29 DE JANEIRO DE 1942 117
o saneamento de algumas regiões; e, neste caso, surge naturalmente esta pregunta:
Então tudo isto, que evidentemente são problemas que interessam ao País em geral, há-de ser pago única e exclusivamente pelo homem que cava e lavra a terra?
Como V. Ex.ªs sabem, a nossa lei de hidráulica agrícola põe sobre os proprietários beneficiados com essas obras todas as responsabilidades. Têm de pagar tudo, desde os estudos à execução das obras - até aos últimos 5 réis. Têm de pagar até também a inexperiência e a aprendizagem dos técnicos.
Quando falo em inexperiência e aprendizagem dos técnicos não digo nada que para eles seja desprimoroso. Ninguém nasce ensinado. Por muita teoria e sabedoria que naja, elas precisam de ser aliadas à prática para resultarem eficientes.
Esta lei, julgava eu que seria uma lei de fomento, tal como eu compreendo una lei dessa natureza: uma lei em que o Estado, visto que as obras transcendiam as possibilidades dos particulares, colocava os seus capitais, esperando com alguma paciência que eles mais tarde se traduzissem em proveito para a Nação.
Parece, porém, que outra idea se formou e que foi afinal um empreendimento financeiro que se buscou fazer. E, em reforço desta minha opinião, vou ler a V. Ex.ª uma passagem do parecer da Câmara Corporativa, quando lhe foi presente o plano de obras de hidráulica agrícola. Essa passagem, estudando precisamente o aspecto financeiro da operação, diz o seguinte:
«A anuidade calculada no plano é de 45:352 contos e corresponde à amortização do mesmo capital de 1.120:000 contos em cinquenta anos, com uma taxa de juros sensivelmente igual a 3,22 por cento. Mas o Estado cobra, além daquela anuidade, um excesso de contribuição avaliado em 37:254 contos, de modo que a anuidade efectiva pode dizer-se que se eleva a 83:606 contos. Para o mesmo juro de 4 por cento esta anuidade corresponde ao capital de 1.774:557 contos, ou seja cerca de 1,58 vezes o capital despendido com estudos e obras.
À Câmara Corporativa insiste mais uma vez no carácter aleatório e grosso modo aproximado destes cálculos, aos quais se não pode atribuir outro valor senão o de mostrar que, mesmo financeiramente, o plano nada tem de aventuroso, antes se pode chamar empreendimento lucrativo».
Estas duas palavras a empreendimento lucrativo» estão sublinhadas no parecer da Câmara Corporativa. Por outras palavras, ou, melhor dizendo, por outras contas: o Estado viria a receber duas vezes e meia o capital investido nestas obras e ainda o juro de 3,22 por cento. E, se V. Ex.ª quiserem coutas mais simples, a verba da contribuição que corresponde ao juro de 3 por cento do capital inscrito.
Assim o Estado empregaria dinheiro a 6,22 por cento.
Não quero fazer mais afirmações sobre este aspecto do problema.
Mas pregunta-se: era só isto o que o Estudo recebia? E então os impostos indirectos? Quere dizer: desde que aumentava a produção, evidentemente que aumentava o trabalho das indústrias transformadoras, dos transportes, etc., e de tudo isso viria a receber mais dinheiro.
Subindo o valor das propriedades - como se vê das contas apresentadas pela Junta de Hidráulica Agrícola -, a quanto montaria a contribuição pelas transmissões da propriedade, e ainda o malfadado imposto sucessório, imposto a que eu um dia terei a satisfação de me referir, dizendo dele de triste memória?
Como V. Ex.ª vêem, tratava-se - ao que parece -, de uma operação financeira brilhante. Simplesmente parece que ela é economicamente irrealizável.
Como já acentuei, tudo era para pagar nas obras. Desde o primeiro lápis até à última folha de papel, tudo é lançado na conta das obras, e para que V. Ex.ª não fiquem com a suspeita de que eu sou porventura exagerado quando digo que até a aprendizagem dos técnicos era necessário pagar, vou ler uma passagem de um relatório publicado em 1935.
Trata-se do um ofício da hidráulica agrícola ao Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, e diz assim:
«Num país onde AS obras de engenharia hidráulica com objectivo agrícola começam agora a aparecer ... crê a comissão executiva da Junta Autónoma dos. Obras de Hidráulica Agrícola ser chegado o momento de dar aos seus técnicos conhecimentos de ordem prática e de execução de trabalhos que habilitem a Junta a satisfazer aos fins nacionais para que foi criada. De entre tais conhecimentos de execução destacam-se, pela oportunidade e urgência de ensaio, os que se referem à técnica da construção de diques e barragens de terra... Julga por isso a comissão executiva da Junta ser seu dever apresentar a V. Ex.ª as considerações aqui feitas e pedir autorização para adquirir imediatamente, pela verba consignada a estudos, a maquinaria de que carece para a instrução e preparação dos seus técnicos, aproveitando-se para tal fim a oportunidade da construção de barragens, já aprovada, do paul de Magos».
Não quero dizer, pois disso não tenho a certeza, que as próprias máquinas fossem pagas pelos proprietários, mas escuso de reforçar a afirmação de que a inexperiência se traduz num aumento do custo da obra, e eu posso até sintetizar em números: a barragem do paul de Magos, que devia comportar 6.000:000 de metros cúbicos, comporta apenas pouco mais de um terço da sua capacidade, e isso porque, quando a começaram, a encher, tiveram de a despejar à pressa, por que vertia água por todos os lados.
Em consequência disto teve de ser refeito o canal principal, e tudo custou muito dinheiro é todas estas considerações servem, afinal, para quê?
Servem para demonstrar que, se chegamos à conclusão de que os proprietários não podem com a carga que lhes puseram em cima, mesmo que o Estado tenha de ceder alguma cousa, tem muito por onde ceder.
E esta a demonstração que eu queria fazer, e a resposta que dou à minha primeira pregunta é: não estão equitativamente distribuídos os encargos pelo Estado e pelos particulares, porque o alcance das obras de hidráulica agrícola excede em muito o âmbito da acção do proprietário que lavra e cava a terra, e, por consequência, há uma parte, de interesse geral, que o Estado pode e deve pagar; pode, porque tem margem para isso, e deve, porque é essa a sua função.
Posto isto, Sr. Presidente, passemos à segunda interrogação: haveria pouco cuidado na execução dos orçamentos, visto que eles são sempre largamente excedidos?
Ora nós em 1937 já considerávamos excessivos os números que então vinham nesses relatórios, e que eram, em média, de 10.000$ por hectare.
Mas o que é que sucedeu depois?
Devo dizer a V. Ex.ª que jamais lhes ditarei um número que não venha em qualquer relatório ou documento dimanado da Junta de Hidráulica Agrícola, pois não quero servir-me de outros numeras.
Para o paul de Magos foi feito um orçamento de 5:800.000$.
Foi este ò projecto que se apresentou ao Conselho Superior de Obras Públicas, que o rejeitou uma vez e que o aceitou depois, fazendo muitas reticências e dizendo até que não foi feliz a hidráulica agrícola com o primeiro trabalho.