importações de carvão, mas também para se obter no País energia a baixo preço que permita desenvolver as indústrias electroquímica e electrometalúrgica. Este objectivo conjuga-se com o desenvolvimento da indústria mineira, que depende também da resolução do problema dos transportes económico; por via fluvial.
Desde alguns anos que o Governo tem feito estudar os recursos do País em energia hidráulica.
Entre os aproveitamentos possíveis sobreleva em importância o de Castelo do Bode, no rio Zèzere, a respeito do qual a Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos já fez estudos muito importantes, de que deu notícia nos seus Anuários de 1938 e 1939, onde colhemos algumas notas que permitem pôr em relevo a magnitude da obra a realizar.
O sítio de Castelo do Bode fica no rio Zèzere, uns 4 quilómetros a montante da foz do Nabão.
Projecta-se construir ali uma grande barragem de betão, com 113 metros de altura, total, para criação de uma albufeira cuja capacidade será superior a 1 bilião de metros cúbicos.
As condições topográficas do local escolhido são muito favoráveis, pois que permitem aquele enorme armazenamento de água, com uma altura perfeitamente aceitável na prática actual da construção de grandes barragens de betão.
Poucos sítios haverá na Europa que permitem a criação de uma albufeira de tam grande capacidade.
Basta citar, por exemplo, a barragem de Sarrans, em França, com 105 metros de altura, uma das mais importantes obras deste género construídas na Europa, cuja albufeira tem apenas a capacidade de 300 milhões de metros cúbicos, isto é, menos de um terço da capacidade da projectada albufeira de Castelo do Bode. Mas não é esta a única vantagem do local escolhido; há muitas outras, e importantes, devendo pôr-se em relevo que os terrenos a inundar têm fraco valor agrícola e que ,a bacia de alimentação da albufeira fica mima região muito pluviosa, abrangendo a vertente sul do maciço montanhoso mais importante do País (a serra da Estrela), que é o grande castelo de água de Portugal.
Por conseguinte, a possibilidade topográfica de se fazer um armazenamento enorme conjuga-se com uma grande abundância de recursos hidráulicos.
Além disso, este local privilegiado para a realização de um grande aproveite mento hidroeléctrico fica no distrito de Santarém, apenas a 120 quilómetros de Lisboa, que é o principal mercado a abastecer por meio da projectada supercentral de 200:000 CV.
Apresentando este. sítio tantas vantagens para a realização de um grande aproveitamento hidroeléctrico, tal obra ainda não está realizada porque o empreendimento é de grande fôlego, exigindo a inversão de avultado capital: cerca de 300:000 contos.
Por isso é Governo tem de facilitar a execução desta obra, que permitirá produzir energia em condições muito económicas, mas exige grandes despesas de 1.º estabelecimento.
A modalidade administrativa a adoptar para a sua realização ainda não está definitivamente assente. Todavia já muito se tem feito no sentido de que o País seja dotado com tam útil melhoramento.
Elaborou-se já um anteprojecto muito pormenorizado e estudou-se o assunto sob o ponto de vista geológico .
Um eminente geólogo francês, que veio recentemente a Portugal, verificou que as condições geológicas do local da barragem são favoráveis à, sua construção, o que muito animou o Govêrno no sentido de promover a realização deste grande empreendimento.
Prevê-se para a supercentral de Castelo do Bode uma produção anual de cerca de 300 milhões de kilowatts-hora, de energia, permanente, isto é, de energia cujo fornecimento se possa garantir, quer de verão, quer de inverno, seja o ano úmido ou sêco.
Prevê-se que esta energia possa vir a ser vendida a cerca de $10 o kWh, em alta tensão.
Além disso, durante os meses de inverno conta-se com a produção de mais de 100 milhões kWh (energia temporária) para serem vendidos aproximadamente a metade daquele, preço.
Estes preços, extremamente animadores, fazem prever a transformação económica do País, abrindo novas perspectivas para a actividade da nossa população, cujo nível de vida o Governo procura elevar por todos os meios ao seu alcance.
As importâncias levantadas pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica- Agrícola, Administração Geral