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15 DE DEZEMBRO DE 1941 73

com indicação do condicionamento a que estão sujeitas essas concessões.

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 13 de Dezembro de 1941. - O Deputado Augusto Cancela de Abreu.

O meu segundo objectivo ao pedir a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, foi o de expandir em algumas, poucas, palavras as preocupações graves, pesadas, que se obstinam no meu espírito de há dias para cá e às quais, por certo, nenhum de V. Ex.ª é estranho.
A situação internacional acaba de sofrer um extraordinário agravamento; a tragédia, a catástrofe que já assolava uma tal grande parte do mundo, estendeu-se agora por todo êle, de norte a sul, do nascente ao poente, incomensuràvelmente. E o dia de amanhã ninguém neste mundo sabe qual êle será.
Os dois palmos do nosso continente, como as vastíssimas extensões do nosso império ultramarino, têm sido poupados, graças a Deus e honra a quem nos governa, às grandes desgraças da guerra. Portugal tem sido - e quantos portugueses haverá que não o compreenderam bem, ou mal o avaliaram ainda - , Portugal tem sido um abençoado oásis de paz no mundo em destruição.
Até agora, por prodígios de equilibrados esforços e de bom senso, os portugueses, firmes na sua prestigiosa e respeitada neutralidade, tom usufruído os inestimáveis benefícios do seu alheamento do conflito, no seu aspecto político e militar, e mal se têm apercebido de algumas dificuldades económicas e de subsistência que, aqui e ali, começaram a atingi-los.
O comércio externo do País tem podido, apesar de tudo, manter-se em certas proporções. Os nossos poucos navios mercantes e os de algumas nações estrangeiras têm podido continuar a drenar do País certos produtos e a trazer-lhe em troca outros que lhe são indispensáveis.
Mas a tragédia tomou, agora proporções inconcebíveis; e as consequências para nós desse alastramento da guerra - mal que outros fazem - não podem deixar de ter passado a constituir, para toda a gente bem formada e com a noção das realidades, o mais torturante e aflitivo pesadelo.
Na verdade, o que irá passar-se?
As minhas preocupações não se avolumam quanto à nossa integridade política territorial. Por êsse lado havemos, certamente, de continuar impondo ao respeito dos outros, à sua boa vontade, e até à lucidez da sua inteligência ou à lógica compreensão das suas próprias conveniências, a nossa inviolabilidade em todas as partes do mundo, em todos os pontos que nos pertencem na Terra por direito incontestado e incontestável.
Apoiados.
Mas preocupam-me, Sr. Presidente, as consequências económicas e de abastecimento da Nação. Novas beligerâncias vão talvez privar-nos de certos mercados abastecedores e de certos navios que nos trazem aquilo de que carecemos. A guerra no Atlântico vai viver novas e mais terríveis fases, que envolverão em maiores perigos o tráfego pacífico que nele queira conservar-se. Novos o maiores necessidades dos outros, que alguma cousa de que e seu nos destinavam, vão naturalmente impor-se e prevalecer sobre as nossas próprias necessidades. Vamos ter, por consequência, cada vez mais que nos contentar com aquilo que nós próprios pudermos produzir.
E chegada portanto a ocasião, Sr. Presidente, e infelizmente, de a Nação se acautelar a valer. Não podemos agora continuar, como em conto de fadas, a viver alheados das tristes realidades do momento, das tristes realidades que afligem, mesmo fora o sangue e a destruição, o resto da humanidade. Não podemos deixar de entrar desde já como que voluntariamente, em regime de privações, antes que, de chofra e radicalmente, cie se nos imponha sem contemplações. Quanto antes, há que actuar, e com energia, não se fôsse atribuir a nossa serenidade e a nossa inacção nesse campo a um feio estado de alma que se chamaria inconsciência.
É do Govêrno, Sr. Presidente, que eu solicito essa actuação, que a opinião pública não pode deixar de receber com aplauso e confiança.
Apoiados.
Cometem-se ainda nesta hora, neste País, em matéria de consumos, verdadeiros desperdícios, ia a dizer, em face das circunstâncias, verdadeiras monstruosidades. Cada um ainda gasta o que quere daquilo que já falta ou que virá a faltar-nos. O supérfluo ainda não sofreu, sequer, o menor condicionamento. Estamos à beira, quem sabe, de um abismo, e ainda se não restringiram as diversões; A energia eléctrica consome-se ainda, pública ou privada, como se a maior parte não fôsse produzida por carvão e êste não estivesse na iminência de nos faltar; os combustíveis líquidos, para um dos quais se estabeleceu a única medida directa de restrição, continuam a alimentar combustões que deviam ceder lugar a outras de maior indispensabilidade, actual ou previsível; ainda se come por toda a porte, como de costume, sem conta, nem peso, nem medida, desde a casa particular nos hotéis e aos restaurantes; as pastelarias ainda continuam a abarrotar de bolos e outras guloseimas. E o pior, Sr. Presidente, o que começa a ser grave, é que o que uns comem a mais falta para a alimentação frugal do maior número; que o digam, sobretudo por essas nossas províncias fora, os que já não encontram muitos géneros ou matérias indispensáveis à vida, ou têm de os pagar por preço exorbitante!
Temos de entrar desde já e resolutamente, Sr. Presidente, pelo caminho franco e generalizado das restrições. É o bom senso que o ordena.
O Govêrno já apelou para o máximo da produção e o máximo da poupança. Mas nesse aspecto não há que confluir demasiado na iniciativa individual; nem se pode deixar tam grave problema ao arbítrio do mau senso de cada um.
Enveredemos por uma política adequada às circunstâncias, que é a da «mobilização» económica. Orientem-se pelo bem comum, pelo bem nacional que a emergência indica, a produção agrícola e a produção industrial. Condicionem-se com o maior rigor as exportações e vigiem-se eficazmente, para que não abandone Portugal o que faz falta aos portugueses e que, ao que parece, ainda agora nos vai fugindo. E, finalmente, constituam-se as reservas que a salvação pública exige.
Feito isso, feito tudo o que estiver na nossa mão, a tradicional conformação dos portugueses com os azares irremediáveis do destino, a sua proverbial sobriedade, a sua fácil e meritória acomodação ou adaptação às vicissitudes tia vida farão com que eles recebam no ânimo sereno e confiante as privações a que tiverem de ser sujeitos. E à imprensa cube o grande papel de advogar a justa causa e de promover a sua compreensão geral.
Não sou pessimista, Sr. Presidente. Anima-me, pelo contrário, uma grande, uma inabalável fé nos destinos eternos de Portugal, que todos, nu verdade, não somos demais para continuar. Apenas pretendi afirmar ao Governo a favorável espectativa, a confiança e o apoio consciente da opinião pública nesta matéria.
Apoiados.
E termino, resumindo assim: vivemos em economia dirigida; é preciso, especialmente neste momento, dirigir as economias.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.